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Jason Reza Jorjani.

Aliens, antissemitismo e a academia

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Tradução
Everton Lourenço

Os teóricos da conspiração de extrema direita tem abraçado a filosofia pós-moderna. A esquerda precisa retomar o que havia de emancipatório no iluminismo para se opor a essa política de irracionalidade e ódio.

Um escândalo está se formando na academia. A foto que acompanha um artigo na revista Atlantic mostra Jason Reza Jorjani, que recebeu um doutorado em filosofia pela Universidade Stony Brook, abraçando Richard Spencer, o nacionalista branco que cunhou o termo “alt-right” (ou “direita-alternativa”) em 2010.

Jorjani, detalha o artigo, tornou-se um líder de destaque no movimento. Trabalhou como editor cultural para o site altright.com e como editor-chefe na editora da nova direita, Arktos Media. No final de 2016, ele discursou ao lado dos notórios nacionalistas brancos Spencer, Jared Taylor e Kevin MacDonald na conferência do Instituto de Política Nacional (National Policy Institute – NPI) em Washington, DC. Embora a imagem de Spencer liderando a multidão em um canto de “hail Trump” possa ter capturado a maioria das manchetes, o discurso de Jorjani revelava mais claramente a lógica filosófica perversa da alt-right.

Os escritos, atividades políticas, discursos e aparições de Jorjani na mídia têm atraído acusações de antissemitismo e islamofobia. Em um caso, ele sugeriu que Javé e Alá seriam na verdade alienígenas do espaço que escravizavam seus crentes e que os iludiram para que cometessem genocídio. Ele abertamente caracterizou certos oficiais nazistas de alto escalão como super-homens com poderes psíquicos. Embora Jorjani negue veementemente as acusações de intolerância levantadas contra ele, suas declarações públicas de fato dão o que pensar.

Tudo isso tem atraído uma atenção desconfortável e às vezes hostil para com a sua universidade.

O departamento de filosofia da Universidade Stony Brook, famoso por seu pluralismo e por sua política progressista, parece um contexto improvável para esse escândalo. Muitos dos alunos e professores do departamento se identificam como pessoas de esquerda e progressistas. Seu foco na filosofia continental inclui pesquisas sobre teoria crítica, feminismo, pós-colonialismo e teorias queer e crítico-racial. Foi um grande choque, então, que um dos mais novos ex-alunos da Stony Brook tenha se tornado o autoproclamado porta-voz do “Império Ariano“.

Jorjani escreveu uma carta aberta ao departamento depois de descobrir que um participante de uma reunião do corpo docente sugeriu revisar sua pesquisa de dissertação. Embora não haja evidências de que o departamento esteja conduzindo essa investigação, isso, no entanto, gerou uma enxurrada de artigos em sites e blogs da área, como no Inside Higher Ed, no Leiter Reports e no Daily Nous, que destacam questões sobre censura, revogabilidade de diplomas, liberdade acadêmica e o papel das bancas de dissertação.

O constrangimento institucional certamente deriva das visões reacionárias de Jorjani sobre a cultura, que ele descreve em Prometeu e Atlas, o livro baseado em sua dissertação. Mas o desfile de bizarrices que aparecem no livro – incluindo (mas não se limitando a) feiticeiros, videntes, alienígenas antigos, telepatia e a cidade submersa de Atlântida – é igualmente desconcertante.

Para se defender das acusações de antissemitismo, Jorjani cita suas referências ocasionais a filósofos judeus como Leo Strauss, se gaba de que havia participantes judeus na conferência do NPI e lembra os leitores de como até Mussolini teve o apoio de alguns judeus italianos, embora por pouco tempo. Seu livro é até dedicado a Jeffrey Mishlove, um judeu parapsicólogo e personalidade na mídia.

Essas evidências não são suficientes para anular as acusações, no entanto. Afinal, o filósofo nazista Martin Heidegger dedicou sua obra magna, Ser e Tempo, a seu desprezado mentor judeu Edmund Husserl.

Também frequentamos o departamento de filosofia da Stony Brook, onde éramos contemporâneos de Jorjani. Sabemos que alguns acadêmicos prefeririam que não déssemos mais atenção a essa história. Jorjani, dizem eles, seria uma curiosidade mórbida que não merece crítica séria. Isso reflete aqueles comentaristas progressistas que alertavam contra a “normalização de Trump” levando sua retórica inflamada e propostas excêntricas muito a sério.

