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O presidente venezuelano Nicolás Maduro fala durante uma entrevista coletiva em Caracas, Venezuela, em agosto de 2021. (Manaure Quintero / Bloomberg via Getty Images)

Como os EUA usaram as redes para intervir na Venezuela

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Tradução
Cauê Seignemartin Ameni

Documentos inéditos obtidos pela Jacobin revelam que os EUA intervieram nas eleições venezuelanas treinando forças da oposição para usar o Facebook contra o partido do presidente Nicolás Maduro.

Nos últimos anos, os políticos dos EUA condenaram o Facebook por prejudicar a saúde das crianças, amplificar a violência de Washington à Índia e disseminar desinformações sobre a COVID-19 e sua vacina na pandemia. As críticas seguem um vazamento de milhares de documentos internos da empresa conhecidos como Facebook Papers, que revelam que, apesar do conhecimento do papel de seus produtos em alimentar uma série de comportamentos tóxicos, o Facebook se recusou a tomar qualquer ação significativa em resposta, colocando seus lucros na frente da saúde social.

No entanto, enquanto os parlamentares estão explorando as consequências políticas do vazamento para aumentar os ataques em andamento à gigante da tecnologia, os contribuintes também podem estar interessados ​​em saber por que o governo dos EUA financiou programas para ajudar partidos políticos e ativistas da oposição a usar o Facebook para minar governos estrangeiros. E a Venezuela é um caso a parte que merece uma análise detalhada.

Após a morte do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o Instituto Democrático Nacional – um braço independente do governo dos EUA criado para financiar e apoiar partidos políticos no exterior de uma maneira mais formal do que a Agência Central de Inteligência (CIA) – financiou membros da oposição venezuelana para usar um uma das maiores redes sociais da internet para mobilizar seus apoiadores e atrair seguidores do governo socialista “para o outro lado”. Recentemente, recebemos documentos do governo dos EUA, através de uma solicitação da Lei de Liberdade de Informação (FOIA), que ilustram como o governo desenvolveu um programa focado no uso do Facebook para ajudar a oposição venezuelana nas eleições municipais de 2013 e legislativas em 2015. Os documentos mostram, em outras palavras, que o governo dos EUA está usando ativamente as redes sociais para se intrometer nas eleições de outros países.

A crise do Facebook

Ativistas de todo o mundo usaram o Facebook, Twitter e outros meios online para transmitir mensagens, coordenar protestos e até derrubar governos nos últimos tempos. Dada a importância do Facebook em particular, tem havido uma pressão crescente para regular as mensagens no site. Parlamentares dos EUA, por exemplo, criticaram a empresa por não reprimir supostas campanhas de desinformação da Rússia destinadas a semear o caos e influenciar as eleições nos Estados Unidos. Além disso, muitos denunciaram o fracasso da corporação em reprimir os seguidores do Trump que alegaram que as eleições de 2020 eram fraudulentas e usaram o site para organizar a rebelião de 6 de janeiro em Washington, DC.

Na esteira dos Documentos do Facebook, os políticos dos EUA reacenderam suas críticas à gigante da tecnologia. Os documentos revelam que os executivos do Facebook sabiam que a “mecânica central” de suas plataformas (ou seja, os algoritmos) leva os usuários às postagens mais sensacionalistas, controversas e polarizadoras em seu feed, resultando em uma série de efeitos socialmente tóxicos.

Por exemplo, os documentos revelam que, apesar de pesquisas internas verificarem que o aplicativo Instagram, da mesma empresa, prejudica a auto-estima das crianças, os executivos do Facebook avançaram com planos de desenvolver um aplicativo semelhante para crianças menores de 13 anos – e só interromperam esses planos duas semanas após a os Facebook Papers vieram à tona. Eles também detalham a crescente preocupação entre os funcionários da empresa sobre os impactos sociais mais amplos da plataforma, desde a facilitação da violência política e a disseminação de fake news sobre COVID-19 até o uso por cartéis de drogas, traficantes de seres humanos e grupos armados para contratar assassinos, documentar assassinatos, atrair mulheres para a servidão e promover o genocídio em países como Mianmar.

Os documentos mostram que, em resposta, os executivos do Facebook priorizaram os lucros recusando-se a tomar qualquer ação concreta – optando por táticas de gerenciamento de relações públicas – com a preocupação de que alterar seus algoritmos reduziria o engajamento do usuário e, portanto, o crescimento da plataforma.

