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(Reprodução)

A poetisa da revolução sandinista

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Neste dia, em 2016, faleceu a poetisa revolucionária latino-americana Vidaluz Meneses. Ela inspirou mulheres a adentrar na luta pela Revolução Sandinista - pois escrevia com o objetivo de despertar a consciência de classe da mulher de classe média.

Neste dia, em 27 de julho de 2016, falecia a poetisa latino-americana Vidaluz Meneses. Nascida em 28 de maio de 1944, Matagalpa, Nicarágua, ela também foi, além de poeta, articulista, promotora cultural e responsável pela Direção de Arquivos e Bibliotecas do Ministério da Cultura da Nicarágua. Com vários livros publicados, entre eles, El aire que me llama e Llama Guardada, ambos traduzidos para vários idiomas.

O ambiente cultural na Nicarágua desde o início dos anos 1960 coloca em evidência que, simultaneamente ao surgimento da FSLN, articularam-se outros movimentos sociais encabeçados, em sua maioria, por estudantes e artistas. Esses grupos eram compostos principalmente por jovens que se manifestaram contra os valores culturais da burguesia e começaram a questionar a concepção da arte e da intelectualidade na sociedade nicaraguense.

Parte dessa juventude, ávida por mudanças, percebeu que sua iniciativa cultural encontrava um sentido histórico além da mera renovação estética no projeto político sandinista. Não surpreende, portanto, que muitos deles tenham se tornado importantes líderes ou militantes da Frente Sandinista, e suas propostas também tenham se tornado parte do programa histórico da FSLN.

Durante a revolução nicaraguense, a arte assumiu uma importância sem precedentes. A luta não se limitou apenas ao conflito armado, com manifestações e ações de guerrilha. Antes e depois do auge das atividades rebeldes, houve diversas formas de manifestações artísticas em apoio à revolução. Portanto, é crucial prestar atenção à conexão entre os eventos políticos, militares e artísticos, uma vez que ações na esfera cultural foram desenvolvidas na Nicarágua como nunca.

Sob essa perspectiva, a intenção dos sandinistas era bastante clara: narrar a história do ponto de vista popular. Tratava-se de os nicaraguenses construírem sua própria história, independentemente da narrativa oficial ou em oposição a ela. A década de 1970 foi, entre muitas outras coisas, o ponto de encontro entre a projeção cultural que Carlos Fonseca considerava necessária para conduzir a Revolução e a consolidação de um novo paradigma intelectual.

Nesse contexto, a poesia revolucionária e as músicas de protesto nicaraguenses surgiram como formas inovadoras de comunicação desenvolvidas pelos sandinistas, por meio das quais conseguiram difundir sua mensagem entre a população.

A relação entre o movimento guerrilheiro e sua rede associativa, formada pelas diferentes organizações de massa que apoiavam a luta guerrilheira, foi vital para as manifestações artísticas, considerando a situação na Nicarágua. Ambas as organizações caracterizavam-se por sua dependência dos interesses da FSLN e sua subordinação à estratégia da luta armada.

Nesse sentido, a articulação entre a guerrilha e o movimento popular foi inversa ao processo na maioria dos países latino-americanos, especialmente em El Salvador e Guatemala, onde o movimento popular foi implementado primeiro e depois vinculado às organizações guerrilheiras. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que também foram meios de formação política para Vidaluz, desempenharam um papel fundamental.

As CEBs eram pequenos grupos cristãos estabelecidos em nível local, compostos por não mais de 100 membros cada, cuja principal função era promover a participação, a igualdade e a conscientização social e política. Elas surgiram na Nicarágua em 1966, sob o impulso do padre espanhol José de la Jara, à frente da paróquia de San Pablo, em Manágua.

“Ela afirmou em algumas ocasiões, que os poetas são profetas que denunciam as injustiças e têm o papel de anunciar a construção de uma nova sociedade.”

O trabalho mais importante dessas organizações não era apenas aumentar a conscientização sobre a injustiça e a opressão, mas também mobilizar-se efetivamente contra essas situações. A igreja teve um papel fundamental no aumento do nível de conscientização, pois, além dos estudos bíblicos, as comunidades cristãs mencionadas acima organizaram oficinas de poesia sobre as realidades sociais.

