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Um apoiador da Aliança dos Estados do Sahel (AES) segura um cartaz onde se lê "abaixo a CEDEAO, viva a AES" durante um comício para celebrar a saída do Mali, Burkina Faso e Níger da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) em Bamako, Mali, em 01 de fevereiro de 2024. (Ousmane Makaveli / AFP via Getty Images)

A unidade africana não pode acontecer nos termos da França

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Tradução
Priscilla Marques

Na semana passada, os líderes militares do Mali, Burkina Faso e Níger abandonaram a Economic Community of West African States — ECOWAS (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental — CEDEAO). Isso representou um golpe significativo para o projeto de integração regional e refletiu uma recusa às investidas de Emmanuel Macron em interferir nas ex-colônias francesas.

UMA ENTREVISTA DE

David Broder

Por quase meio século, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) prometeu unir quinze países na região. Oito eram antigas colônias francesas, mas os membros também incluíam importantes países de língua inglesa, como Nigéria e Gana, além dos lusófonos Cabo Verde e Guiné-Bissau. A CEDEAO chegou até a prometer uma união monetária, mas o projeto tem sido continuamente adiado. E no último domingo, três estados anunciaram que estavam deixando a CEDEAO de vez.

Os países em questão – Mali, Burkina Faso e Níger – tiveram cada um golpes militares desde 2020, com novas autoridades afirmando a libertação do “neocolonialismo” e das estruturas econômicas impostas pela antiga potência imperial, a França. Em agosto passado, outros estados da CEDEAO ameaçaram invadir o Níger e derrubar o governo pós-golpe. No entanto, no mês seguinte, os três estados formaram um pacto de segurança chamado Alliance of Sahel States (AES em francês / Aliança dos Estados do Sahel) – um acordo que o economista de desenvolvimento senegalês Ndongo Samba Sylla chamou de “um pacto de defesa mútua, mas também um quadro para integração econômica e monetária”.

Samba Sylla, autor de “A Última Moeda Colonial da África: A História do Franco CFA“, escreveu amplamente sobre a presença neocolonial francesa na África Ocidental. Ele tem sido um crítico do presidente senegalês Macky Sall, que neste sábado cancelou indefinidamente as eleições planejadas no país. Ele conversou com David Broder, da Jacobin, sobre a decisão dos três estados de deixar a CEDEAO, o que envolve a suposta afirmação de soberania deles e as alegações concorrentes de interferência russa e francesa na região.


DB

Burkina Faso, Mali, e Níger abandonaram a CEDEAO, citando tanto sanções econômicas, como falta de apoio no combate ao terrorismo. A CEDEAO, no verão passado, parecia estar planejando uma invasão ao Níger, além de impor restrições comerciais, antes de buscar por um caminho de negociações, em nome da restauração da democracia. Por que esses três governos estão deixando a CEDEAO e por que agora?

NSS

Desde 2020, ocorreram seis golpes militares na África Ocidental: dois no Mali e Burkina Faso, e um em cada um dos países Guiné e Níger. O mais recente ocorreu no Níger, em julho passado. Mohamed Bazoum foi considerado o presidente “eleito democraticamente”, embora tenha sido nomeado apenas após um processo eleitoral falho. Ele foi derrubado pelo chefe da guarda presidencial e hoje está sob custódia. Bazoum ainda não concordou em renunciar.

 Golpes militares na África Ocidental desde de 2020. (Creative Commons)

No poder, Bazoum colaborou com a União Europeia na implementação de suas políticas draconianas de migração. Seu governo, conforme o próprio Departamento de Estado dos Estados Unidos, testemunhou a continuidade de “assassinatos ilegais ou arbitrários, incluindo assassinatos extrajudiciais pelo governo ou em seu nome” e “condições de prisão severas e com risco de vida.” No entanto, durante sua visita ao Níger em março passado, Antony Blinken descreveu o país como um “modelo de democracia“. Bazoum também era um fervoroso aliado francês.

O próprio Bazoum apoiou publicamente o golpe militar de 2021 no Chade. Durante uma coletiva de imprensa conjunta com [Emmanuel] Macron, ao lado de um presidente francês aprovador, ele afirmou que o contexto de segurança justificava a suspensão e violação da constituição chadiana. Ele acrescentou que a razão ditava “arriscar” colaborar com os militares. Isso chocou praticamente ninguém, exceto o povo do Chade, que protestou contra essa ação ilegal. Muitos foram presos e mortos.

