O Airbnb tem sido uma ameaça para as grandes cidades há anos. O serviço tem sido, crivelmente, acusado de aumentar os custos de habitação quando as unidades são convertidas em aluguéis de curto prazo, enquanto os residentes reclamam que o Airbnb prejudica suas comunidades. Por toda a Europa, os governos impuseram restrições e regulamentações ao serviço com vários graus de sucesso, como, por exemplo, o caso de Londres, onde, em maio de 2019, quase um quarto das hospedagens listadas violava a cláusula sobre o “limite de 90 dias” vigente na cidade.
No início de 2020, os governos continuaram a lutar contra a plataforma de aluguel, com oito cidades europeias apelando por uma decisão favorável da União Européia que concluiu que a empresa não precisava de uma licença de agente imobiliário. Enquanto isso, as autoridades fiscais francesas estavam exigindo dados para investigar anfitriões por evasão fiscal, enquanto a Escócia aprovou novas leis para permitir que as autoridades locais regulassem licenças de curto prazo.
Mas então veio a pandemia, quase dizimando a indústria do turismo da noite para o dia e alterou com força a balança de poder entre o Airbnb e os governos.
Alguns anfitriões do Airbnb se irritaram com a falta de apoio que receberam da empresa, mas há pouca simpatia pelas pessoas que vinham lucrando na retirada de imóveis do mercado de aluguel por anos. Depois que as reservas despencaram em até 96% em algumas cidades, a empresa demitiu 1.900 funcionários e cortou gastos não essenciais.
Uma vez que ficou claro que esta seria uma crise prolongada e as viagens não seriam retomadas rapidamente, os proprietários destes imóveis começaram a migrar de volta para o mercado de aluguel de longo prazo. Em Dublin, por exemplo, houve um aumento de 64% nas listas de aluguéis em março, enquanto o valor dos aluguéis caiu em seu maior percentual em uma década em abril. Tendências semelhantes foram observadas na Austrália, Canadá e por toda a Europa. Depois de afirmar por anos que seu serviço não aumentava os aluguéis, o Airbnb provou que estava definitivamente errado.
As cidades europeias deixaram claro que usarão seu novo poder para reprimir o Airbnb. A decisão da Escócia de dar “bolsas de apoio aos negócios” a certos anfitriões do Airbnb irritou alguns vereadores em Edimburgo, mas eles esperam usar os dados coletados no processo para aumentar o controle. Enquanto isso, Lisboa foi saudada por criar um novo plano para trazer mais Airbnbs de volta ao mercado de aluguel de longo prazo, porém isenta os proprietários de impostos sobre propriedades e ganhos de capital. Isso parece um tratamento generoso para as pessoas que ajudaram a intensificar a crise habitacional da cidade. Felizmente, outros governos estão propondo uma abordagem mais radical.
Em Paris, Ian Brossat, o vice-prefeito encarregado da pasta de habitação, disse que a cidade pretendia “retomar o controle” e “poderia comprar alguns desses apartamentos e devolvê-los ao mercado tradicional de aluguel”. Depois de se reeleger no início deste mês, a prefeita Anne Hidalgo também se comprometeu a fazer um referendo para limitar o número máximo de dias por ano que aluguéis de curto prazo podem ser alugados. É provável que aconteça em novembro.
Da mesma forma, apesar do novo governo da Irlanda ser uma coalizão de direita, o ministro da Habitação, Darragh O’Brien, está traçando planos para o Estado comprar propriedades do Airbnb. Em entrevista ao TheJournal.ie, disse: “Se houver oportunidades para o Estado comprar, a preços razoáveis, para que possamos abrigar pessoas e, então, eles possam alugá-las com a segurança do Estado, então devemos fazê-lo.”
Depois de anos lutando contra o Airbnb com regulações que quase sempre tenta contornar ou ignorar o problema central, a perspectiva de Paris e Irlanda assumirem unidades do Airbnb não deve apenas ser bem-vinda, mas os cidadãos em outras cidades devem exigir que seus governos façam o mesmo. As cidades devem usar a vantagem que ganharam com a pandemia não apenas para proibir a disponibilização de casas inteiras no Airbnb – ou mesmo de toda a plataforma – mas para tornar as propriedades listadas nessas plataformas como propriedade pública.
Essas unidades podem ser rapidamente transformadas em habitação social para população de rua que hoje está em abrigos, alojamentos temporários ou que permanecem nas ruas. Mas investida sobre o Airbnb deve ser apenas uma parte de uma estratégia mais ampla para garantir que a habitação atenda às necessidades dos residentes, não dos investidores. Os aluguéis podem estar temporariamente baixos em muitas cidades, mas é improvável que continuem assim se medidas mais sérias não forem tomadas.
Com as crises de despejos crescentes nos EUA e no Reino Unido, há uma necessidade não apenas de proteções contínuas para manter as pessoas em suas casas, mas de um grande investimento em habitação social que não apenas proporcionaria às pessoas hospedagem segura, mas criaria empregos em uma economia erodida. O apelo dos líderes do parlamento em todo o Reino Unido para a construção de 100.000 novas moradias populares para trabalhadores essenciais é um ótimo ponto de partida.
Depois de anos dificultando a vida dos residentes em cidades ao redor do mundo, a pandemia colocou o Airbnb à mercê dos governos e seus investidores – e seu poder não retornará tão cedo. As cidades têm uma rara oportunidade de expulsar a empresa, retomar as unidades que existiram exclusivamente para servir aos turistas e garantir que qualquer arrendamento futuro seja devidamente regulamentado. Os governos estariam errados em desperdiçar esta oportunidade.
Sobre os autores
é um escritor de tecnologia canadense. Ele é o apresentador do podcast Tech Won't Save Us e autor do livro Road to Nowhere: What Silicon Valley Gets Wrong about the Future of Transportation (Verso, 2022).