Por mais reconfortante que essa postura desdenhosa possa ser, ela falha em reconhecer o lugar que as ideias de Trump e Jorjani têm na cultura contemporânea. Os apelos para que ignoremos essas figuras se baseiam na premissa furada de que eles seriam bitolados solitários, pontos anômalos fora da curva, sem nenhuma conexão real com tendências mais amplas na política ou na filosofia. Quem dera isso fosse verdade.

Embora a alt-right continue marginal nos EUA, ela se aproximou do poder real e tem tentado se posicionar como filósofos da corte. Figuras como Richard Spencer se enxergam como os intelectuais orgânicos do movimento Trump, guiando os seguidores do presidente, que eles caracterizam como um “corpo sem cabeça“, sem direção.

Esses pretensos Rasputins têm uma infinidade de antecedentes modernos a seguir, incluindo intelectuais do entreguerras como Carl Schmitt e Ernst Jünger no Terceiro Reich, Filippo Tommaso Marinetti na Itália fascista e o anti-Dreyfus Charles Maurras na França. As ideias, mesmo as incoerentes, muitas vezes acumulam seguidores políticos significativos.

Em segundo lugar, o trabalho de Jorjani faz parte de uma tradição filosófica significativa que combina o antissemitismo com crenças ocultistas. A longa associação histórica entre irracionalismo e antijudaísmo sugere que eles emanam de uma visão de mundo comum. No fim das contas, os escritos místicos e neopagãos de Dietrich Eckart inspiraram grande parte da política racial do Terceiro Reich. Houston Stewart Chamberlain, amigo e mentor de Hitler, proclamava que “todo místico é, quer queira ou não, um antisemita nato”.

O Protocolos dos Sábios de Sião, talvez o primeiro exemplo de teoria da conspiração na literatura popular, está repleto de imagens de manifestações demoníacas juntamente de perfídia judaica. Além disso, já no século XVIII os ideólogos do contra-iluminismo procuravam atacar a própria razão como “judia” e a emancipação política como uma conspiração subversiva hebraica. Figuras como Joseph de Maistre elogiaram a Inquisição espanhola por erradicar o “câncer” político e espiritual dos judeus, e o conservador Edmund Burke comparou a Revolução Francesa a uma cabala de banqueiros judeus.

Criticar o pensamento iluminista se tornou moda por todo o espectro político. Nas últimas décadas, mais e mais acadêmicos têm questionado a razão, especialmente o tipo de visão de mundo racionalista que emergiu nos séculos XVII e XVIII.

Isso é especialmente verdadeiro entre pensadores de esquerda, pós-modernos e pós-estruturalistas. Embora pareça surpreendente que alguém como Jorjani tenha saído de um departamento muito consciente de sua posição progressista, a suspeita a respeito do racionalismo iluminista tornou-se endêmica em programas de filosofia liberal como o da Stony Brook.

Isso coincide com uma das principais táticas da extrema-direita: adotar uma retórica esquerdista como cobertura para suas agendas racistas, nativistas e muitas vezes misóginas.

Sua apropriação da política identitária para sua própria marca chauvinista de política identitária branca atesta o sucesso dessa estratégia. Se a esquerda deseja resistir ao poder crescente da extrema direita, ela precisa retomar o que havia de emancipatório nas raízes da racionalidade iluminista, que insistia na igualdade de todas as pessoas e que fornece uma base teórica robusta para a transformação social e a emancipação universal.

Antisemitismo e contra-iluminismo 

A alt-right descende diretamente do contra-iluminismo. Quando na era do iluminismo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), explicitamente baseada nos princípios da razão e da igualdade universal, emancipou os judeus europeus, tradicionalistas da França à Prússia e além viram isso como uma derrubada violenta da visão de mundo hierárquica que há muito mantinha em ordem a consciência política europeia.

Desde o seu início, o contra-iluminismo pertencia à direita, muitas vezes da direita romântica, völkisch e antissemita.

