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Soldados britânicos atacando jovens católicos em Londonderry, Irlanda do Norte, em 1971 / Don McCullin/Contact Press Images

Irlanda em chamas: quando um motoboy brasileiro salvou vidas

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Depois do recente ataque a uma escola irlandesa atribuído a um argelino, que já vivia há décadas naquele país, imigrante brasileiro impediu o pior ao melhor estilo vida lôca, mas, ironicamente, a situação fez com que explodisse um motim xenofóbico em Dublin.

Trinta e cinco anos depois do fim do período de The Troubles, a Irlanda se encontra novamente em chamas. O dia 23 de novembro de 2023 começou com um violento ataque a uma escola no centro de Dublin, que deixou três crianças e uma mulher feridos. Embora não se saiba muito das motivações do criminoso, o discurso da imprensa foi de que teria sido um imigrante da Argélia (mas que vive na Irlanda há duas décadas).

O ataque felizmente foi impedido por um brasileiro chamado Caio Benício, 43, que usou seu capacete para atacar o maníaco. Caio é entregador do aplicativo Deliveroo, e não é a primeira vez que um entregador aparece em manchetes relacionadas a xenofobia na Irlanda: em outubro, o também brasileiro João Ferreira, 23, perdeu uma perna ao ser atropelado pela Garda (polícia irlandesa) durante um confronto com os naná (forma com a qual brasileiros se referem aos knackers, jovens que andam em grupo e praticam pequenos crimes pela cidade).

Motim xenofóbico e a sedução da extrema-direita

Sob clamores de slogans da extrema-direita nacionalista irlandesa como “Enough is Enough”, “Irish Lives Matter” e “Ireland is Full”, manifestantes tomaram a Parnell Street, um dos principais pólos comerciais e turísticos da cidade, atacando carros e destruindo lojas.

Não demorou para que a manifestação se tornasse mais violenta e com uma retórica política mais agressiva: depois de semanas de protestos pacíficos pela paz na Palestina, que contavam com imigrantes de várias regiões, os avanços da extrema-direita se voltaram a carros de serviço público (como da própria Garda, ambulâncias e ônibus), mas também a abrigos de imigrantes.

Nas redes sociais, há gravações de grupos de Telegram planejando mais ataques, especialmente nas estações do Luas, que é uma espécie de trólebus que substituiu os bondes dublinenses.

Durante o auge do ataque, eu estava em um café na parte gentrificada do centro com uma amiga, e logo estranhamos a movimentação do lado de fora. Não havia mais ônibus, e as informações ainda estavam muito dispersas. A Garda demorou para fazer qualquer coisa além de ficar em pé segurando seus escudos enquanto a população andava às pressas na direção oposta do conflito.

Tentamos buscar abrigo em um restaurante de comida árabe, que estava cheio de pessoas também com medo, mas o lugar acabou fechando mais cedo, devido ao clima de islamofobia que tomava as ruas. Dissemos adeus mutualmente e fomos andando para casa: por sorte, quanto mais nos distanciássemos do centro, mais tranquilas as coisas ficariam.

Quando cheguei em casa (onde moro com cinco brasileiros, um paquistanês e um mexicano), soube que alguns dos meus colegas também haviam sido ameaçados enquanto voltavam para casa: um brasileiro disse que os nanás jogaram fogos de artifício em sua direção e o mexicano disse que um homem de rosto coberto o abordou para perguntar de qual país ele vinha.

O Ulysses de Joyce, Leopold Bloom em 2023

A situação não existe em um vácuo. Há uma crescente onda de xenofobia em Dublin que se agrava com a presença das gangues adolescentes facilmente rendidas ao discurso de extrema-direita. Mesmo com pleno emprego e ajuda de custo para irlandeses que moram na rua ou estão desempregados, há uma tentativa de colocar a culpa dos problemas do país em minorias étnicas (especialmente do Oriente Médio).

A máfia das escolas de inglês e a especulação imobiliária são aspectos ignorados quando a imprensa discute o aumento do custo de vida e a dificuldade em encontrar moradia. E imigrantes, do Brasil e do resto do mundo, acabam procurando empregos sem direitos trabalhistas e moradia sem boas condições, enquanto os nacionalistas irlandeses veem esse movimento de pessoas sendo exploradas por alguns meses em Dublin como o grande problema nacional.

Cento e um anos depois de sua publicação, a crítica ao nacionalismo irlandês no Ulysses de James Joyce ecoa por Dublin. No episódio Cyclops, o judeu e filho de imigrantes Leopold Bloom é atacado por um grupo de irlandeses ultranacionalistas enquanto explica que Marx, Espinosa e Jesus Cristo eram judeus enquanto cita a Bíblia, Velho e Novo Testamentos.

E os homens que o atacam, embora católicos, não entendem as citações bíblicas. Bloom consegue fugir dos ataques físicos, mas o medo e ansiedade de viver onde ele é visto como um invasor o perseguem. Ainda assim, Bloom opta por continuar falando da importância do amor ao invés do ódio. O motoboy brasileiro Caio Benício, em entrevista ao The Journal, disse: “Me parece que eles odeiam imigrantes. Bom, eu sou um imigrante, e eu fiz o que pude para salvar aquela criança”.

Sobre os autores

Victor Fermino

é bacharel em Jornalismo e mestre em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutorando em Educação na Universidade de São Paulo, pesquisando representações da pedagogia no Ulysses de James Joyce. Atualmente reside em Dublin, onde faz doutorado-sanduíche pela University College Dublin.

Cierre

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Published in Europa, Militarismo, Notícia and Revoluções

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