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Jair Bolsonaro com o saudita Mohammed bin Salman conversam em encontro do G20 no Japão em 2019. Foto de Jacques Witt / AFP.

A estranha amizade de Bolsonaro com o ditador saudita

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Em seu mandato, Jair Bolsonaro teve mais relação com Mohammed bin Salman do que com os chefes de Estado de Argentina, Colombia, Paraguai e EUA. Sanguinário e corrupto, o príncipe herdeiro tem histórico de suborno e agora começa a utilizar a cartilha do “sportswashing” para limpar a imagem do país através do esporte.

Mohammed bin Salman foi o chefe de Estado mundial com maior interlocução com Jair Bolsonaro entre 1º de janeiro de 2019 até o fim de agosto de 2021, dois meses antes de presentear o ex-presidente brasileiro com joias que passam o valor de R$ 16,5 milhões. O ditador árabe tem em seu histórico como marca e modus operandi o suborno de presidentes de outros países.

Os dados do período acima citado, disponíveis por Lei de Acesso à Informação, mostram que o ditador árabe e Bolsonaro conversaram por 4 vezes em chamadas por videoconferências, com duração entre 10 minutos e meia hora.

Bolsonaro conversou com Almirante antes de falar com ditador

Em uma das vezes, em 9 de julho de 2020, a conversa de Bolsonaro com o príncipe herdeiro foi precedida por 20 minutos de diálogo entre o Almirante Bento Albuquerque e o ex-presidente do Brasil.

O almirante, então ministro de Minas e Energia, foi o responsável por tentar entrar no Brasil com o conjunto de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões, valendo-se do tenente da marinha, Marcos André dos Santos Soeiro, que transportava as peças de forma ilegal dentro de uma mochila e sem declarar.

O protagonismo de Mohammed bin Salman como o maior interlocutor de um chefe de Estado brasileiro foge a qualquer padrão, já que os interlocutores mais habituais seriam líderes da América Latina, como a vizinha Argentina e os demais, além do presidente norte-americano.

No mesmo períodos em que falou 4 vezes com Mohammed bin Salman, Jair Bolsonaro falou uma única vez com Maurício Macri, então presidente argentino, em 15 de maio de 2019. E outra única vez com o sucessor Alberto Fernández, em 30 de novembro de 2020.

“Ao militar de patente mais baixa coube a tarefa de ingressar no país ilegalmente com R$ 16,5 milhões em joias, dadas pelo ditador Mohammed bin Salman para serem entregues ao então presidente.”

Também abaixo do ditador árabe ficaram Ivan Duque, ex-presidente da Colômbia, Donald Trump e Mario Abdo Benítez (Paraguai), todos com 3 videoconferências cada.

As ligações entre Bin Salman e Bolsonaro foram:

18/11/2019: Mohammed bin Salman, às12h – duração:15 minutos
*9/7/2020: Mohammed bin Salman, às 15h – duração: 15 minutos
10/8/2020: Mohammed bin Salman, às 10h – duração: 10 minutos
5/10/2020: Mohammed bin Salman, às 10h – duração: 30 minutos
*9/7/2020: Almirante Bento Albuquerque, às 14h – duração: 20 minutos (antes da ligação entre o ditador árabe e Bolsonaro, o almirante Bento Albuquerque conversou 20 minutos com o brasileiro)

Embaixador recebeu Bolsonaro em casa e foi condecorado com honraria

As relações muito próximas e agrados entre o ditador e Bolsonaro não ficaram só aí. Em 13 de setembro de 2022, Bolsonaro agraciou o embaixador da Arábia Saudita, Ali Abdullah Omer Bahitham com a Ordem de Rio Branco, no grau de Grã-Cruz, o maior.

Na ocasião, o embaixador destacou que Bolsonaro tinha visitado ele em outubro de 2021 na residência do diplomata. A mesma época em que Mohammed bin Salman presenteou Bolsonaro com as joias de R$ 16,5 milhões.

Sob Bolsonaro também o comércio entre os dois países cresceu substancialmente, passando da casa dos R$ 3 bilhões para R$ 5,3 bilhões em 2022.

Entre os dias 20 e 26 de outubro de 2021, se desenrolou a “Cúpula da Iniciativa Verde do Oriente Médio”, em Riad, Arábia Saudita, sob o guarda-chuva de Mohammed bin Salman. Com o propósito declarado de “debater compromissos ambientais e combater a mudança climática além de suas fronteiras por meio de ação coletiva”.