Surpreendido pelo golpe contra Bazoum em julho passado, Macron criticou seus serviços de inteligência e o chamou de “um golpe a mais”. A França imediatamente trabalhou no front diplomático para conseguir com que a CEDEAO lançasse uma operação militar para reinstalar Bazoum. Senegal, Benin e Costa do Marfim estavam prontos para enviar tropas. O presidente nigeriano Bola Tinubu, que também ocupava a posição rotativa de presidente da CEDEAO, estava do lado dos belicistas.

Quando a CEDEAO anunciou sua intenção de “restaurar a democracia” no Níger pela força das armas, os regimes militares no Mali, Burkina Faso e Guiné declararam que qualquer ataque ao Níger seria um ataque a eles. Enquanto lamentava o golpe no Níger, a Argélia era hostil a qualquer intervenção militar. A Argélia não havia esquecido o caos contínuo criado pela destruição da Líbia pela OTAN, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha.

“Os Estados Unidos preferiram negociar com as novas autoridades nigerianas, deixando Macron isolado.”

No final, a intervenção não ocorreu. Os povos africanos foram em grande parte hostis a ela. A Nigéria, a principal potência regional, não deu o sinal verde de seu parlamento. Os Estados Unidos preferiram negociar com as novas autoridades nigerianas, deixando Macron isolado. No entanto, em vez de uma operação militar, a CEDEAO implementou sanções econômicas, comerciais e financeiras contra o Níger — ainda mais severas do que as impostas ao Mali de janeiro a julho de 2022.

A decisão desses três países de se retirarem da CEDEAO foi essencialmente explicada pela falta de solidariedade desta em sua luta contra o terrorismo jihadista e grupos separatistas, e pela imposição de duras sanções comerciais e financeiras claramente instigadas pela França e seus aliados africanos, como Costa do Marfim, Benin e Senegal.

A França sempre tentou sabotar a CEDEAO desde meados da década de 1970, por meio da criação de organizações regionais rivais. Sua captura da CEDEAO pode ser observada na natureza das sanções financeiras impostas ao Mali em 2022 e ao Níger desde o golpe de 2023. Nenhum país estrangeiro, poderia ordenar ao banco central de um emissor soberano de moeda, que impedisse o governo de acessar suas contas bancárias e o sistema financeiro doméstico. Mas isso é possível se você estiver usando o franco CFA, ou seja, se pertencer a uma união monetária nominalmente “dirigida” pelos africanos, cujo banco central está, de fato, sob a tutela legal do tesouro francês. Escondida atrás da CEDEAO, a França conseguiu impor esse tipo de sanção ao Mali e ao Níger, embora elas não tenham base legal.

“Mas isso é possível se você estiver usando o franco CFA, ou seja, se pertencer a uma união monetária nominalmente dirigida pelos africanos, cujo banco central está, de fato, sob a tutela legal do tesouro francês. Escondida atrás da CEDEAO, a França conseguiu impor esse tipo de sanção ao Mali e ao Níger, embora elas não tenham base legal.”

Sobreviver às sanções, destinadas a colapsar sua economia, fortaleceu psicologicamente o Mali e seu povo. Os países da AES agora percebem que não têm nada a perder ao sair de uma comunidade sob orientação imperialista. Apesar das preocupações legítimas sobre suas relações futuras com seus vizinhos, setores significativos de suas populações expressaram um sentimento de libertação.

DB

Você acredita que essa divisão será duradoura? Como você caracterizaria a durabilidade futura da CEDEAO e sua capacidade de se tornar uma potência econômica e um “policial regional” em questões de segurança?

NSS

É difícil dizer. A CEDEAO começou como uma comunidade econômica. No entanto, com o tempo, ampliou seu escopo para incluir questões de defesa e segurança, bem como “democracia e boa governança”.

Aqui está o problema. Como uma comunidade econômica, especialmente uma união aduaneira regional, a CEDEAO foi se tornando um tanto obsoleta pela implementação da African Continental Free Trade Area (Área de Livre Comércio Continental Africana – AfCFTA). Os países da África Ocidental não precisam mais necessariamente da CEDEAO para a livre circulação de pessoas e mercadorias através das fronteiras.

Como bloco, a CEDEAO mostrou pouca unidade ao negociar os Economic Partnership Agreements (Acordos de Parceria Econômica – APEs) com a União Europeia (UE). Enquanto a Nigéria corretamente se opôs à assinatura desses acordos de “livre comércio”, países como Gana e Costa do Marfim preferiram assinar acordos provisórios com a UE, o que minou o ímpeto para a integração regional e continental do comércio. Essa falta de vontade comum e unidade também foi evidente no adiamento repetido do projeto de introduzir uma moeda única para os quinze estados membros.

