Depois que a CIA tentou derrubar o governo socialista de Cuba usando um exército de emigrados cubanos de direita e fracassou miseravelmente, o local da invasão, a Baía dos Porcos, tornou-se um marco não apenas para o histórico de intervenções imperialistas dos EUA no hemisfério, mas também pela ineptidão e incompetência da inteligência do Estado norte-americano. A tentativa de golpe totalmente bizarra na semana passada na Venezuela, um “ataque militar anfíbio” frustrado por pescadores locais, tem muitas comparações com a Baía dos Porcos. Mas, comparado ao absurdo complô contra a Venezuela, o fracasso retumbante que foi a Baía dos Porcos aparece como um esquema bem pensado.
Precisamente, quem iniciou o plano para derrubar o governo venezuelano não é claro. Mas isso ocorre no contexto das tentativas crescentes do governo Trump de mudar o regime na Venezuela, uma campanha que está totalmente alinhada com a longa história dos EUA em tentar garantir que seus vizinhos do sul permaneçam firmemente sob o controle do Tio Sam.
O plano em si tem todos os ingredientes de um filme trash de ação: um exército de sessenta mercenários derrubaria o governo atravessando a fronteira para sequestrar o presidente venezuelano Nicolas Maduro. A malfada operação foi realizada por uma empresa privada de mercenários da Flórida, um general venezuelano que aguarda julgamento nos EUA por narcotráfico e um herdeiro de uma fortuna de queijos descrita pela Associated Press como “excêntrica”.
Os bizarros serviços oferecidos pela Silvercorp USA
Vamos começar com os fatos mais básicos que foram relatados até agora. No centro da trama está a Silvercorp USA, uma empresa de segurança com fins lucrativos com sede na Flórida.
Em uma história única e sombria, antes de se ramificar nos governos latino-americanos de esquerda, a empresa foi fundada para combater os tiroteios nas escolas, empregando veteranos das forças especiais. A empresa de segurança esperava obter lucro em seu programa de segurança escolar, cobrando dos pais uma taxa mensal semelhante a Netflix de US$ 8,99 para proteger seus filhos. O plano, entretanto, não parece ter decolado.
O ex-boina verde Jordan Goudreau administra a Silvercorp USA e se destaca em sua presença nas mídias sociais e materiais promocionais. Antes de entrar no mundo da segurança privada, ele serviu no exército canadense e norte-americano. No exército dos EUA, Goudreau serviu várias missões no Afeganistão e no Iraque, recebendo três estrelas de bronze. Perto do final da carreira militar de Goudreau, ele foi investigado por desviar do Exército US$ 62.000 em salários. Não houve nenhuma acusação formal.
A Silvercorp USA lista vários serviços que fornece, incluindo “liderança complexa em projetos”, “gerenciamento de desastres” e “programas especiais”. A empresa afirma que seus “agentes viajam a qualquer momento para avaliar ameaças impostas por movimentos políticos ou trabalhistas, ou funcionários descontentes ou demitidos, recorrendo a recursos psiquiátricos quando necessário”.
As contas da SilverCorp USA no Twitter e Instagram, agora excluídas, revelam que a empresa forneceu segurança para o Live Aid Venezuela Concert em fevereiro de 2019 na Colômbia, bem como pelo menos um comício de Donald Trump. Em fotos exibidas nas mídias sociais e em um vídeo promocional, Goudreau pode ser visto em pé em um comício de Charlottesville, Carolina do Norte, atrás da estrela do reality show empresarial que virou presidente, usando um fone de ouvido. Uma postagem no Instagram dizia “protegendo nosso maior patrimônio”. O Serviço Secreto, a campanha de Trump e os organizadores do comício negam ter contratado a SilverCorp USA ou Goudreau.
O envolvimento de Goudreau no show Live Aid Venezuela Concert levou a seu novo interesse ao país. Ele apareceu em uma reunião no JW Marriott em Bogotá, Colômbia, descrita à Associated Press por um participante como uma “cúpula de Star Wars de patetas anti-Maduro”. Na Colômbia, Goudreau foi apresentado a Cliver Alcalá, um ex-general venezuelano atualmente acusado nos EUA por tráfico de drogas. Goudreau e Alcalá começaram a conspirar para derrubar Maduro usando 300 ex-militares venezuelanos na Colômbia.