Em sua forma mais consistente, o racionalismo iluminista substituía o pluralismo por um monismo, colocando um fim na concepção medieval de um cosmos estratificado e encantado, em que cada parte da natureza (planetas, seres vivos, objetos inanimados) obedecia às suas próprias leis locais. A visão probabilística do mundo, que abria espaço para todos os tipos de milagres e intervenções divinas, começou a desaparecer. Uma concepção propriamente universal da natureza, sujeita a uma lei natural inteligível e determinante, deslocou o mistério e a espiritualidade que definiam o período medieval.

Essa nova visão de mundo também suscitou uma visão atualizada da humanidade. A pluralidade qualitativa dos povos deu lugar à crença em uma natureza humana inteligível, comum a todos e comumente governada por nossa faculdade natural da razão. Os princípios iluministas, portanto, se opunham à subjugação das comunidades minoritárias com base em alguma diferença supostamente inata em relação à maioria.

Baruch Spinoza, um membro da comunidade de imigrantes judeus sefarditas que fugiram da Inquisição portuguesa para Amsterdã, tornou-se o principal expoente dessa visão do “iluminismo radical”. Sua comunidade de ex-marranos secretamente manteve sua identidade judaica depois de ser forçada a se converter ao catolicismo.

O universalismo de Spinoza implicava em que os governos exercessem tolerância em relação às comunidades minoritárias e lhes concedessem emancipação política como cidadãos, sem exigir que abandonassem suas identidades religiosas e culturais específicas. Também sustentava que os membros dessas comunidades deveriam ser capazes de assimilar livremente, se desejassem, na cultura europeia mais ampla (como o próprio Spinosa fez após sua excomunhão). Enquanto isso, seu racionalismo empoderava as minorias a se tornarem críticas da cultura dominante agora aberta a elas.

A alt-right, especialmente Kevin MacDonald, tem aproveitado essa dinâmica como prova do “intelecto destrutivo judeu”. O judeu se esconderia atrás de uma máscara de cosmopolitismo ao mesmo tempo em que tentaria subverter e destruir a cultura ocidental cristã. Essa crença também vem direto do contra-iluminismo.

Pensadores do final do século XVIII, como Jacobi e Hamann, enxergavam algo de suspeitamente judaico no racionalismo europeu. Na verdade, durante décadas nesse período, ser chamado de Spinozista teve o mesmo peso que ser chamado de comunista durante o Pânico Vermelho dos anos 1950.

Entre a direita no entreguerras do século XX, encontramos Martin Heidegger ligando a modernidade ao judaísmo em seus Cadernos Negros. O jurista nazista Carl Schmitt concordava, argumentando que o intelecto judeu de Spinoza se aproveitara da magnanimidade das liberdades europeias para destruir os fundamentos cristãos da civilização ocidental. O próprio Hitler afirma no Mein Kampf que a crença de que podemos conhecer e controlar a natureza seria essencialmente uma ideia judaica.

É possível destilar os elementos de uma epistemologia de extrema direita a partir dessas idéias. Primeiramente, o universo seria fundamentalmente desconhecido e misterioso; em segundo lugar, não existiria uma natureza humana universal, e sim diferenças intransponíveis entre povos distintos; terceiro, a própria razão representaria um totalitarismo por borrar diferenças essenciais.

De Hamann a Heidegger, passando por Wagner, persiste a ideia de que o judeu racionalista seria o “assassino do bom senso”.

Em oposição à razão abstrata, ao invés dela a epistemologia de direita se alinha com uma abordagem subjetiva e fenomenológica – a sabedoria terrena do povo comum. Heidegger chama a homogeneidade matemática do espaço cartesiano de “esquecimento do ser” porque ela ignora nossas experiências vividas do mundo. Hitler, em uma aplicação política dessa mesma ideia, caracteriza a consciência judaica como obcecada com “a massa dos números e seu peso morto”.

Por essa razão, o judeu supostamente “nega o valor da personalidade no homem e contesta a importância da nacionalidade e da raça”.

Estranhos companheiros de cama

Feminismo, antirracismo, socialismo e anticolonialismo estão entre os frutos mais radicais do pensamento iluminista, mas esses ideais não foram capazes de assegurar a emancipação humana por conta própria. Em meados do século XX, uma esquerda impaciente e desmoralizada crescentemente passou a jogar fora o bebê do iluminismo junto da água burguesa do banho.