“A CEDEAO começou como uma comunidade econômica. No entanto, com o tempo, ampliou seu escopo para incluir questões de defesa e segurança.”

Além desses aspectos, a CEDEAO carece da legitimidade política para desempenhar o papel de polícia. Críticos geralmente a descrevem como uma união de chefes de estado que raramente são modelos de liderança em seus próprios países e que nem sempre respeitam ou implementam decisões do tribunal judicial da CEDEAO.

Quão credível é uma instituição composta por líderes que violam despreocupadamente suas próprias constituições, aprisionam opositores e ativistas, usam a força para matar manifestantes e organizam eleições fraudulentas? O que prejudica ainda mais a credibilidade e confiabilidade da CEDEAO é a percepção popular de que suas sanções desumanas são orquestradas de fora. Os povos africanos desejam integração econômica, mas não desejam uma CEDEAO subserviente e arbitrária. Em caso de mudança de regime após as eleições, outros países podem se juntar aos países da AES para exigir uma nova forma de integração regional.

DB

Houve alguma discussão sobre uma mudança na moeda da CEDEAO, como alternativa ao franco CFA da África Ocidental, que esses três países do Sahel utilizam. O que você acha que os recentes desenvolvimentos nestes países sinalizam para esse projeto? Qual é a chance de eles criarem uma moeda comum e quais seriam os efeitos econômicos?

NSS

A ideia de uma moeda única para a CEDEAO remonta a 1983. Seu lançamento foi adiado várias vezes: 2015, depois 2020, depois para 2027. Acredito que não a veremos tão cedo. Há duas razões. Primeiro, a metodologia é inadequada. Após o lançamento do euro em 1999, a CEDEAO “importou” os critérios de “convergência nominal” de Maastricht – relacionados aos déficits e dívidas públicas, taxa de inflação etc.

Esses critérios foram exigidos pela Alemanha para dispensar a necessidade de solidariedade com seus vizinhos da zona euro. Mas, por alguns anos, os países não conseguiram atendê-los, por várias razões. Acrescente a isso a chamada abordagem “gradualista”: países que atendem aos critérios liderarão e depois serão seguidos pelos outros. Uma abordagem que não faz sentido: por exemplo, como um ou dois países pequenos podem ser as locomotivas da integração monetária regional?

Então há a política. Os oito países que usam o franco CFA até agora preferiram permanecer sob a tutela do tesouro francês, enquanto a Nigéria não parece muito interessada em exercer a liderança monetária regional. Isso deu a Macron a oportunidade de tentar sabotar o projeto de integração monetária da CEDEAO.

“Até agora, os oito países que utilizam o franco CFA preferiram permanecer sob a tutela do tesouro francês.”

Diante desse cenário, as frequentes sanções ilegais da CEDEAO dificilmente criam impulso político para a unificação monetária entre quinze países. Quem deseja fazer parte de uma união monetária não democrática, onde os países mais poderosos podem agir como desejam?

Minha opinião é que, supondo que esse projeto seja viável, ele seria apenas uma alternativa simbólica ao franco CFA. Modelado na zona do euro, geraria um “euro tropical” — uma moeda sem soberania, um instrumento de luta de classes.

Os três países da AES anunciaram um plano de integração econômica e monetária. Veremos como isso se desenvolverá e se eles se livrarão do franco CFA.

DB

Os recentes golpes militares no Níger, Mali e Burkina Faso são frequentemente retratados — inclusive pelas novas autoridades — como uma afirmação de soberania contra a influência neocolonial francesa. Isso é demagogia ou tem efeitos concretos? E quão semelhantes são os três casos, na realidade?

NSS

Dadas as horríveis governanças militares na África, especialmente durante a Guerra Fria, é necessário ter algumas ressalvas aqui. Muitos comentaristas especulam sobre um “retorno” dos golpes na África. Eles costumam explicar essa situação em termos de ausência de “boa governança”, pobreza e outros supostos fatores que podem parecer plausíveis. Discordo dessa abordagem.