Um ex-membro da Marinha dos EUA disse que foi contratado por uma organização sem fins lucrativos “humanitária” que opera em zonas de guerra para fornecer treinamento médico aos futuros soldados. Quando chegou, encontrou vinte homens vivendo em uma casa de cinco quartos, sem água corrente e pouca comida ou suprimentos. Ele ficou tão chocado que procurou Goudreau na esperança de convencê-lo a abandonar seus planos insanos.
Alcalá, por outro lado, tentou enganar a inteligência colombiana, alegando que Goudreau era um ex-oficial da CIA. Segundo a Associated Press, a inteligência colombiana procurou a CIA que negou que Goudreau fosse oficial. Os colombianos disseram a Alcalá para “parar de falar sobre uma invasão ou seria expulso”.
Alcalá teve mais problemas. Em 23 de março, as autoridades colombianas interceptaram um carregamento de equipamento militar com destino à Venezuela, incluindo 26 fuzis semi-automáticas fabricadas nos EUA com os números de série raspados. Pouco depois, e no mesmo dia em que ele foi indiciado nos EUA por tráfico de drogas, Alcalá recebeu publicamente crédito pelo envio. Com uma recompensa de US$ 10 milhões colocada em sua cabeça pelos EUA, Alcalá rapidamente se entregou, alegando que não tinha nada a esconder. Segundo o Financial Times, “ele foi levado para fora do país em poucas horas, embora os promotores colombianos tenham dito que não havia mandado de prisão e nem pedido de extradição”.
Hora do amador
Alcalá não foi o único player nessa trama. Goudreau também procurou o guarda-costas de Donald Trump, Keith Schiller. Segundo a Associated Press, Schiller apresentou Goudreau aos membros da oposição venezuelana em Miami. Schiller aparentemente parou de fazer isso depois que ficou preocupado com o grau de amadorismo nas conspirações de Goudreau.
O Washington Post relatou que Goudreau teve reuniões em Miami com um representante do comitê secreto de Juan Guaidó. Eles concordaram em assinar um acordo para sequestrar Maduro, na condição de obter financiamento para a operação. Como o financiamento para a expedição nunca surgiu, Goudreau começou a exigir que a oposição pagasse a ele um adiantamento de US$ 1,5 milhão — eles alegaram mais tarde que cortaram o contato.
Além disso, Goudreau procurou um assistente no escritório de Mike Pence e foi atrás de Roen Kraft, “um descendente excêntrico da família queijeira”, de acordo com a Associated Press, para buscar financiamento. O escritório de Pence nega ter tido contato com Goudreau. Da mesma forma, Kraft nega qualquer financiamento e afirma ter compartilhado com ele questões sobre estratégia militar.
A maior questão, no entanto, permanece sem resposta: qual o papel do governo dos EUA ou da oposição de Guaidó nesta trama rocambolesca? A investigação da Associated Press não revelou nenhuma evidência de envolvimento oficial dos EUA. O secretário de Estado, Mike Pompeo, negou o envolvimento, afirmando: “se estivéssemos envolvidos, teria sido diferente”. Donald Trump também negou envolvimento, afirmando que, se ele estivesse por trás disso, ele teria enviado logo o exército.
Embora a evidência de uma conexão direta com os EUA não tenha surgido, os teóricos da conspiração não são os únicos que podem levantar essas suspeitas. Os EUA têm uma longa história de ações secretas na América Latina, e o governo Trump tem escalado seus pedidos belicosos de mudança de regime na região. Mesmo que não tenha sido uma ação oficial dos EUA, não pode ser totalmente divorciada das atuais relações entre EUA e a oposição na Venezuela. Parece também que os EUA provavelmente sabiam da trama, dadas as investigações relatadas pela inteligência colombiana.