O resultado foi a pior crise política da história da empresa (pelo menos desde a Cambridge Analytica), levando a empresa a anunciar um rebranding de sua marca. Tanto políticos democratas quanto republicanos capitalizaram a crise para criticar ainda mais o Facebook, até sinalizando apoio bipartidário para aumentar a regulamentação da gigante da tecnologia.

A senadora Marsha Blackburn, por exemplo, declarou: “Está claro que o Facebook prioriza o lucro sobre o bem-estar das crianças e de todos os usuários”, enquanto o senador Richard Blumenthal sugeriu que esse pode ser o objetivo do Facebook. “Momento Big Tobacco”, referindo-se à indignação após as revelações sobre como as maquinações da indústria do tabaco semearam dúvidas sobre os impactos negativos de seus produtos na saúde.

É um tanto divertido ouvir os senadores americanos expressarem suas preocupações com a orientação de uma empresa em direção ao lucro em uma sociedade capitalista – especialmente quando vários deles detêm milhões em ações das Big Techs. Mas quaisquer que sejam as críticas que os políticos americanos tenham sobre o impacto do Facebook em território nacional, o governo dos EUA está fazendo pior com o Facebook ao promover suas próprias políticas imperialistas no exterior.

Um plano de intervenção financiado pelos EUA

A partir de outubro de 2013, o National Endowment for Democracy (NED) – uma agência governamental criada pelo governo Reagan – forneceu quase US$ 300.000 para o Instituto Democrático Nacional (NDI) para um programa intitulado Venezuela: Improved Training and Communications Skills for Political Activists [Venezuela: treinamento aprimorado e habilidades de comunicação para ativistas políticos]. O NDI também foi fundado sob o governo Reagan, como o braço internacional do Partido Democrata, ao lado de seu homólogo GOP, o Instituto Republicano Internacional. Ambas instituições, no entanto, muitas vezes trabalham lado a lado e apoiam muitos dos mesmos atores e têm os mesmo objetivos no exterior.

O NED continua a ser a agência-mãe de ambos os grupos e recebe quase todo o seu financiamento dos contribuintes. Embora o NED e o NDI reivindiquem sua independência do governo dos EUA, ambos devem relatar suas atividades ao Congresso, que permanece sujeito às solicitações da FOIA.

Na descrição do programa, o NED afirma que o governo venezuelano tem procurado controlar a “mídia de massa” do país, usando-a como ferramenta para coagir seus cidadãos. Assim, o NED relata que os opositores e “ativistas políticos têm desafios particulares na comunicação com os cidadãos, bem como na organização e mobilização de apoiadores”. Alternativamente, o NED descreve a rede social como “menos vulnerável a restrições governamentais e… uma ferramenta útil para ativistas políticos independentes na Venezuela divulgarem mensagens e se organizarem”.

Embora o NED descreva cuidadosamente esses ativistas como independentes, é claro que este programa foi projetado para ativistas e membros do partido associados à organização de oposição da Mesa de la Unidad Democrática (MUD).

Formado em 2008, o MUD continua sendo o maior bloco de partidos de oposição na Venezuela, buscando unificar toda oposição existente em torno de um candidato de consenso contra membros do Partido Socialista da Venezuela (PSUV), o partido de Chávez e Maduro, em disputas eleitorais. Alguns de seus principais partidos incluem Primero Justicia, La Causa Radical, Un Nuevo Tiempo e Voluntad Popular, dos quais Juan Guaidó – o líder da oposição apoiado pelos EUA que tentou depor antidemocraticamente Maduro, inclusive pela força, e que alguns países reconhecem como o legítimo líder da Venezuela – continua fazendo parte.

Após a morte de Chávez em março de 2013 e subsequente a vitória presidencial de seu sucessor Nicolás Maduro no mês seguinte, a oposição começou a traçar estratégias para as eleições municipais em dezembro de 2013 e, igualmente importante, as eleições legislativas em 2015. O NED relata que enquanto as redes sociais são fundamental para a organização política contemporânea, a oposição venezuelana não estava equipada para o “uso das redes sociais e outras tecnologias de informação e comunicação (TICs)”.

Por causa disso, o NED financiou o NDI para fornecer vários serviços à oposição venezuelana.

Primeiro, o NDI planejou e sediou “um seminário fora da Venezuela sobre o uso de tecnologia e rede social para divulgação e engajamento dos cidadãos”. Além disso, o NDI criou uma “caixa de ferramentas virtual” hospedada em um site intitulado Innovation Network, também financiado pelo NED, oferecendo “curso online personalizado de capacitação em uma série de questões relacionadas à inovação política”. O site e seus cursos permanecem ativos.

