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Apoiadores de Bolsonaro bloquearam centenas de estradas após a derrota do Presidente pedindo golpe e intervenção militar. Foto Pedro Vilela/Getty Images

O problema são os fins, não os métodos

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A imprensa, os liberais e o próprio Bolsonaro tem criticado os métodos "de esquerda" usado por manifestantes bolsonaristas para impedir o fluxo do capital. Entretanto, o problema não são os métodos disruptivos, utilizados historicamente por movimentos civis, mas a cumplicidade da policia e os fins golpistas, antidemocráticos e autoritários do movimento.

Lula venceu e o golpismo veio a galope. Ao menos até o momento, não sob a forma de um golpe de Estado, com o apoio massivo das Forças Armadas e da população, como talvez Jair Bolsonaro e seu círculo mais próximo de apoiadores e aliados esperassem, mas sob a forma de múltiplos movimentos, articulados em torno de uma tática comum: o bloqueio de estradas e rodovias ao redor do Brasil questionando o resultado das urnas.

Desde a segunda-feira posterior às eleições, 1 de novembro, conforme esses movimentos tomaram forma, críticas a tal tática se articularam no interior da própria direita e de círculos conservadores. Em seu discurso de exatos 134 segundos, Bolsonaro ecoou as críticas: “As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”.

Temos boas razões para pensar que, no interior do Palácio da Alvorada, isolado, Bolsonaro tem, antes, ansiado pela radicalização dos movimentos – e que as táticas empregadas, associadas no discurso da direita e dos conservadores à esquerda, são, nesse momento, exatamente o que a extrema direita precisa para manter em curso seu projeto autoritário. Contudo, tais críticas às táticas dos movimentos têm sido compartilhadas pela própria esquerda radical – em uma estratégia de defesa à democracia da qual só sairemos perdedores. 

“Bloqueios de estradas e destruição de propriedade pública e privada, podem ser legítimos na luta contra o racismo, o militarismo, o capitalismo e a crise ambiental que estamos enfrentando.”

Muito se tem insistido que o caráter ilegítimo dos movimentos atuais reside na disrupção que eles têm causado. E, de fato, os protestos têm perturbado a circulação de mercadorias e indivíduos, para usar a linguagem dos liberais, no interior do território nacional. Invés de métodos “pacíficos”, como marchas e passeatas autorizadas previamente pela polícia – invés do diálogo democrático, do conflito por vias simbólicas –, os manifestantes estariam coagindo a população ao não respeitar o seu direito, fundamental, de ir e vir. As críticas falham, entretanto, em capturar o que é realmente problemático e inaceitável, de um ponto de visto democrático, no ativismo desses movimentos. São os fins golpistas – não os meios disruptivos e potencialmente coercitivos – que são o problema real. É o fascismo, o autoritarismo, e não ameaças de desordem, que deveriam nos preocupar antes de tudo.

Toda manifestação precisa ser pacifica?

Nos últimos dias, temos concedido demais às narrativas liberais e conservadoras anti-protesto. Quando confrontados a movimentos sociais durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados recorriam frequentemente a dois argumentos interligados: toda manifestação precisa ser pacífica para ser legítima e, para ser pacífica, manifestantes não podem colocar em jogo a ordem e a estabilidade sociais.

Esses argumentos, influentes até hoje, são utilizados para colocar em questão mesmo formas de protesto protegidas pela Constituição. Idealmente, não deveria haver nenhuma manifestação em nossas ruas, apenas deliberação e conversas amigáveis em espaços reservados para tanto. Argumentos contra desordem são, nesse sentido, mobilizados com frequência e com força para proteger uma ordem social fundamentalmente injusta.

Retrospectivamente, a história dos movimentos sociais desde a década de 1950 – inclusive do Movimento dos Direitos Civis, hoje tão elogiado pelos conservadores – mostra, ao contrário, que movimentos sociais só conseguem alcançar seus objetivos através de métodos que são invariavelmente considerados disruptivos pela maioria da população e pelos poderes estabelecidos. Isso não significa que esses métodos sejam sempre legítimos. Apenas que nossa tarefa, inescapável, consiste em exercer nosso julgamento político ao discutir e decidir quais métodos são adequados para atingir objetivos democráticos. Mesmo métodos pacíficos podem – e devem ser criticados – quando utilizados para defender e instaurar regimes autocráticos. E muitos métodos disruptivos, inclusive bloqueios de estradas e destruição de propriedade pública e privada, podem ser legítimos na luta contra o racismo, o militarismo, o capitalismo e a crise ambiental que estamos enfrentando.

Desde a vitória de Lula, entramos num processo, talvez irreversível por muito tempo, de crítica a movimentos golpistas que tornará difícil nossa tarefa no futuro de justificar movimentos de esquerda radicais, no Brasil ou ao redor do mundo. Se nossa crítica continuar focada no caráter pacífico ou não dos métodos, táticas e estratégias – e não nos objetivos e visões de mundo autoritárias e abertamente fascistas – dos movimentos que estamos confrontando, viramos, infelizmente, um dado marcado. E as acusações de hipocrisia virão rapidamente ao nosso encontro.

Sobre os autores

é escritor e doutorando em filosofia na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Seu trabalho já foi publicado pelo Washington Post, World Politics Review, The Philosopher, entre outras revistas e jornais.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Cidades, Militarismo and Política

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