Quanto ao “governo” de Guaidó, a imagem aqui é totalmente diferente. Segundo Goudreau, Guaidó assinou um acordo com ele para pagar US$ 215 milhões por seus serviços. Guaidó negou publicamente isso. Como prova, Goudreau forneceu à mídia uma cópia do “contrato de serviços gerais” com a assinatura de Guaidó, bem como o áudio em que ele afirma ser de Guaidó ao assiná-lo. E a própria reportagem do Washington Post parece confirmar que alguém em nome da oposição assinou algum tipo de acordo com Goudreau.
A maior parte do mundo soube da SilverCorp USA e Goudreau pela primeira vez em 1º de maio, quando a Associated Press publicou uma longa investigação sobre a trama da SilverCorp. O artigo, baseado em entrevistas com trinta fontes separadas, revelou um esquema tão moribundo quanto irremediavelmente condenado.
Dois dias depois que o mundo soube desse plano, o governo venezuelano anunciou que havia interrompido um ataque de “mercenários terroristas” com lanchas ao norte de Caracas, no Estado de La Guaira. No final da operação, o exército venezuelano matou oito pessoas e deteve outras duas. Inicialmente, como costuma ser o caso, opositores do governo venezuelano declararam que o incidente foi fabricado. Mas Goudreau divulgou um vídeo explicando que a operação havia começado e que havia sessenta homens na Venezuela.
Além deste vídeo, a SilverCorp USA twittou informações semelhantes. Eles marcaram Donald Trump em seu tweet.
No dia seguinte, o governo venezuelano prendeu, com a ajuda de pescadores, mais dez mercenários. Estes também eram homens de Goudreau. Entre os capturados estavam dois ex-veteranos das Forças Especiais dos EUA. No decorrer da semana, vieram mais prisões.
Segundo Goudreau, ele nunca recebeu dinheiro da oposição, apesar do contrato assinado. Ele afirma que decidiu continuar com o ataque, porque ele era um “combatente da liberdade”. Outros sugeriram que Goudreau também pode ter um motivo menos altruísta: ele esperava receber a recompensa de US$ 15 milhões que o governo dos EUA colocou na cabeça de Maduro.
Um Estado desonesto
A Venezuela está na mira dos EUA há tempos e o governo Trump tem procurado intensificar os ataques ao país. Trump tem escalado continuamente as sanções contra a Venezuela, mesmo quando o país está lutando contra a pandemia. Muito antes da COVID-19, um estudo do Center for Economic and Policy Research descobriu que as sanções dos EUA à Venezuela haviam causado 40.000 mortes entre 2017 e 2018.
Na última eleição presidencial, a oposição venezuelana boicotou a eleição, alegando preventivamente fraude eleitoral. Os EUA deixaram claro que não aceitariam o resultado da eleição. Com a maioria da oposição se recusando a participar da eleição, Maduro venceu facilmente. Alguns sugeriram que “a oposição poderia ter vencido se não a boicotassem”.
A oposição tem maioria na Assembléia Nacional da Venezuela (fruto de se preocupar em disputar uma eleição). Eles citaram uma lei da Constituição venezuelana que, se o presidente abandonar seu cargo, o presidente da Assembléia Nacional se tornará presidente. Embora isso não se aplique de maneira viável à atual situação, um político relativamente desconhecido, Juan Guaidó, se autodeclarou presidente da Venezuela com base nessa lei. Embora ele não tenha controle nenhum sobre o governo, os EUA o reconhecem comicamente como presidente da nação.
Desafiando descaradamente o direito internacional, os EUA se mobilizaram para expropriar as propriedades do governo venezuelano e entregá-las ao “governo” de Guaidó. Quando o governo venezuelano deixou a embaixada dos EUA, ativistas antiguerra nos EUA, conhecidos como Coletivo de Proteção à Embaixada, permaneceram nela. Os ativistas tentaram impedir o governo dos EUA de expropriar a embaixada e entregá-la a Guaidó. Por serem convidados do atual governo venezuela, eles viam suas ações como inteiramente legais.
