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Esse drama, assim como o aumento aparentemente interminável dos preços das ações desde 2009, interrompido brevemente pelo temor da COVID-19 em março passado, é um sinal de um sistema financeiro totalmente fora de sintonia com a realidade econômica. (Foto: Flickr)

A bolha da GameStop é uma lição sobre o absurdo e a inutilidade da bolsa de valores

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Tradução
Everton Lourenço

O pessoal que participou da pegadinha online por trás da grande bolha da GameStop de 2021 provavelmente vai perder muito dinheiro. Mas eles prestaram um serviço ao mundo ao nos lembrar da absoluta inutilidade da bolsa de valores, uma instituição que não serve a nenhum propósito além de enriquecer um pequeno número de pessoas indignas.

Quem diria que a própria GameStop acabaria no centro de um jogo, ainda mais um jogo como esse?

No verão passado, a varejista de videogames era vista como uma empresa completamente ultrapassada e em lento declínio rumo ao desaparecimento. Estava perdendo dinheiro, as vendas vinham encolhendo há anos e as ações eram negociadas por cerca de US $4. Enquanto escrevo, na tarde de quarta-feira, 27 de janeiro de 2021, suas ações estão sendo negociadas a $339 cada. No fechamento do pregão de terça-feira, estavam em meros $148. Nada mal um retorno de 129% da noite para o dia, hein? Três dias antes, estavam em $38. Foi uma subida de quase 10 vezes em menos de uma semana. Por quê?

Para responder a essa pergunta, é preciso explicar o conceito de “short selling”, ou venda a descoberto, que a maioria dos mortais considera algo quase incompreensível. Uma venda a descoberto é uma aposta de que uma ação (ou qualquer outro ativo especulativo, como títulos de dívida ou ouro) vai ter uma queda de preço. Mas para fazer essa aposta, você precisa vender algo que você ainda não possui, o que não é um comportamento normal. Para fazer isso, você precisa “pedir emprestadas” as ações de alguém que de fato as possui. Como acontece com qualquer empréstimo, você deve pagar juros sobre o ativo emprestado. E você também precisa manter um certo colateral na forma de depósitos com sua corretora como uma garantia de que você está bem de dinheiro para as operações. A esperança é que o preço caia e você possa comprar as ações – cobrir a posição vendida, no jargão – por um preço menor. Seu lucro seria a diferença entre o preço de venda original e o preço de compra no fechamento, menos quaisquer juros pagos sobre o ativo emprestado.

Mas e se você estiver errado e o preço subir? Então você está em apuros. Você assumiu a obrigação de cumprir as ações no fechamento – e se são opções de venda a descoberto, vai ter de comprar as ações necessárias para vendê-las no preço das opções de venda. Quando você compra uma ação, seu risco é perder todo o preço de compra – mas nada mais que isso. Com a venda a descoberto, se você estiver errado, não há limite predeterminado de quanto você pode perder se o preço continuar subindo. E se o preço seguir subindo, sua corretora vai exigir mais garantias na forma de dinheiro real. Você tem uma escolha entre desistir – cobrir o vendido e assumir o prejuízo – ou continuar despejando mais garantias em uma posição em perda, na esperança de que no fim as coisas mudem de figura e passem a te favorecer.

De volta à GameStop. Em agosto passado, o investidor Ryan Cohen, que fundou a loja online de rações para animais de estimação Chewy e a vendeu com um lucro de se admirar, começou a comprar ações da GameStop. Ele disse à empresa que ela precisava entrar na era digital, fechar muitas lojas físicas e focar na operação online. Os investidores, esperando um futuro melhor para a varejista em crise, abocanharam ações, fazendo triplicar o preço delas no final de novembro. Talvez tenha sido um caso de otimismo injustificado, mas nada muito esquisito. No entanto, alguns fundos hedge (ou “fundos de cobertura”), notadamente a Melvin Capital Management, começaram a apostar em vendas a descoberto contra a GameStop, acreditando que as narrativas de recuperação não passavam de ilusão.

Foi a deixa para que membros do fórum Wall Street Bets no Reddit começassem a falar sobre as ações e a comprá-las, com um usuário conhecido como DeepFuckingValue sendo um dos cabeças nesse movimento. Eles foram motivados não apenas pela perspectiva de ganhar dinheiro, mas também pela zueira (ou “lulz”) de levar à falência alguns gestores de fundos bilionários. Eles começaram a comprar as ações em tamanho, como dizem em Wall Street. O aumento de preço que se seguiu forçou que quem estivesse vendido nelas, como a Melvin, tivesse de cobrir as compras. As demandas deles pelas ações, mais as do pessoal do Reddit, lançaram o preço das ações em uma viagem para a lua.

