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Bombeiros tentam apagar as chamas que se espalham por uma rodovia durante um incêndio em 5 de agosto de 2021. Crédito: por Milos Bicanski / Getty Images

Como a austeridade ajudou a incendiar florestas históricas na Grécia

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Tradução
Cauê Seignemartin Ameni

Anos de cortes na infraestrutura dos bombeiros gregos, enquanto o governo aumentava o orçamento do aparato de repressão policial, geraram um dos piores desastres naturais da Europa - e, a menos que invistamos em serviços públicos que combata as mudanças climáticas, isso se tornará uma história recorrente.

Se Ferdinand Lassalle vivesse hoje, ele seria capaz de ver suas idéias envelhecerem mal. Em 1862, Lassalle, falando a um encontro socialista em Berlim, descreveu sua teoria do Estado vigia noturno – um conceito neoliberal no qual o Estado transfere seu modus operandi para o setor privado e mantém apenas algumas funções vitais, mas limitadas, como garantir a segurança e estabilidade social.

Nas últimas semanas na Grécia, a maioria ficaria surpresa ao ver um vislumbre disso. O Estado grego ficou aquém, mesmo em comparação com um vigia noturno cujo único dever é prevenir o pior.

No momento em que escrevo, mais de 250.000 acres da Grécia foram queimados por violentos incêndios florestais, 150.000 somente na ilha de Evia. Mais de 100.000 pessoas foram afetadas.

A série de incêndios nas últimas duas semanas carbonizou grandes áreas em Atenas, Peloponeso e outros lugares. Quarenta comunidades e cidades foram varridas e os incêndios continuam fora de controle, forçando milhares a fugir de suas casas, muitas vezes sem aviso prévio. Na maioria das frentes que enfrenta o incêndio, como os caminhões dos bombeiros, forças terrestres e aéreos de combate à incêndios, as ações são limitadas ou quase inexistentes. A União Europeia (UE) afirma que, no passado, forçou a Grécia a aceitar cortes no orçamento, agora corre para fornecer ajuda e aviões descarregando água.

O pior desastre ecológico de todos os tempos na Grécia, e um dos piores da Europa, ocorreu no auge de uma onda de calor extrema que durou cerca de três semanas. O calor secou e afastou a umidade e deixou as florestas de pinheiros prontas para queimar – provando que o colapso do clima já está conosco.

A questão que fica pairando no ar é simples. Algum desses resultados poderia ter sido evitado? Esses incêndios resultaram diretamente dos efeitos da crise climática ou é algo mais complicado?

Em novembro do ano passado, pouco antes do governo grego redigir o orçamento anual para 2021, as autoridades florestais solicitaram formalmente 17,7 milhões de euros. O governo deu a eles apenas 1,7 milhão.

Isso não foi uma surpresa: os últimos anos foram de austeridade e cortes. De 2016 a 2020, a despesa pública média dirigida às autoridades florestais foi de apenas 1,72 milhões de euros, deixando as suas operações estruturalmente subfinanciadas e, portanto, com falta de pessoal – apesar de um terço do país ser coberto por floresta. Cerca de cinco mil bombeiros também viram seus contratos chegarem ao fim, enquanto o governo aumentava o número de policiais em toda parte.

A austeridade está muito presente na Grécia, apesar do que os pensadores neoliberais pregam sobre um retorno à “normalidade econômica”. Os incêndios florestais em Evia, a segunda maior ilha grega depois de Creta, marcam os resultados devastadores de um Estado que não consegue alinhar suas prioridades com as de seu povo. Nos últimos meses, 1,9 bilhões de euros foram dedicados à compra de aviões de caça para justificar o antagonismo militar entre Grécia e Turquia (ambos membros da OTAN), e 6,6 bilhões de euros foram doados à OTAN. Outros 30 milhões de euros foram destinados à criação de uma força policial especial a ser colocada nas universidades públicas da Grécia. É aí que reside a contradição de um Estado que gasta tanto em mecanismos de repressão, mas não consegue fornecer segurança.

A estratégia do governo para lidar com os incêndios foi baseada nas mensagens de evacuação enviadas pelos celulares dos residentes. Mas os esforços do primeiro-ministro para evitar baixas saíram pela culatra: sem linhas de defesa ao redor das aldeias e pequenas cidades, os moradores decidiram assumir e lutar contra o fogo eles mesmos. Usando de tudo, de mangueiras a veículos de fazendeiros, caminhões-tanque e pás. Os moradores locais, junto com pessoas que por acaso passavam as férias na área, lutaram contra o fogo, muitas vezes com resultados notáveis. Em consequência da emergência e da incapacidade do Estado de dar o apoio necessário, as redes de solidariedade foram autorizadas a tomar iniciativas.

Essas redes e organizações agora estão no comando da situação. Eles começaram a construir estruturas para suprir as necessidades básicas das pessoas afetadas, montaram cozinhas sociais, trouxeram geradores onde a eletricidade é cortada e forneceram apoio psicológico para quem precisava. Um novo mundo literalmente surgindo das cinzas permitiu que as pessoas refletissem sobre o que aconteceu e o que ainda está por vir.

O fogo agora está quase sob controle, mas a extensão total de sua devastação ainda não foi calculada. Milhares de pessoas enfrentam evacuações de longo prazo e a perda de suas casas, fazendas e negócios, sem falar da infraestrutura.

Esta é uma questão de sobrevivência para as comunidades locais e não de gestão de crises para os marginalizados. Em um mundo que passa por mudanças climáticas, todos somos potencialmente marginalizados. Assistir as pessoas fugindo de suas casas para os pequenos barcos na costa evita que tenhamos que imaginar como seriam os refugiados do clima.

Passar do local para o global nos força a ver que não há nada de “ordenado” na ordem neoliberal no mundo de hoje. Antes de acabarmos lutando pela sobrevivência de nossas comunidades, devemos considerar se a luta pela redistribuição da riqueza e uma grande mudança nas prioridades de nossos Estados é condição sine qua non para ter uma chance decente. Devemos também considerar o que vem a seguir: agravamento das desigualdades, luta pelos recursos remanescentes, instabilidade social e geopolítica.

O que está acontecendo na Grécia pode ser apenas o prelúdio de todos esses futuros. Se aqueles que alimentam a crise climática global não pretendem agir, teremos de agir nós mesmo.

Sobre os autores

é ex-membro das relações internacionais no Instituto Nicos Poulantzas em Atenas, Grécia. Ele agora é um analista de assuntos da União Europeia e membro da Momentum.

Cierre

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Published in Análise, Economia, Europa and Meio Ambiente

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