Embora a situação tenha sido tranquila inicialmente, depois que o coletivo organizou uma série de debates, ficou claro que um confronto maior se aproximava. Em 30 de abril de 2019, Guaidó declarou que os militares não apoiavam mais o governo da Venezuela. Isso acabou não sendo verdade. Sua tentativa de golpe rapidamente fracassou. Em Washington DC, no entanto, os apoiadores da oposição invadiram a embaixada venezuelana. Quando ficou claro que não houve golpe, eles começaram uma campanha agressiva para forçar a saída do Coletivo de Proteção da Embaixada.
Estive frequentemente fora da embaixada durante esse período e testemunhei um pouco do que aconteceu. Os partidários da oposição tentaram expulsar as pessoas da embaixada através de barulho alto e interminável. Eles também tentaram bloquear a entrega de comida para quem estava dentro. Um partidário da oposição chegou a mim e começou a bater na minha cara enquanto cantava “NO FOOD! NO WATER!”, apesar de eu não carregar nada comigo.
Os militantes agressivos da oposição questionaram jornalistas e observadores legais sobre quem os pagava para estar lá. Em um vídeo, militantes da oposição rodearam observadores legais da National Lawyers Guild pelas ruas batendo em panelas, tentando expulsá-los. Assisti, pessoalmente, eles zombarem de uma jornalista progressista local depois que ela desmaiou, além de ofenderem racialmente a um manifestante. Outros incidentes desse tipo foram relatados ou capturados por outras pessoas em vídeo.
Apesar do comportamento agressivo e da posição do Serviço Secreto de que eles não estavam fazendo nada para impedir a entrega de alimentos, a polícia passou pano aos militantes da oposição. Por outro lado, ativistas anti-guerra não receberam tratamento semelhante.
Quando Gary Condon, o presidente dos Veteranos da Paz, estava tentando entregar comida e foi bloqueado pela oposição, ele jogou um pepino através da janela para dentro da embaixada. Ele foi violentamente preso. A ativista do Code Pink Ariel Gold também tentou levar comida para a embaixada jogando um pedaço de pão na embaixada. Ela também foi atacada por uma militante da oposição e presa pela polícia, que a acusou de lançar bombas. A polícia ainda se envolveu em uma retaliação contra o jornalista Max Blumenthal.
A cena mais bizarra que testemunhei foi a polícia de Washington lendo uma ordem de invasão contra os ativistas lá dentro. Usando um megafone gigante em cima do carro, anunciou que a polícia não reconheceu a legitimidade do “antigo regime de Maduro” e, portanto, os indivíduos estavam invadindo. Os ativistas lá dentro foram capazes de dar um drible na tentativa de despejo. A polícia entrou na embaixada, arrombando a fechadura na frente. Após uma negociação com o advogado dos ativistas, eles fecharam a embaixada e foram embora. Dias depois, eles foram removidos e acusados de interferir nos trabalhos de proteção do Departamento de Estado. O “governo” de Guaidó está de posse do edifício, mas na verdade não pode desempenhar nenhuma função na embaixada.
Paralelamente a esses acontecimentos, os EUA chamaram uma atenção significativa ao enviar um comboio de ajuda humanitária para a Venezuela. Tanto a ONU como a Cruz Vermelha pediram aos EUA que não fizessem isso, pois, consideravam isso uma politização da ajuda. E o responsável pelo comboio de ajuda, Elliott Abrams, foi um arquiteto-chave da política à América Central de Reagan na década de 1980 e uma figura-chave durante o escândalo Iran-Contra, quando usou voos de ajuda humanitária para contrabandear armas.
Com os EUA exigindo que a Venezuela receba o comboio, muitos da esquerda consideraram um esforço cínico ou, pior ainda, uma tentativa de provocação. Em 23 de fevereiro de 2019, militantes da oposição tentaram levar o comboio de ajuda através da fronteira entre a Colômbia e a Venezuela por uma longa ponte. Na briga que se seguiu, o comboio foi incendiado. Desde o início, muitos meios de comunicação alegaram que o governo venezuelano era responsável pelo incêndio. Mas o New York Times divulgou mais tarde que as evidências filmadas em vídeo mostraram que os militantes da oposição que jogaram coquetéis molotov.
