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(Foto da última apresentação do grupo no bar latino-americano Sol y Sombra)

O elo entre a geração anterior ao golpe de 1973 e a nova cumbia

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A banda de cumbia chilena Chico Trujillo desembarca este mês no Brasil. Embalando manifestações estudantis nas ruas e torcidas antifascistas nas arquibancadas, suas músicas resgatam o legado de Victor Jara, Salvador Allende e a luta contra a ditadura de Augusto Pinochet - que proibia o carnaval e apresentações públicas.

No final de 2009, viralizou um vídeo de músicos tocando no topo de uma varanda em Barcelona. Três violinistas, dois percussionistas, um trompetista e outro trombonista interpretavam a versão acústica de “Loca”, tema composto pelo próprio cantor Aldo Ansejo, mais conhecido como Macha, presente no terceiro álbum de estúdio da banda chilena Chico Trujillo – Plato Único Bailabe – publicado no ano anterior. 

O sucesso de “Loca” seguiu em março de 2011 com o lançamento do videoclipe da versão original, sendo assistido por mais de 2 milhões de usuários do YouTube, extrapolando novamente os limites da Cordilheira dos Andes e do Oceano Pacífico.

Nesta altura, Macha e seus companheiros já estavam no quinto registro fonográfico, começando pelo primeiro disco ao vivo Chico Trujillo y La Señora Imaginación, de 2001, sendo que o grupo havia surgido no final do século passado em Villa Alemana, na Región de Valparaíso, a cerca de 130km da capital Santiago.

Cinco membros do Chico Trujillo já se conheciam de La Floripondio, banda da cena ska-punk de Valpo no começo dos anos 90, uma época na qual a música tropical estava em baixa no Chile. A principal razão foi a Ditadura Militar (1973-90), já que o regime de Augusto Pinochet teve um impacto negativo na produção cultural do país transandino, como relatou o cantor Tommy Rey no livro ¡Hagan un Trencito! Siguiendo los pasos de la memoria cumbianchera en Chile (1949-1989): “Era um problema terrível para todas as pessoas que trabalhavam à noite. Na época do toque de recolher a gente não tinha trabalho por causa do golpe. Estávamos mal, muito mal.”

“Após este período de ostracismo da cumbia chilena durante os anos de chumbo houve uma nova onda de influência estrangeira desta vez vinda da Argentina.”

O próprio Macha coincide com este relato, durante uma entrevista para a BBC Mundo em 2012:

“Quando os militares fecharam por decreto essa possibilidade de comemorar o carnaval, o Chile passou por um período obscuro, de 18 ou 20 anos, onde não podia ser festejado, também não eram permitidas reuniões de muita gente e aos poucos foi se recuperação isso. Suponho que somos parte de uma série de bandas que estão tocando e recuperando esse clima de festa.”

Cabe lembrar que a cumbia é um gênero musical originário do norte da Colômbia e que ressoou no Chile por volta da década de 1950, sendo reinterpretada por conjuntos e orquestras locais como os pioneiros Los Peniques e posteriormente La Sonora Palacios, Los Caribes, Los Vikings 5 e etc. além da chegada de vários artistas caribenhos ao país tal qual a colombiana Amparito Jiménez e o venezuelano Luisín Landáez.

Após este período de ostracismo da cumbia chilena durante os anos de chumbo houve uma nova onda de influência estrangeira desta vez vinda da Argentina, a partir de grupos como Amar Azul e Garras de Amor, cujo estilo mais urbano e tendo o teclado eletrônico como uma inovação tecnológica lançariam as bases para o que se convencionou chamar de “cumbia villera”.

Outro movimento musical difundido pelos argentinos – e também mexicanos – na década de 1990 foi o “alterlatino”, no qual bandas de rock mesclavam ritmos locais com reggae e ska, tendo como principais expoentes Café Tacvba, Los Auténticos Decadentes, Los Fabulosos Cadillacs e Maldita Vecinidad, que serviram de grande influência para La Floripondio/Chico Trujillo.

Além das composições autorais, o Chico Trujillo também resgatou diversos sucessos do passado tanto do Chile quanto de países vizinhos, introduzindo para um público mais jovem clássicos como “Cariñito”, “Daniela”, “La Piragua” e “Tus Besos Son”.

Mas, voltemos a 2011, quando o Chico Trujillo foi uma das principais atrações locais da primeira edição do Lollapalopza Chile – e também a primeira vez que o famoso festival saiu dos EUA – tocando no mesmo palco de Jane’s Addiction e Sublime, em abril, o que lhes rendeu o convite para se apresentarem no Lolla em Chicago quatro meses depois, desta vez abrindo para Black Lips e Deftones, no qual Macha clamou por “educación grátis y de mejor calidad”.

