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O cartunista Henfil (Henrique de Souza Filho). Na camiseta, o personagem de Teotônio Vilela por ele criado para a campanha das Diretas Já. O senador morreu antes dos comícios, em novembro de 1983, mas já reivindicava o retorno do voto direto para a Presidência da República. ( Foto de Avani Stein/Folhapress)

Henfil contra a ofensiva fascistizante

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Há 80 anos, nascia Henrique de Souza Filho, o Henfil, mais conhecido como o "rebelde do traço". Cartunista brilhante e iconoclasta, sua arte foi fundamental na luta contra a ditadura militar - passando uma mensagem anti-autoritária de humor e esperança.

O cartunista é o criador de tirinhas famosas nos anos 1970 e 1980, como a Graúna, o Fradim Cumprido e o Fradim Baixim. Engajado na vida política e social do país, seus traços resistiam contra a ditadura militar. Ele trabalhou para o semanário O Pasquim, cuja linha editorial era contrária ao regime da época. Mais tarde, participou de movimentos importantes, como a mobilização pela anistia a presos e exilados políticos e as Diretas Já!, cujo bordão é inclusive de sua autoria.

Se fosse vivo, Henfil teria hoje 80 anos. Mineiro de Ribeirão das Neves, nasceu em 05 de fevereiro de 1944. Em outubro do ano passado, a história do cartunista foi retratada no documentário Henfil. Dirigido por Angela Zoe e lançado no Festival do Rio, o filme tem depoimentos de figuras próximas a ele, como seus colegas no semanário O Pasquim: Ziraldo, Jaguar, Sérgio Cabral e Tárik de Souza. “É um erro chamá-lo de cartunista, porque ele foi um multiartista”, diz Tárik de Souza em um dos depoimentos.

Os 30 anos da morte de Henfil foi lembrado por seu filho, Ivan Cosenza, há dois dias, em postagem no seu blog As Cartas do Pai, onde ele publica rotineiramente mensagens direcionadas ao cartunista. “O que fico imaginando é quanta coisa teria feito em mais 30 anos, já que em 25 anos de profissão, produziu tanta coisa boa! Seus personagens até hoje são usados em campanhas sociais, sindicais, no movimento estudantil e em tantas outras campanhas”, escreveu.

Henfil estudou Sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, mas não concluiu o curso. Especializou-se em ilustração e produção de histórias em quadrinhos.

Início da carreira

Henfil começou sua carreira de ilustrador em 1964, quando foi convidado pelo editor e escritor Robert Dummond, para trabalhar na revista Alterosa, em Belo Horizonte. No ano seguinte teve seus trabalhos de caricaturas de políticos publicadas no jornal Diário de Minas.

Em 1967 criou charges esportivas para o Jornal de Sports, do Rio de Janeiro. Trabalhou para as revistas Realidade, Visão, Placar e O Cruzeiro.

Rebelde do traço: o humor como resistência

Crítico ferrenho da ditadura civil-militar, Henfil participou do processo de redemocratização do Brasil, o multiartista cresceu e viveu para se tornar um dos maiores artistas de sua geração. A arte de Henfil atravessou a história quando o país fez a travessia do sufoco para a abertura, vivendo o que um dos ditadores da vez chamou de transição lenta, gradual e segura. 

Filho de um país em crise profunda de fascistização, encarou a censura, enfrentou a tortura, deu luz a um novo tipo de resistência e construiu a luta pela anistia e, bem ou mal, a democracia brasileira.

Na fantasmagórica sexta-feira 13 de dezembro de 1968, Henfil anteviu a desgraça que assolaria o país horas depois. Em charge publicada no Jornal dos Sports com o aval do editor-chefe, Maurício Azêdo, um torcedor desabafa diante da atmosfera irrespirável: Chega de intermediários! Delegado Padilha para chefe da Seleção!

Deraldo Padilha, à época, delegado de polícia na extinta Guanabara, era acusado de utilizar os métodos mais truculentos para extrair confissões de presos e perseguir moradores de favelas, homossexuais e prostitutas.