Recentemente, em um movimento que é perturbadoramente semelhante ao que antecedeu na invasão do Panamá, o governo Trump indiciou Maduro por tráfico de drogas (e ofereceu US$ 15 milhões por informações que levem à sua prisão). Trump também enviou navios de guerra para o Caribe, estabelecendo paralelos com as ações dos EUA no prelúdio da invasão do Panamá.
Este é o contexto em que Goudreau lançou seu malfadado ataque.
O que há por trás dos ataques?
Por que Trump faz isso? Uma resposta comum é que ele está tentando distrair a imprensa de seus problemas domésticos. Embora seja parcialmente verdadeiro, ignora ao papel imperialista dos EUA no exterior.
Apesar do pânico moral em alguns cantos sobre a suposta falta de belicosidade do governo Trump em relação à Rússia, Trump repetidamente convocou ex-funcionários da Guerra Fria e outros falcões do imperialismo para administrar sua política externa. Elliott Abrams foi nomeado Representante Especial dos EUA para a Venezuela. Além de seu tempo no governo Reagan, Abrams também serviu no governo de George W. Bush e foi acusado de ter apoiado a tentativa de golpe de Estado na Venezuela em 2002 que removeu Chávez do poder por quarenta e sete horas. Embora o governo Trump tenha sido uma porta giratória de pessoas aleatórias, alguns dos defensores mais obsessivos da mudança de regime na Venezuela, como John Bolton, já trabalharam anteriormente em seu governo.
Além desses conselheiros, Trump faz questão de atacar o socialismo sempre que pode. Ao fazer isso, ele não persegue apenas os adversários políticos, mas também agride “inimigos” oficiais dos EUA, como Cuba e Venezuela. Certamente, a fixação de Trump no socialismo é um sinal de que ele vê os crescentes movimentos socialistas, incorporados pelas campanhas presidenciais de Bernie Sanders ou o crescimento do movimento Socialista Democrata da América (DSA), como uma ameaça. Ele também está ligando seus oponentes políticos interno a supostos “inimigos” estrangeiros. A esquerda sempre enfrentou a repressão e o início da Guerra Fria permitiu que essa repressão aumentasse, permitindo que o governo dos EUA tratasse os militantes radicais como defensores da ideologia de um Estado inimigo com o qual os EUA estavam em guerra.
Os EUA sempre perseguiram governos independentes, especialmente aqueles que adotam políticas socialistas. Na América Latina e no Caribe, essa história tem sido particularmente cruel.
Os mercenários da Silvercorp USA, têm algum antecedente histórico nos “filibusters” como William Walker, que nos anos 1800 organizou expedições militares financiadas contra nações latino-americanas. Os EUA, é claro, anexaram metade do México. Décadas antes da Guerra Fria, fuzileiros navais dos EUA desembarcaram e ocuparam a Nicarágua e o Haiti. Em 1954, a CIA derrubou o governo de esquerda democraticamente eleito da Guatemala em um golpe que serviria de modelo para futuras ações secretas da CIA. Os EUA ajudaram a derrubar o socialista chileno Salvador Allende, democraticamente eleito.
Após a Revolução Sandinista na Nicarágua, os EUA investiram dinheiro nas milícias paramilitares de direita, que rotineiramente se envolviam em ataques contra a infraestrutura civil, como centros de alfabetização de adultos e clínicas de saúde. O governo Reagan foi tão dedicado à campanha de terror dos Contras que desencadeou uma crise constitucional pós-Vietnã e pós-Watergate ao tentar ocultar uma ação secreta dos EUA contra o governo na Nicarágua, no que veio a ser conhecido como o escândalo Irã-Contra.
A Venezuela está na mira dos EUA há muito tempo. Em 2002, Hugo Chávez foi removido brevemente em um golpe apoiado por Washington. Sabemos graças as revelações do WikiLeaks que os EUA estão apoiando ativamente a oposição e procurando isolar a Venezuela há algum tempo. E foi Barack Obama que declarou a Venezuela como uma ameaça incomum e extraordinariamente à segurança nacional dos EUA, autorizando sanções assassinas contra o país.