Pensadores culparam o universalismo, o determinismo e o que parecia ser uma visão de mundo perigosamente mecânica, insensibilizante, pelo massacre em massa de duas guerras mundiais, as atrocidades do Holocausto, o horror da bomba atômica e a miséria do capitalismo industrial.

Assim começou aquilo que Georg Lukàcs chamou de casamento entre “uma ética de esquerda com uma epistemologia de direita”, um projeto que tentava derivar políticas e noções progressistas como liberdade, igualdade e solidariedade a partir de uma visão mais tradicional da existência semelhante àquela do contra-iluminismo. Compreender as tendências da esquerda acadêmica na atualidade exige o reconhecimento dessa mudança crucial.

Muito desse pensamento contemporâneo restabelece uma visão encantada do mundo, inerentemente pluralista. Com base em figuras como Nietzsche e Heidegger, pensadores de esquerda aprenderam a suspeitar da racionalidade que um dia lhes pertenceu.

Essa rejeição do iluminismo nem sempre foi consistente ou total. Alguns pensadores (Adorno, Horkheimer) mantiveram uma tensão entre as idéias iluministas de emancipação, por um lado, e a crítica nietzschiana da razão, por outro. Outros (Lyotard, Derrida, Foucault) resolveram essa tensão de maneira mais direta, movendo-se sem reservas em direção a Nietzsche.

Fora do pensamento Continental, pragmáticos do século XIX, como William James – o exemplar de liberal progressista estadunidense – colocavam “a vontade de acreditar” na realidade objetiva. Isso, por sua vez, lhe dava licença para se entregar a modismos populares da época, como o espiritualismo e sessões espíritas.

Talvez o exemplo mais notável desse casamento entre a ética de esquerda e a epistemologia de direita apareça em certas correntes do pensamento pós-colonial. Conforme documentado por Vivek Chibber, essas correntes criticam a própria razão como não sendo verdadeiramente universal à toda a humanidade, mas, ao invés disso, como cúmplice de um projeto eurocêntrico de dominação.

O tolo e o louco

A extrema direita sempre conseguirá flanquear a esquerda pós-moderna porque, nas palavras de Mike Pence, os primeiros estão “voltando para casa”, enquanto os segundos estão tentando acampar em território inimigo. O livro de Jorjani é um epítome desse fato. Repetidamente, ele usa pensadores de esquerda e progressistas para construir seus próprios argumentos reacionários. Ele pode consegue fazer isso precisamente porque esses pensadores estão eles mesmos impregnados do pensamento Contra-Iluminista.

O caso de Jorjani merece nossa atenção exatamente por não ser único, mas típico. Seu trabalho é a consequência previsível, quase mecânica, de um duradouro afastamento intelectual em relação ao legado do iluminismo.

O que lhe falta em originalidade, porém, ele compensa com consistência. A máxima de John Locke sobre o “tolo e o louco” é útil nesse ponto: o tolo não consegue tirar conclusões nem mesmo a partir de premissas verdadeiras, enquanto o louco conscienciosamente tira suas conclusões a partir de premissas erradas.

Jorjani pode não ser nenhum tolo, mas não podemos garantir sua sanidade. Ele ridiculariza pensadores pós-modernos como Derrida e Foucault, não por suas premissas errôneas – isto é, não por suas críticas ao iluminismo -, mas por não permitirem que suas deduções os levem a conclusões perturbadoras. Jorjani não hesita nisso, celebrando suas conclusões que entram em conflito aberto com a democracia e o igualitarismo.

Jorjani freqüentemente recorre a Heidegger e William James. A sua confiança em Heidegger não é particularmente surpreendente, já que ele tinha compromissos explícitos com o nazismo e nunca conseguiu se distanciar completamente dele. Mas William James pode ser um choque, visto que seu pragmatismo é amplamente considerado o modelo paradigmático da filosofia liberal progressista americana.

De James, Jorjani tira uma ideia de empirismo radical, que rejeita qualquer padrão racional sobre o que conta como evidência além da própria experiência. James define experiência de maneira extremamente ampla, não apenas como os dados dos sentidos, mas também como os produtos complexos da cultura e espiritualidade. Estes últimos incluem especificamente fenômenos parapsicológicos como Percepção Extra-sensorial e Psicocinesia.