Com a decretação do Ato Institucional número 5, a ideologia da ditadura nacional tomou, por completo, as rédeas da vida nacional. Em dez anos de vigência do AI-5, foram proibidos cerca de 600 filmes, 500 livros, 450 peças, mil letras de músicas, milhares de matérias jornalísticas, dezenas de programas de rádio e televisão, capítulos e sinopses inteiras de telenovelas.

A Graúna, icônica personagem de Henfil.

Com a suspensão das garantias constitucionais, milhares de políticos, estudantes, artistas, intelectuais e líderes sindicais foram presos. Fechado o Congresso, foi imposta a censura prévia em veículos de comunicação. De cada dez cartuns que Henfil desenhou para o Jornal do Brasil, sete ou oito caiam na malha fina dos censores da Polícia Federal.

As editoras acumularam graves prejuízos com a apreensão de tiragens inteiras de livros considerados “subversivos”. Artistas e intelectuais exilaram-se ou tiveram que redobrar a cautela diante das ondas de prisões, processos e perseguições.

Desde o AI-5 os censores passaram a se instalar dentro das redações, onde tinham uma mesa a partir da qual censuravam todas as matérias que consideravam contrárias ao governo. Jornais progressistas como O Pasquim e Opinião eram censurados com rigor especial e muitas vezes tinham que fazer um volume de matérias correspondente a duas ou três edições, para que pudessem publicar apenas uma, inclusive os quadrinhos incendiários de Henfil.

A maioria expressiva dos meios de comunicação foi cúmplice, aliada e adepta da repressão e dos métodos de governar da ditadura militar. Não é por acaso que um grande número de concessões de rádio e televisão tenha sido dado justamente no período de 1964 a 1985, como moeda de troca ao apoio, à sustentação política e ao suporte ideológico das empresas de mídia à ditadura.

Consultando as antigas coleções dos jornais brasileiros para verificar como eram noticiados os casos de prisões, torturas e assassinatos, sempre se utilizando o termo “terrorismo” para caracterizar ações armadas antiditatioriais, explicita qual lado essa imprensa tomou. 

Os que resistiram ao autoritarismo, inclusive pela via pacífica, eram o tempo inteiro tachados de “subversivos”, “terroristas”, “criminosos”, enquanto as forças repressivas do Estado eram apresentadas à opinião pública como cumpridoras do seu dever de combater “subversivos” e “inimigos da pátria” como Henfil. 

A mesma atitude honesta, despojada e irreverente ocorreu quando nos fins da Ditadura, em 1977, ele visitou a China, em uma peripécia pelo Extremo Oriente. Isso resultou no seu Henfil na China, no qual ele avalia o país oriental pouco depois da morte de Mao Zedong, ainda longe da abertura que se avizinhava.

Ainda que Brasil e China já mantivessem relações diplomáticas, a diferença entre os dois países era gritante — a China da época ainda uma reserva para a mundialização do capital, e “todo mundo lê, relê, estuda e discute até cair duro o marxismo”; com ele próprio se reconhecendo como um pequeno-burguês em uma sociedade onde o povão chegou lá, não poupando nem a si mesmo do seu humor radical.

Vítima do HIV em 1988, contraído nas constantes transfusões de sangue que necessitava por ter nascido hemofílico — em tempos que os cuidados com os estoques de sangue para doação era precários –, Henfil encarnou o espírito da Graúna, sua icônica personagem, até os últimos dias: sempre via uma esperança, mesmo que de longe.

Este rebelde que tinha o lápis como arma, ressoa nas crises da esquerda atual, dando a mensagem de que se a arte quiser envolver o mundo como uma força ativa, ela precisa estar fundamentada no mundo da vida cotidiana e ir além dele.

Sobre os autores

é tradutora, redatora e repórter na Jacobin Brasil. Também é jornalista no Opera Mundi, membro do Fórum Latino Palestino.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Arte, DESTAQUE, Direitos Humanos, Ditaduras and Imprensa

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