A luta contra o legado pinochetista

Em meados daquele ano, o Chile testemunhava diversas manifestações estudantis cuja principal pauta era a gratuidade do ensino superior, uma luta de décadas contra outro legado nefasto de Pinochet, cujo regime passou a cobrar mensalidade das universidades públicas.

Neste contexto, o Chico Trujillo se apresentou ao lado do icônico conjunto folclórico Inti Illimani no Parque Almagro em prol da mobilização estudantil. Coincidentemente, os cumbieros haviam participado da coletânea Inti Illimani, Tributo A Su Música – A La Salud de la Música Chilena lançada dois anos antes, fazendo uma releitura de “La Fiesta de San Benito”, faixa que abre o álbum Viva Chile! gravado em 1973, durante o exílio dos folcloristas na Itália.

Essa não foi a primeira rememoração do grupo com os acontecimentos do começo da década de 1970. Em “Cabildo”, música que encerra os dois primeiros álbuns, é recitado trechos do célebre discurso do então presidente Salvador Allende na ONU, em 1972, que inicia com

“Vengo de Chile, un país pequeno pero donde hoy cualquier ciudadano es libre de expresarse como mejor prefiera, de irrestricta tolerancia cultural, religiosa e ideológica, donde la discriminación racial no tiene cabida. Un país con una clase obrera unida en una sola organización sindical, donde el sufragio universal y secreto es el vínculo de definición de un régimen multipartidista, con un Parlamento de actividad ininterrumpida desde su creación hace 160 años, donde los Tribunales de Justicia son independientes del Ejecutivo, en que desde 1833 sólo una vez se ha cambiado la Carta Constitucional, sin que ésta prácticamente jamás haya dejado de ser aplicada. (…) Un país de cerca de diez millones de habitantes que en una generación ha dado dos premios Nobel de Literatura, Gabriela Mistral y Pablo Neruda, ambos hijos de de modestos trabajadores.”

No qual foi suprimido o seguinte trecho “un país donde la vida pública está organizada en instituciones civiles, que cuenta con Fuerzas Armadas de probada formación profesional y de hondo espiritu democrático”.

Embalando os estádios

Recentemente, o primeiro sucesso autoral de Chico Trujillo “Y Si No Fuera” chegou às arquibancadas do remodelado Estádio Elias Figueroa Brander, localizado no cerro Playa Ancha em Valparaíso, onde se faz de local o Santiago Wanderers, clube mais antigo em atividade no Chile e que ganhou o apelido de Los Panzers, após a conquista do campeonato de 1968.

Apesar da inspiração nos blindados alemães durante a Segunda Guerra Mundial, a barra brava wanderina que adotou a mesma alcunha é reconhecidamente uma das mais antifascistas do país e tem um vínculo bastante próximo com o Chico Trujillo, que se apresentou em mais de uma oportunidade em festividades da torcida.

Essa assimilação por torcedores de futebol demonstra a relevância alcançada pela banda, que hoje é um dos principais elos entre a geração anterior ao golpe de 1973 e a “nueva cumbia chilena” que tem entre alguns dos seus expoentes Anarkia Tropikal, Banda Conmoción, Juana Fé, Santa Feria e Villa Cariño.

“Nesta última passagem houve uma homenagem ao cantor Victor Jara, uma das primeiras vítimas fatais do golpe de 1973.”

O Chico Trujillo desembarca neste mês no Brasil pela quinta vez, sendo a segunda em 2024, tendo início com recordado show na Serralheria, em 2012, passando pelo Centro Cultural Rio Verde, em 2015, SESC Pinheiros, em 2019, SESC Pompeia e Sol y Sombra em julho e agosto passados.

Nesta última passagem houve uma homenagem ao cantor Victor Jara, uma das primeiras vítimas fatais do golpe de 1973, na qual foi interpretada “El Derecho de Vivir en Paz”, que se tornou um dos hinos do Estallido Social de 2019.

Agora os doze integrantes se apresentarão no Cine Joia, em São Paulo, na quinta-feira 28/11 e no Kingston Club, no Rio de Janeiro, sábado 30/11. Leitores da revista Jacobina tem 10% de desconto usando o cupom JACOBINA10. Não percam essa oportunidade única!

Sobre os autores

é historiador de formação e atua desde 2013 como podcaster, apresentando os casts “Conexão Sudaca”, “O Som das Torcidas” e “Xadrez Verbal”.

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Published in América do Sul, Análise, Cultura, História and Música

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