Após as eleições municipais em dezembro de 2013, a equipe do NDI organizou uma “sessão de revisão de estratégia” com membros da oposição “para desenvolver estratégias de longo prazo e para manter contato com os cidadãos e melhorar sua capacidade de comunicar e divulgar informações usando as TIC”. Além disso, o NDI contratou um consultor “para fornecer treinamento contínuo aos participantes do programa”.

Após a implementação de seu programa, o NDI discutiu seus resultados no seu próprio site – onde eles consideraram este programa um estudo de caso de sucesso.

Com financiamento e treinamento do NDI, o MUD “mobilizou um banco de dados de eleitores que identificou e direcionou os eleitores através das redes sociais” e, de fato, em dezembro de 2015, a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional venezuelana pela primeira vez desde que Chávez chegou ao poder em 1999. O NDI descreve como o MUD criou um banco de dados de eleitores, permitindo “extrapolar conclusões sobre tendências partidárias para grande parte do eleitorado… calculando a probabilidade de um eleitor ser um apoiador do PSUV, um apoiador do MUD ou um eleitor indeciso”.

O MUD criou então dois grupos: os que apoiam o MUD (Grupo A) e os que apoiam o PSUV (Grupo B). A partir daí, o NDI descreve a maneira como o MUD usou o Facebook para alcançar esses grupos:

o MUD realizou sua campanha de rede social no Facebook, que visava os eleitores com mensagens diferentes, levando em consideração suas inclinações políticas. O MUD tinha como alvo os eleitores do Grupo A com mensagens de voto de última hora, enquanto visava o Grupo B com informações sobre os candidatos do PSUV destinados a atraí-los para o outro lado eleitoral. Usando seu banco de dados, a campanha também identificou 8,5 milhões de eleitores no Facebook e os direcionou com mensagens igualmente específicas. As métricas do Facebook indicaram que as mensagens direcionadas estavam alcançando mais pessoas do que as campanhas anteriores. No dia da eleição, a campanha atingiu 6,3 milhões de eleitores e 2,9 milhões de eleitores interagiram com o conteúdo da campanha no Facebook pelo menos onze vezes.

No final, o NDI reivindica o crédito pelo sucesso da oposição, escrevendo que esta estratégia “teve em última análise um papel importante na sua retumbante vitória nas eleições de 2015” e que um “fator determinante para o sucesso da coligação nas eleições parlamentares de 2015 e foi um esforço de dois anos antes das eleições para conscientizar, treinar e alinhar as estruturas nacionais e regionais de comunicação de todos os partidos que conformam o MUD” (grifo nosso). Ou seja, o NDI organizou esse “esforço de dois anos” para treinar membros do MUD para usar as redes sociais em sua campanha contra o PSUV, conforme detalhado na doação que receberam do NED.

Nem a equipe do NED nem a equipe do NDI retornaram nossas mensagens para responder.

Uma longa história de intervenção dos EUA

Não surpresa para ninguém que o governo dos EUA financie esse programa. Os EUA têm uma longa – e sangrenta – história de intervenção em todo o mundo, particularmente na América Latina. Chegou até a tentar criar uma nova plataforma de rede social em Cuba para depor o governo. E, na Venezuela, nas últimas duas décadas, o governo dos EUA procurou continuamente depor Chávez e agora Maduro do poder. No entanto, essas estratégias acabaram falhando, ilustrando alguns dos limites do imperialismo dos EUA.

O governo venezuelano, sem dúvida, tornou-se mais autoritário sob Maduro. A questão que esses documentos recém-obtidos levantam, no entanto, não é se Maduro é “bom” ou “ruim”, mas se os contribuintes dos EUA devem ou não financiar e treinar membros da oposição venezuelana para usar o Facebook em suas campanhas políticas de direita.

Além disso, a indignação pela suposta intervenção russa nas campanhas eleitorais dos EUA não cessou até hoje. Por que, então, é permitido que o governo dos EUA se envolva em comportamento explicitamente partidário no exterior? Por que o governo dos EUA recebe um passe livre – apesar de sua longa história de violência – para intervir nos processos políticos de outros países?

Sobre os autores

é professor de sociologia na Universidade da Carolina do Norte.

é doutorando no Departamento de Sociologia da Universidade do Tennessee, Knoxville.

Cierre

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Published in América do Norte, América do Sul, Análise, Militarismo and Tecnologia

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