Não há um “retorno” de golpes. Existe, sim, um problema de golpes de longa data na África francófona. Explicações em termos de “má governança”, pobreza e assim por diante carecem de especificidade. Essas características podem ser encontradas em muitos países da África onde a derrubada do governo era coisa do passado (o que não implica que sejam “democráticos”). Nove golpes ocorreram na África desde de 2020: oito em países de língua francesa e/ou em um contexto geopolítico militarizado pelo Ocidente (os países francófonos do Sahel e Sudão).

Uma das “especificidades” dos golpes militares na África francófona é que, do ponto de vista histórico, eles foram os únicos meios de se livrar de facetas do imperialismo francês. Isso não significa que os golpes militares sejam intrinsecamente progressistas.

De forma alguma. A maioria deles foi reacionária e trabalhou para consolidar ainda mais a ordem neocolonial. Mas, dada a influência francesa na “escolha” dos líderes africanos e seu sucesso em esmagar a esquerda civil, os raros líderes que tinham um projeto de rompimento com o neocolonialismo francês vinham do meio militar.

Podemos pensar, por exemplo, em líderes carismáticos e honestos como Thomas Sankara em Burkina Faso. Esta foi uma história de dois séculos que eu e minha coautora Fanny Pigeaud cobrimos em nosso último livro.

O período recente na África francófona foi marcado pelo “retorno” de práticas da era do domínio de partido único. As lideranças políticas cada vez mais se permitem manipular eleições escolhendo seus próprios opositores, manipulando normas constitucionais e leis, pressionando o judiciário e empregando um nível sem precedentes de violência contra suas próprias populações — tudo isso com a cumplicidade da “comunidade internacional”, que equipara “democracia” à servidão neocolonial e à implementação da agenda neoliberal.

“O período recente na África francófona foi marcado pelo retorno de práticas da era do domínio de partido único.”

As circunstâncias que levaram aos recentes golpes são diferentes de um país para outro. Assim é o seu “perfil” político. Enquanto alguns golpes permitem que o neocolonialismo francês se reorganize e evite uma mudança indesejada de regime (como em Gabão e no Chade), os golpes sem derramamento de sangue no Mali, Burkina Faso e Níger são claramente contrários à chamada Françafrique.

No Níger especificamente, minha impressão é que foi inicialmente um golpe palaciano, mas rapidamente tomou um rumo anti-imperialista diante do amplo apoio popular impulsionado pela imediatidade e severidade das sanções impostas pela CEDEAO e pela “comunidade internacional”.

Certamente, os golpistas do Níger não poderiam imaginar a enorme popularidade de seu golpe. Isso revelou muito sobre o descompasso que geralmente existiu entre a classe política e as pessoas comuns sedentas por mudanças radicais.

Em meio a relações diplomáticas tensas, as tropas francesas foram expulsas desses três países. Por outro lado, no Gabão e no Chade, dois redutos da influência francesa, os golpistas foram apoiados por Paris e pela “comunidade internacional”. Nesses casos, não houve sanções econômicas ou financeiras reais. As tropas francesas estão presentes e os interesses econômicos franceses não estão ameaçados.

Mali, Níger e Burkina Faso são países sem saída para o mar e empobrecidos, com uma grande extensão territorial. Mesmo que expressem a vontade de conquistar mais soberania, não poderão fazê-lo sozinhos. O serviço da dívida não é tão alto quanto em outros países africanos. No entanto, as transferências de lucros e dividendos são substanciais, uma realidade que geralmente está associada ao roubo e à transferência de recursos para o exterior.

Uma estratégia econômica mais “centrada em si mesma” — avanço na produção de alimentos, maior controle sobre os setores financeiro, extrativo etc. — dentro de um quadro de integração econômica, que ajudaria a aliviar a balança de pagamentos desses países dos altos custos de transporte, parece inevitável em seu caso. Diante dos desafios climáticos e de segurança, as transferências de recursos serão essenciais, além dos esforços domésticos. O Sahel claramente precisa de um “Plano Marshall”.

DB

Há dois meses, as novas autoridades no Níger cancelaram o acordo de 2015 com a UE sobre restrição à migração, semelhante a vários acordos desse tipo agora sendo propostos por Giorgia Meloni com diversos países do Norte da África e do Sahel (muitas vezes altamente endividados) em troca de ajuda ao desenvolvimento. O que você acha que as autoridades nigerianas estão buscando? E o que isso nos diz sobre como outros estados podem negociar seu papel como polícia de fronteira terceirizada para a Europa?

NSS

Essa medida política é uma maneira para o governo do Níger afirmar sua soberania “recém-descoberta” diante da UE, cujas políticas desumanas de migração muitas vezes contrariam o princípio de liberdade de movimento dentro da zona da CEDEAO. Também seria uma maneira de se livrar de uma medida impopular.