Durante a década de 1980, a poesia de Solentiname, uma comunidade camponesa para a qual o padre e poeta Ernesto Cardenal (que influenciou fortemente a obra de Vidaluz) pertencia, tornou-se muito popular. Era uma poesia que podia ser compreendida por qualquer pessoa, independentemente da idade ou do nível cultural, e que rompia com a concepção elitista da arte. Em relação à poesia, a lista de poetas ligados às ideias de Sandino na Nicarágua é muito extensa. Hoje, no entanto, nos ateremos a Vidaluz Meneses.

Como muitos intelectuais da sua época, Vidaluz Meneses se empenhou na luta de libertação nicaraguense. O seu legado é um patrimônio para a América Latina. Irredutível em seus princípios e transparente nos ideais, sua autenticidade a tornou conhecida ainda na juventude. Ela inspirou inúmeras mulheres a adentrar na luta revolucionária, pois escrevia com o objetivo de despertar a consciência da mulher acomodada de classe média, classe a qual pertencia. Com firmeza e elegância felinas, escrevia em uma Nicarágua onde não se vivia de escrever.

O seu papel de intelectual na Revolução Sandinista foi como integrante do Ministério da Cultura como bibliotecária. Na época, foi criada a Associação Sandinista dos Trabalhadores da Cultura, da qual participaram trabalhadores como escritores, fotógrafos, músicos, atores e atrizes do teatro e do cinema e em todas estas áreas foi dado o destaque à participação e protagonismo feminino, especialmente na literatura.

Como o estímulo que a Revolução Sandinista deu ao desenvolvimento da cultura, a poesia de Vidaluz caracterizou-se como uma frente de luta. Afirmou em algumas ocasiões, que os poetas são profetas que denunciam as injustiças e têm o papel de anunciar a construção de uma nova sociedade. No início da década de 1960 filiou-se ao grupo “presencia”, que surgiu num povoado do leste da Nicarágua em um coletivo que tinha uma visão militante da literatura.

Possuía uma identificação cristã e foi profundamente influenciada por Ernesto Cardenal. A sua escrita representou uma maneira autêntica de ser cristã na América Latina. Uma poeta que viveu e praticou um profundo e inquebrantável amor por seus semelhantes. Forte, sutil e capaz de harmonizar.

“Na Nicarágua, a luta pela libertação ajudou com que a mulher se sentisse em pé de igualdade em direitos em relação aos homens.”

Paradoxalmente, os escritores nicaraguenses pós revolução era direcionado a uma série de tarefas para as quais não havia profissionais preparados. Contudo, os escritores gozavam de grande liberdade e ninguém exigia que escrevessem sobre este ou aquele tema. Mas, Vidaluz, por ter vivido um processo revolucionário que buscava consolidar-se entre agressões e ameaças aquilo que escrevia, refletia toda essa realidade conflituosa e esperançosa.

Na Nicarágua, a luta pela libertação ajudou com que a mulher se sentisse em pé de igualdade em direitos em relação aos homens, a experiência revolucionária criou condições favoráveis à participação cada vez maior da mulher. As poetas nicaraguenses, se revelavam e se rebelavam. 

Vidaluz Meneses viveu momentos difíceis pela sua escolha revolucionária, pois o seu pai pertencia à Guarda Nacional de Somoza e foi executado por uma Frente Sandinista. Apesar de ter permanecido inflexível na luta, foi um duro golpe emocional. Ainda que o seu pai soubesse de sua ligação com a Frente, mantinham uma relação respeitosa. Uma vida de conflitos aconteciam, seja no âmbito familiar, ou pela sua religião cristã e o marxismo e a Teologia da Libertação que aliviavam os conflitos internos. Hoje, Vidaluz vive em cada ato de rebeldia e nos faz manter o sonho de um novo amanhã.

Sobre os autores

é tradutora, redatora e repórter na Jacobin Brasil. Também é jornalista no Opera Mundi, membro do Fórum Latino Palestino.

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Published in América Central, Livros, Perfil and Revoluções

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