O governo brasileiro estava representado pelo ministro das minas e energia, almirante Bento Gonçalves. Com ele, o tenente Marcos Andre dos Santos Soeiro. Christian Vargas, diplomata, na ocasião lotado no Ministério de Minas e Energia (MNE) como chefe da assessoria especial de relações internacionais, também integrou a comitiva. No último mês, o servidor do ministério das relações exteriores que estava emprestado ao MNE, foi nomeado pelo presidente Lula como embaixador em Cuba e já recebeu o “agrément” do país caribenho. Não há relato de qualquer participação dele na ação ilegal.

“Em maio de 2017, Donald Trump rompeu uma longa tradição de presidentes americanos e foi para Arábia Saudita, Cisjordânia e Israel. Voltou carregado de presentes de Mohammed bin Salman.”

Ao militar de patente mais baixa coube a tarefa de ingressar no país ilegalmente com R$ 16,5 milhões em joias, dadas pelo ditador Mohammed bin Salman para serem entregues ao então presidente Jair Bolsonaro. Sem comunicação oficial, dirigiu-se solitariamente ao guichê de imigração e apertou luz verde, de quem não tem “nada a declarar”. No entanto, foi pego com o contrabando oficial, o mimo do ditador.

Joia de presente: o modos operandi de Bin Salman

As joias de presente para Jair Bolsonaro e presentes caros como mimos para chefes de Estados com quem tem vultosos negócios não são novidade no repertório do ditador árabe.

Em maio de 2017, Donald Trump rompeu uma longa tradição de presidentes americanos e, no lugar de realizar sua primeira viagem para México ou Canadá como os antecessores, foi para Arábia Saudita, Cisjordânia e Israel. Voltou carregado de presentes de Mohammed bin Salman. Além de também receber um colar de diamantes, ganhou diversas espadas de ouro, adagas, tanto de outro como uma de prata pura com bainha de madrepérola, telas valiosas, porta-munições e coldres, ambos em ouro, além de mantos de pele de tigre e chita.

“Outro caso célebre de Mohammed bin Salman comprando corações, mentes e bolsos de outros chefes de Estado está em curso com Grécia e Egito.”

A população americana só veio a saber dos valiosos mimos porque The Daily Beast, site de reportagens, obteve, através da lei de acesso local, os documentos com um total de 83 presentes anotados. Não existe registro até aqui da devolução por parte de Donald Trump ao fim do mandato, embora a lei do país determine que qualquer presente acima de US$ 390 deve ser declarada e entregue ao Estado.

Discurso moralista para dentro, compra de presidentes fora do país

Outro caso célebre de Mohammed bin Salman comprando corações, mentes e bolsos de outros chefes de Estado está em curso com Grécia e Egito. Seguindo a cartilha do uso de “sportswashing”, a lavagem da imagem pela utilização do esporte.

Ainda esse ano, a Arábia Saudita será um dos patrocinadores da Copa do Mundo feminina de futebol, dividida entre Austrália e Nova Zelândia. Uma brincadeira de péssimo gosto sendo um país que persegue mulheres que lutam por seus direitos. Para a FIFA, valeu mais o dinheiro do ditador – e seus presentes.

Em outra ponta, o fundo de Mohammed Bin Salman comprou o Newcastle, da badalada liga inglesa. E agora a Arábia Saudita levou o astro Cristiano Ronaldo para jogar a liga local. Como parte mais visível da estratégia de conquistar a sede da Copa do Mundo de 2030.

A estratégia é tentar sediar junto com Grécia e Egito. O ditador árabe não fez por menos: por debaixo dos panos, articula a compra do apoio dos dois países oferecendo a construção de toda a estrutura de estádios. Em contrapartida, sem alarde, a Arábia Saudita seria a sede de 75% do torneio de 48 times. Na Grécia, o teor dos encontros vazou pela imprensa local e virou escândalo.

Ao redor do mundo, Mohammed bin Salman segue comprando presidentes com joias e muito dinheiro. Internamente, faz barulho com o discurso anticorrupção, como no movimento que lançou para moralizar o país. Na verdade, um mutirão que perseguiu dissidentes.

Sobre os autores

é jornalista e editor da agência Sportlight.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Esportes, Oriente Médio and Política

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