Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, nasceu em 1944 em Xapuri no Acre, mesma cidade onde ele foi assassinado há exatos 32 anos. Na Amazônia, que ele tanto amou e pela qual lutou até o fim, o legado de Chico é incontornável, mas um fato frequentemente ignorado pela grande mídia, de maneira certamente proposital, é de que ele era um militante socialista organizado e ativo, que apresentou ao mundo a questão do trabalho dos povos da floresta como sujeitos históricos.
A luta dos seringueiros, os operários que extraíam a matéria-prima para a borracha na floresta amazônica, unia ao mesmo tempo a demanda contra a exploração do trabalho à luta pela terra e pelo manejo sustentável do bioma. Na sua oposição, os grileiros e latifundiários, que avançavam contra a floresta para transformá-la em pasto ou mesmo para manter os seringueiros em condição de quase escravidão, impedindo-os de se organizar coletivamente e colher os frutos do seu trabalho.
Chico Mendes trouxe uma enorme contribuição para a luta social no Brasil e no mundo, desafiando concepções “desenvolvimentistas”, que volta e meia atormentam a própria esquerda, e que muitas vezes qualificam os povos da floresta como um elemento “atrasado” que necessita ser superado pelo “progresso” — desconsiderando a enorme atualidade e potência criadora desses sujeitos.
Militante, Chico foi fundamental para a criação do Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri, chegou a ser eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e já em maio de 1980, poucos meses depois da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), ele se filiou à agremiação, sendo o primeiro vereador do partido no Acre.
O assassinato covarde que ceifou a vida de Chico o eternizou junto com a sua luta. Para lembrar esse dia, a Jacobin Brasil convidou Gomercindo Rodrigues, amigo pessoal de Chico Mendes que militou com ele em Xapuri, para escrever um breve relato sobre seu legado e os dias que antecederam sua morte.
Hugo Albuquerque
“A Gaspar”, uma canção nicaraguense, do poeta Carlos Mejía Godoy, diz em um de seus versos, ao relatar a morte do comandante sandinista “…sabia que chegaria, a morte sem avisar…”. Chico Mendes conhecia e admirava a revolução sandinista, tanto que colocou o nome de seu filho caçula de Sandino, em homenagem ao patrono da revolução nicaraguense.
Com Chico Mendes não era diferente. Desde 1977 ele vinha recebendo constantes ameaças de morte que partiam dos fazendeiros, principais prejudicados pelo trabalho de organização dos seringueiros na região de Brasiléia e Xapuri, que tinha por base a realização dos empates contra as derrubadas florestais.
Em 21 de julho de 1980, pistoleiros a soldo assassinaram o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Wilson Pinheiro, a primeira grande liderança sindical da região, com quem Chico Mendes trabalhara desde 1975. De acordo com o que se conseguiu de informações posteriores, nesse mesmo dia deveria ser morto Chico Mendes, mas não foi encontrado por aqueles que deveriam matá-lo.
Após o enterro de Wilson Pinheiro em Brasiléia e, principalmente, depois da morte do testa de ferro de fazendeiros na região, Nilão, Chico teve de passar cerca de dois meses vivendo na semiclandestinidade, dormindo cada dia num lugar diferente, sendo permanentemente perseguido por pistoleiros que aguardavam uma chance de matá-lo com segurança.
Foram dias muito tensos, segundo o relato do próprio Chico.Todos os anos as ameaças se repetiam, principalmente na época das derrubadas, desmatamento visando transformar as florestas em pasto, por causa da resistência organizada dos trabalhadores.
Até sua morte, pelo que ele conseguiu de informações, Chico Mendes esteve muito próximo de ser assassinado seis vezes, conseguindo escapar em algumas ocasiões por acaso, mudando trajetos de deslocamentos ou simplesmente adiando, por outros motivos, viagens já marcadas. Outras vezes, avisado de que havia emboscada armada, Chico mudava a direção de seus deslocamentos.
Num registro feito na agenda em 1987, Chico Mendes anotou no dia 10 de agosto: “2 horas da madrugada, ameaças, tentativa pelo girau da cosinha (sic) do Sindicato”. Nessa madrugada em que, por sorte, Chico não estava sozinho na sede do STR, em Xapuri, alguém tentou invadir a sede da entidade pulando pela janela do “jirau” (local onde se lavam utensílios de cozinha). O pistoleiro não conseguiu porque a madeira, apodrecida, cedeu sob o peso do invasor, que fugiu correndo, deixando as marcas de seus pés na lama.
Poucas semanas antes de ser assassinado, Chico Mendes deixou um bilhete para uma amiga no escritório do Centro dos Trabalhadores da Amazônia, em Rio Branco, dizendo que fora seguido o dia todo por pistoleiros.
Chico Mendes sabia que estava marcado para morrer e denunciou essa dramática situação durante todo o ano de 1988, enviando muitas correspondências às autoridades, tanto em nível de Estado do Acre, como em nível federal. A imprensa e os políticos acreanos encaravam tais registros como se fosse de alguém que denunciava as ameaças somente para ficar em evidência na mídia.
Sempre a última despedida
Sabendo que não tinha muito tempo de vida, a cada vez que proferia uma palestra, durante o ano de 1988, ao viajar de volta para o Acre, sempre se despedia dos amigos como se fosse a última vez que os veria. Isso ficou muito patente nas palestras proferidas em Piracicaba (07 de dezembro) e Rio de Janeiro (09 de dezembro), quando, ao ressaltar que estava ameaçado de morte, frisou que talvez estivesse voltando para sua terra para ser morto.
Apesar de todas as ameaças e dos riscos reais, Chico Mendes nunca deixou de lutar e de acreditar que somente a organização e disciplina dos trabalhadores poderia fortalecê-los para os enfrentamentos em defesa de seu modo de vida dos povos das florestas.
Morrer era uma possibilidade concreta, mas Chico Mendes nunca se deixou dominar pelo medo. Registrou em sua última entrevista ao jornalista Edilson Martins, que: “se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.”
Como diz a música em homenagem ao revolucionário sandinista “Comandante Gaspar”, o padre sandinista: “Sabia que chegaria a morte sem avisar, porém a morte é semente quando há um povo por trás…”
Aqueles que atiraram no Chico erraram o alvo, perderam o tiro. Aqueles que pensam que o mataram, na verdade, tornaram-no imortal.
Chico Mendes Vive!
Sobre os autores
foi amigo de Chico Mendes, com quem trabalhou, em Xapuri, de 1986 até 22 de dezembro de 1988. Membro fundador do Comitê Chico Mendes e autor do livro “Caminhando na Floresta” (publicado pelas editoras EDUFAC, de Rio Branco – AC, em parceria com a editora Xapuri Socioambiental, de Formosa-GO, no ano de 2009)
[…] Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2020/12/a-eternidade-de-um-ecossocialista-sem-medo/ […]
[…] O legado de Chico Mendes está enraizado na organização coletiva dos trabalhadores distantes dos centros de poder nacionais do Brasil. Como James Brooke escreveu no New York Times em 1990, quando […]
[…] 6 de agosto – data da Revolução Acreana – o município de Xapuri inaugurava a estátua do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988 a mando de fazendeiros locais. O momento foi de homenagear o […]
[…] chegar a tempo no velório. Chico Mendes era, de fato, uma figura única: um socialista convicto, inspirado pela revolução sandinista, que articulou a luta dos trabalhadores extrativistas da floresta com a luta indígena e se tornou […]