Portanto, as autoridades do Níger estão enviando uma mensagem à UE: as relações político-diplomáticas, especialmente no campo da migração, não serão mais as mesmas; parcerias mais equilibradas e respeitosas serão necessárias. Resta saber se os países da AES desenvolverão uma resposta concertada a esse respeito.

“Mesmo que esses estados expressem a vontade de conquistar mais soberania, eles não serão capazes de fazê-lo sozinhos.”

DB

Muitas vezes, apesar de suas diferenças, diz-se que todos os três estados estão recorrendo à Rússia para “ajuda de segurança”, especialmente devido à presença de Wagner no Mali. Isso é real?

NSS

A prestação de serviços de segurança tem sido a vantagem comparativa da Rússia na África, especialmente em sua parte francófona. A influência russa no continente frequentemente é destacada no Ocidente.

Porém, a narrativa mainstream ocidental geralmente omite dizer que a Rússia, incluindo o Grupo Wagner, tem ajudado e está ajudando países como a República Centro-Africana e o Mali a restabelecerem sua unidade territorial, onde a França (incluindo grupos de segurança privados franceses) falhou. No Mali, a França está presente desde 2013. Seus resultados na luta contra o jihadismo foram mais do que mistos. As tropas francesas gradualmente foram percebidas pela população como forças de ocupação.

Antes da chegada dos militares ao poder, o governo “democraticamente eleito” no Mali raramente podia mobilizar suas tropas em seu próprio espaço aéreo, por falta de autorização da França! Após a saída das tropas francesas e da United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in Mali (MINUSMA – Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali), o regime militar conseguiu retomar Kidal, uma cidade que a França havia deixado nas mãos de grupos separatistas.

Mesmo que desafios de segurança persistam, todos esses países, graças à cooperação militar com países do Sul Global e da Rússia, estão mais bem equipados e seus exércitos melhor treinados. Conforme destaca o Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo, diante da relutância da França e dos Estados Unidos em vender armas ao Mali, a Rússia se tornou seu principal fornecedor.

O Ocidente pode estar em conflito com a Rússia. Mas eles não podem culpar os países africanos que foram deixados de lado por procurar parceiros para ajudar a lidar com os problemas de segurança que as intervenções militares ocidentais ajudaram a criar.

DB

Também estou interessado em como você interpreta a política dos EUA em relação ao Níger — por exemplo, a visita da Secretária Adjunta de Estado Victoria Nuland em agosto passado, o fato de Washington não ter falado formalmente de um “golpe” e seus fortes laços militares.

NSS

Washington tem sido mais diplomaticamente astuto do que a beligerante Paris. Em certo momento, os Estados Unidos apoiaram o retorno de Bazoum ao poder, antes de negociar rapidamente com o regime militar sem se referir à situação como um “golpe”. De fato, foi um golpe. Mas reconhecê-lo como tal teria forçado os Estados Unidos a deixar o Níger, um país onde operam uma base de drones e possuem tropas em seu terreno. Embora as negociações tenham sido ditas “difíceis” entre Nuland e o novo regime, certamente devem ter sido facilitadas pelo fato de os EUA terem treinado o novo chefe do exército nigeriano, um dos “generais favoritos da América“.

Mas não existem dúvidas. Os Estados Unidos não estão no Níger para ajudar o país a enfrentar seus desafios de segurança. Sua motivação é essencialmente imperialista: bloquear o caminho de seus concorrentes, principalmente Rússia e China (e até mesmo a França!), além de ficar de olho em seus aliados no continente.

A militarização ocidental na África tem sido um terreno fértil para a instabilidade política e o surgimento de regimes militares. Como reação, a revolta pan-africanista e popular que começou no epicentro saheliano ameaça agora engolfar regimes neocoloniais vizinhos rotulados como “democracias”.

Sobre os autores

Ndongo Samba Sylla

é economista senegalês para o desenvolvimento e membro fundador do Coletivo para a Renovação da África (CORA). Ele é coautor de Africa's Last Colonial Currency: The CFA Franc Story (Londres: Plutão, 2021).

é historiador do comunismo francês e italiano. Ele está atualmente escrevendo um livro sobre a crise da democracia italiana no período pós-Guerra Fria.

Cierre

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Published in Africa, Entrevista, Europa, Guerra e imperialismo and Relações Internacionais

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