Contra a racionalidade iluminista, o empirismo radical de James valida essas habilidades sobrenaturais, bem como uma infinidade de experiências religiosas. Quando se tratava de religião revelada, no entanto, ele humildemente afirmava que os autores da Bíblia estavam lutando principalmente com suas próprias “experiências interiores”.

Fiel à forma, Jorjani insiste em ir mais longe. Ele usa o empirismo de James para identificar experiências de revelações e milagrosas como verdadeiras e históricas, ao invés de simbólicas ou alegóricas. Como resultado, suas leituras do Êxodo, Josué e Ezequiel tratam o Deus hebreu não como uma visão nebulosa de algum ser transcendental, mas como uma criatura finita. Javé não aparece na forma de um Deus infinito, mas simplesmente “desconhecido”, no sentido de um OVNI que paira diretamente dentro de nossa linha de visão. O hiper-literalismo de Jorjani transforma o Deus judaico em uma inteligência extraterrestre que se comunica telepaticamente com Abraão, Moisés, Josué e Ezequiel.

Jorjani acredita que a destruição de Sodoma e Gomorra foi um ataque aéreo e que o subsequente abandono da área por Lá indica precipitação nuclear. Ele acredita que “algum tipo de feixe antigravitacional partindo de um objeto cilíndrico pairando sobre o Mar [Vermelho]” teria destruído as carruagens egípcias durante o êxodo.

O Arco da Aliança “aparentemente atua como um sinalizador ou sistema de orientação”, bem como uma “arma sônica”, uma vez que ela “interage com as vibrações sonoras, possivelmente amplificando e concentrando as ondas sônicas antes de direcioná-las contra as muralhas de Jericó”. As descrições dos OVNIs em Ezequiel se alinham confortavelmente com o que há de pior na programação diária do History Channel.

De Heidegger, Jorjani tira a ideia de que a cultura histórica de uma pessoa é mais importante do que a realidade objetiva. Em oposição à crença iluminista de que o tempo e o espaço são uniformes e mensuráveis de alguma forma objetiva, Heidegger afirma que cada grupo de pessoas deseja e molda subjetivamente seu próprio mundo e destino. Nenhum universo comum pertence a todos; existe apenas um pluriverso de visões de mundo e forças conflitantes. Como Jorjani parafraseia Heidegger, cada comunidade histórica luta “para se tornar mais essencialmente aquilo que é, ou perecer na escravidão sob outro povo e seu mundo”.

Jorjani aceita essa “guerra de mundos” heideggeriana e também abraça a crença do filósofo de que o nazismo possuía uma grandeza interior. Mesmo nesse ponto, Jorjani encontra uma maneira de pressionar Heidegger ainda mais fundo, argumentando que o nazismo representaria o confronto do homem moderno com a essência “espectral” da tecnologia.

Na narrativa de Jorjani, a tecnologia não é simplesmente mecânica ou instrumental, mas um elemento sobrenatural, formador de mundos. Ele reformula a essência do nazismo como uma revolução espectral esotérica que teria começado com a sociedade oculta Thule (Atlântida) e que terminara com o instituto Ahnenerbe (pesquisa ancestral) de Himmler, organizações obcecadas por cidades perdidas, percepções extra-sensoriais e clarividência, que consideravam Hitler um verdadeiro super-homem real, portador de poderes ocultistas.

A partir dessas premissas, Jorjani conclui que uma sociedade liberal baseada na privacidade e na igualdade é impossível. O empirismo radical de James lhe permite postular a existência de uma “elite psíquica” que exigiria o tipo de Estado orgânico-corporativo que Hitler defendia, e Jorjani cita isso de maneira positiva em seu discurso de Estocolmo.

Ele sintetiza essa compreensão com o pluralismo de mundos de Heidegger para implicar que tal Estado deve não apenas ser internamente homogêneo, mas que externamente deve buscar conquistar o mundo. Isso ecoa a declaração de Hitler no final de Mein Kampf de que a pureza da raça ariana implica no seu potencial para dominar o mundo.