Hugo Chávez e a Revolução Bolivariana na Venezuela romperam com o consenso neoliberal. Ao fazer isso, obteve resultados notáveis. Chávez presidiu quedas no desemprego, crescimento no PIB, reduções na pobreza e aumentos na alfabetização. Sob Chávez, a pobreza caiu 50% e a extrema pobreza caiu 70%. A Venezuela caiu para o menor coeficiente de Gini, usado para medir a desigualdade de renda, na região. Pesquisas regionais durante os anos de Chávez mostraram repetidamente que os venezuelanos tinham alguns dos mais altos graus de satisfação com a democracia de qualquer país do continente.
Esses ganhos não se limitaram apenas à Venezuela. Chávez desafiou George W. Bush durante uma cúpula de livre comércio em 2005 e marchou com dezenas de milhares de manifestantes do lado de fora. Ele foi acompanhado pelo ativista boliviano Evo Morales, que logo se tornaria presidente de sua própria nação.
A Revolução Bolivariana foi central para a onda progressista no continente. Do outro lado, os governos esquerdistas da América Latina, muitos deles perseguindo o que chamavam de “socialismo do século XXI“, chegaram ao poder através das urnas. Isso fomentou a cooperação regional e reduziu drasticamente o poder dos EUA de intervir na região. O papel da Venezuela em promover uma alternativa ao neoliberalismo e à dominação dos EUA os tornou poderosos inimigos.
Mas a situação mudou drasticamente. Golpes parlamentares no Brasil e no Paraguai removeram os governos de esquerda. Golpes militares em Honduras e Bolívia removeram seus governos. Em outros países da onda progressista, os governos de esquerda não estão mais no poder.
E enquanto os notáveis avanços da Venezuela ajudaram a acabar com a idéia de que “não há alternativa” às políticas fracassadas do Consenso de Washington, a situação no país é bem diferente hoje, pois está em crise econômica. Os apoiadores e simpatizantes da Revolução Bolivariana debatem as origens precisas da crise e em que medida as políticas do governo contribuíram para ela. Mas duas coisas são claras.
Primeiro, os EUA travaram uma guerra econômica implacável contra a Venezuela por meio de sanções, destinadas a destruir a economia. Nenhuma análise da situação atual pode ser completa sem a indicação disso. Como disse o economista Jeffery Sachs no ano passado, “a culpa da crise econômica na Venezuela é rotineiramente colocada no colo do governo. Mas é muito mais do que isso. As sanções dos EUA visam deliberadamente destruir a economia da Venezuela e, assim, levar a mudanças de regime.” Segundo, cabe à esquerda venezuelana e ao povo venezuelano determinar seu futuro.
Se a Silvercorp USA obteve sinal verde do governo dos EUA para atuar como corsário ou apenas freelancer, essa desventura só pode ser entendida no contexto da crescente agressão dos EUA à Venezuela. Embora Trump possa estar aumentando essas tensões, ele está agindo dentro da longa tradição do imperialismo norte-americano na região. Por fim, cabe aos venezuelanos, e não aos Estados Unidos, determinar o rumo do país.
Sobre os autores
é jornalista, que escreve oara Jacobin e The Nation. Ele também é o consultor político e legislativo para defender direitos e dissidências, as opiniões expressas aqui são suas.
[…] de rock anti-Chávez, a grupos patronais e grupos trabalhistas opostos a Chávez – até mesmo uma operação arruinada envolvendo mercenários […]
[…] A Baía dos Porcos venezuelana – Jacobin Brasil A recente invasão de mercenários na Venezuela por alguns palhaços autodenominados “combatentes da liberdade” fracassou miseravelmente. Essa desventura só pode ser entendida num contexto histórico mais amplo e no desejo da CIA, Trump e da oposição em derrubar governo democrático de Maduro a qualquer custo. […]
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