A GameStop se tornou uma das grandes bolhas do nosso tempo. Na terça-feira, 26 de janeiro, mais ações da GameStop foram negociadas do que da Apple, a maior ação de todas, com um valor de mercado total de 108 vezes o da varejista. Como disse James Mackintosh do Wall Street Journal, o movimento do preço e o volume de negócios juntos sugerem “ampla perturbação no julgamento das pessoas”.

Bolhas como essa sempre terminam em um estouro, e os Redditors que não tiverem vendido suas ações terminarão com uma carteira vazia (Surpreendentemente, a notícia de que a Melvin fechou sua posição vendida na noite de terça-feira parece não ter prejudicado a festa. A bolha geralmente dura muito mais do que meros racionalistas podem prever). Enquanto isso, é engraçado ver alguns membros de carteirinha de Wall Street reclamarem que haveria algo de injusto nessa ação, já que esses são os tipos de jogos que eles jogam entre si e com o público em geral o tempo todo. Eles falam sobre ações das empresas, estimulando seu preço para cima ou para baixo, dependendo de seus interesses, e conspiram contra quem consideram jogadores fracos ou vulneráveis, o tempo todo. Acontece que os especuladores com nomes como DeepFuckingValue que agora os estão atacando são o tipo errado de pessoa. Eles não vivem em mansões com garagens para vinte carros nos bairros mais badalados da cidade.

Ainda mais divertidos são os tipos sérios e sinceros, que acreditam que jogos como esse de alguma forma pervertem a função dos mercados de ações. Como o colunista do Business Insider Josh Barro declarou no Twitter:

sei que as pessoas acham isso tudo divertido, mas – por que nós temos um mercado de ações? Para que as empresas produtivas possam arrecadar capital para fazer coisas úteis. Desvincular o preço das ações do seu valor fundamental (a Gamestop hoje deve valer quase tanto quanto a Best Buy) faz com que os mercados sejam piores no atendimento à economia real.

O que é engraçado sobre esses comentários, além do seu tom de seriedade no meio da comédia de baixo calão, é que o mercado de ações nas bolsas de valores não tem quase nada a ver com arrecadar dinheiro para investimento produtivo. Quase todas as ações sendo negociadas no mercado, incluindo as da GameStock, foram emitidas anos atrás, o que significa que as empresas não veem um centavo dessas operações diárias. As empresas emitem ações de vez em quando, nas chamadas ofertas públicas iniciais (ou “IPOs”, na sigla em inglês de initial public offerings), mas nos últimos vinte anos, de acordo com os dados do professor de finanças Jay Ritter, as IPOs levantaram um total acumulado de $657 bilhões, bem menos de 2% do total de investimento empresarial em coisas como edifícios e equipamentos durante o mesmo período. No mundo real, ao contrário da imaginação de Barro, as empresas levantam quase todos os seus fundos de investimento internamente, por meio de seus lucros. Em vez de arrecadar dinheiro dos acionistas, as empresas na verdade despejam vastos baldes de dinheiro sobre eles. Desde 2000, as 500 grandes empresas que compõem o índice de ações Standard & Poor’s 500 gastaram US $8,3 trilhões comprando suas próprias ações para aumentar o preço delas – mais da metade de seus lucros durante o período e o equivalente a quase 20% de todo investimento empresarial durante as duas décadas. A recompra de ações não apenas deixa os acionistas felizes, mas também engorda os contracheques dos CEOs, uma vez que os presidentes das empresas hoje em dia são pagos principalmente em ações.

Deixando de lado a parte da pegadinha, esse drama, assim como o aumento aparentemente interminável dos preços das ações desde 2009, interrompido brevemente pelo terror da COVID-19 em março passado, é um sinal de um sistema financeiro totalmente fora de sintonia com a realidade econômica. Trilhões em ajuda governamental para as empresas e em injeções de dinheiro pelo Banco Central dos EUA nos mercados financeiros criaram um jorro monstruoso de dinheiro sem nenhum lugar para ir além de ativos especulativos, em um momento em que as UTIs estão trabalhando com lotação máxima e 24 milhões de pessoas dizem aos entrevistadores do Census Bureau que estão tendo dificuldades para conseguir o suficiente para comer. Seria melhor que Barro se preocupasse com isso.

Sobre os autores

Editor da Left Business Observer e apresentador do Behind the News. Seu último livro é My Turn.

Cierre

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Published in América do Norte, Análise, Capital, Economia and Política

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