Jorjani consistentemente subordina a teoria à prática, a ciência ao saber popular e a evidência à vontade. Como tal, suas bizarras visões sobre experiências extra-sensoriais e alienígenas na verdade se alinham e dão suporte ao seu racismo. Jorjani pode acreditar em experiências extra-sensoriais sem evidências porque acredita que a presença de mentes céticas suprime sua manifestação. Da mesma forma, embora Tom Davies tenha apontado corretamente todas as maneiras pelas quais Jorjani errou em sua pesquisa indo-europeia, o que mina totalmente suas visões sobre a supremacia ariana, Jorjani não vai se importar com isso – afinal, não é o ceticismo ou a evidência objetiva, mas a mera “vontade de acreditar” que pode conquistar o mundo.

A outra tradição continental

Parece que quase ninguém entendeu o ponto principal dessa história. Para a alt-right, o escândalo real sobre sua visão de mundo é freqüentemente obscurecido por um escândalo falso que eles criaram: sua perseguição imaginada pelas elites liberais progressistas ou marxistas.

Nisso, novamente, o caso de Jason Jorjani é totalmente típico. O relato no Inside Higher Ed, que primeiro deixou inquietas as faculdades de filosofia, discutia se seria ou não justo revogar o doutorado de Jorjani à luz de suas recentes atividades políticas. É claro, apenas o próprio Jorjani chegou a sugerir que tal ação estaria em andamento.

Da mesma forma, o Leiter Reports erra o alvo ao desajeitadamente criticar departamentos voltados à Filosofia Continental, como Stony Brook, como se as únicas filosofias continentais fossem heideggerianas ou irracionalistas. Outros comentaristas erroneamente atribuíram a culpa a um cânone filosófico injustamente restrito a autores ocidentais.

Na verdade, Jorjani deixa de lado a maior parte do cânone ocidental tradicional e recorre pesadamente, embora de maneira excêntrica, ao pensamento oriental – do zen-budismo ao taoísmo japoneses aos animes contemporâneos. A ideia de “Europa” para Jorjani é, de fato, descentrada: ele traça suas raízes culturais até o império persa, que ele enfaticamente insiste que teria sido uma civilização branca antes da miscigenação forçada por invasores árabes muçulmanos e mongóis. Para Jorjani, o destino da Pérsia “ariana” constitui aquilo que ele, juntamente da maior parte da extrema direita, se refere como um “genocídio branco”.

Seu livro, Prometeu e Atlas, enfaticamente rebate a alegação de que a intolerância pode ser remediada por um maior ecletismo, pluralismo e interdisciplinaridade – todos os quais se tornaram chavões acadêmicos. Seu trabalho é extremamente interdisciplinar, incorporando historiografia, hermenêutica bíblica, tecnociência, parapsicologia, estudos culturais, mitologia e desconstrução. Tudo isso sugere que o pluralismo metodológico e de visão de mundo não produz necessariamente um pensamento progressista.

Podemos evitar a maluquice de Jorjani, mas devemos começar com as premissas certas. A utilidade de Jorjani reside em como, ao atacar seus inimigos filosóficos, ele identifica a linhagem da Filosofia Continental mais adequada para estabelecer uma política humana e antirracista.

De Descartes, Spinoza e dos materialistas franceses até as revoluções francesa e haitiana, até Hegel e Marx, temos uma linha de pensamento que parte de um mundo inteligível para chegar na plena emancipação da humanidade. Devemos retomar este cânone, se quisermos resistir efetivamente à ascensão de uma direita irracional.

Sobre os autores

é editor correspondente na revista Historical Materialism e professor de filosofiana Universidade St. John's e na Manhattan College.

é professor assistente de filosofia na St. Joseph’s College, em Nova Iorque.

Cierre

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Published in Análise, Cultura, Livros, Política, Psicanálise and Sociologia

2 Comments

  1. […] 6 – No que diz respeito ao campo epistemológico e à crítica propriamente dita, suas contradições internas na atualidade, veja o debate sobre os modos de “apropriação” de uma parcela da esquerda de formas de “crítica conservadora”, que relega a totalidade e se furta, por isso, de propor qualquer tipo de ruptura com o status quo: FLUSS, Harrison; FRIM, Landon. Aliens, antissemitismo e a academia [14.09.2020] Trad. Everton Lourenço. In: https://jacobin.com.br/2020/09/aliens-antissemitismo-e-a-academia/ […]

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