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(Cena do filme Paisá de Roberto Rossellini)

O papel da arte depois do fascismo

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A mensagem do cineasta Roberto Rossellini foi uma das mais importantes na reconstrução italiana pós-fascismo e serve, infelizmente, para o atual contexto brasileiro: a saída dessa devastação política e cultural passa, além das eleições, inescapavelmente pela arte.

A arte e a vida cultural brasileira estão, destruídas, devastadas. Em 1955, dez anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o cineasta italiano Roberto Rossellini escreveu na revista Filmcritica, a propósito do neorrealismo:

Em 1944, logo depois da guerra, tudo estava destruído na Itália. No cinema, como nos outros campos. Quase todos os produtores haviam desaparecido. Faziam-se ainda tentativas, aqui e ali, mas com ambições extremamente limitadas.

Ao falar sobre “ambições limitadas”, Rossellini tocava no tema do rebaixamento de horizontes. Há momentos em que uma sociedade se encontra em desesperança tamanha que é praticamente incapaz de erguer a vista e olhar para a frente. Nesses momentos, perdemos quase completamente a capacidade de imaginar um futuro e, por consequência, desabamos na cotidianidade. Nossos projetos se tornam comezinhos. A sobrevivência se torna o motor quase único da nossa existência e as realizações de que somos capazes ficam drasticamente reduzidas por um pragmatismo seco.

As palavras do mestre italiano descrevem bem a realidade cultural brasileira de agora. 

Muitos fatores contribuíram para chegarmos a esse ponto. Em primeiro lugar, houve falta de visão e responsabilidade por parte dos poderes públicos, já antes de 2016. Depois, se acentuou a crise econômica, houve redução do investimento com cultura, diminuição da renda e do poder real de compra das famílias e dos jovens. Houve aumento da desigualdade. Houve também o ataque à arte e ao sistema cultural orquestrado pelo fundamentalismo moralista e religioso reacionário. 

Por fim, houve a dissolução institucional e a consagração do absenteísmo: os instrumentos de fomento à produção foram grandemente ceifados, o arcabouço institucional de nossa economia cultural foi seguidamente castigado e a classe artística foi finalmente pulverizada na desocupação e no desemprego. Tudo isso era previsível e foi previsto. A pandemia foi a pá de cal.

O Brasil é hoje, sem dúvida, um país rachado. Uma parte da população continua distante da arte – como sempre esteve – e não compreende nem a sua importância e nem a sua necessidade. Por razões diversas – de ordem às vezes econômica, às vezes educacional, às vezes simplesmente por mentalidade ou por religião – essas pessoas não têm com a arte qualquer relação que ultrapasse a do entretenimento leve. Parte dessas pessoas, queiramos ou não, tomaram o poder ou voltaram a ele e são responsáveis por esse esvaziamento. É um grupo que se subdivide entre aqueles para os quais a arte na verdade é algo desconhecido e aqueles para os quais ela induz uma degeneração perigosa dos costumes.

Por isso, a reflexão de Rossellini é ainda mais pertinente. Ao falar sobre a devastação italiana – e europeia – de 1944, Rossellini referia-se, direta ou indiretamente, aos seus causadores. No caso italiano, a causa era o fascismo. Ao longo de vinte anos, o fascismo destruiu a riqueza cultural da Itália procurando substituí-la por produtos e artefatos controlados ideologicamente, destinados a glorificar o regime e os valores que os fascistas enalteciam (a grandeza imemorial do Império Romano, a ginástica e as proporções canônicas, a raça ariana, a coesão da família tradicional, a cultura do mando, a propriedade exclusivista dos meios de produção). Por trás disso tudo, havia um profundo ódio ao coletivismo operário e um profundo desprezo pela liberdade de expressão e imprensa.

Mas assim como na Itália de 1920, 30 e 40, existe no Brasil uma população bastante conectada com a defesa da liberdade e com a produção artística. É uma população que sofre com a dissolução de seu mundo e com o empobrecimento da vida urbana causado pela pandemia. Assim como na Itália de Mussolini, essa população se encontra desagregada e sua capacidade de ação está fragmentada e reduzida.

Mas é ela, e somente ela, quem pode reverter esse quadro desolador em que nos encontramos.Em uma emocionante cena do filme Paisá, dirigido pelo mesmo Rossellini em 1946, o personagem do partigiano Massimo consegue burlar o cerco nazista à cidade de Florença cruzando-a por dentro do complexo arquitetônico formado pelo Palazzo Pitti, pela Galleria degli Uffizi e pelo Corredor Vasariano. São lugares típicos do renascimento florentino, em que pulsa vivamente uma história da pintura, da escultura e da arquitetura. A mensagem de Rossellini, que foi uma das mais importantes personagens da reconstrução italiana pós-fascismo, era clara: a saída dessas devastações passa pela arte, inescapavelmente.

Sobre os autores

é professor universitário, crítico e ensaísta.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Arte, Cultura, Europa and Filme e TV

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