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Theodorakis em 1971 / Wikemedia Commens

A força da música revolucionária

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O compositor socialista grego Mikis Theodorakis nos deixou semana passada. Suas músicas, que uniram trabalhadores e imigrantes, é ouvida até hoje apesar de ter sido duramente perseguida durante a ditadura e sua militância prova que o anticomunismo nada mais é que a antessala do fascismo.

Mikis Theodorakis, famoso compositor grego, guerrilheiro antifascista da Segunda Guerra Mundial, militante comunista durante a guerra civil grega, em que foi duramente torturado e preso (num campo de concentração) e autor da música que embala a famosa dança Sirtaki (composta em 1964), faleceu no dia 02 de setembro de 2021, aos 96 anos. 

Ele ficou mundialmente conhecido pela trilha sonora dos filmes hollywoodianos Zorba, O Grego e Serpico. Em 1980–1982 foi-lhe atribuído o Prêmio Lênin da Paz e, em 1970, recebeu o BAFTA de melhor trilha sonora no filme Z – A Orgia do Poder, que retrata o assassinato do político do socialista Grigóris Lambrákis.

“Tanto para mim como para milhares de outros, o nosso comprometimento e as nossas lutas sob a Bandeira Vermelha representam a época mais sagrada das nossas vidas, que tinha um único objetivo: tornar o nosso povo livre, independente e feliz”, dizia ele. É um prazer ver que a humanidade produziu figuras tão extraordinárias e de integridade como Theodorakis: um compositor e líder político-teórico capaz de colocar todos os seus ideais em prática, mesmo apesar dos pesares. 

A tenacidade, a vitalidade – apesar das enfermidades e prisões – as fugas milagrosas e a lealdade permanente a uma causa: todas parecem lendárias e sobrenaturais ao conhecermos a história de Mikis Theodorakis, isto é, até a percepção de que todo aquele sofrimento se passou com pessoas reais, de carne e osso. Além disso, as virtudes “santas” são legadas a indivíduos raros, não por algum agente divino onipotente, mas pela própria humanidade, através da cultura.

Este é o ponto principal e a maior crença de Theodorakis: o extraordinário, seja na arte, no heroísmo ou na bondade, começa entre o povo e seu tempo histórico, se expressando com mais intensidade pelo talento individual para depois retornar para onde começou, para o meio do povo outra vez. 

Música e militância

Theodorakis juntou-se ao partido em 1943 para lutar contra os alemães, entrando no marxismo pela porta do nacionalismo e do patriotismo. Após a ocupação da Grécia pelas forças alemãs e italianas, ele se juntou ao ELAS, o Exército de Libertação do povo grego, ala militar do EAM, uma organização de resistência antifascista ligada ao KKE. Suas composições tornaram-se amplamente conhecidas entre os imigrantes gregos de esquerda, os trabalhadores e os estudantes residentes na Alemanha Ocidental entre os anos 60 e início dos anos 70. Para os gregos residentes na Alemanha Ocidental, após 1967, o canto coletivo das músicas compostas por Theodorakis serviu inicialmente como meio de “vencer o medo” e de forjar militantes empenhados na luta pela transformação social e política da Grécia.

A partir do final da década de 1960, estes migrantes adotaram cada vez mais esta comunidade emocional com militantes locais também da Alemanha Ocidental. Theodorakis recorreu ao trabalho de poetas gregos de renome enquanto empregava extensivamente o som do bouzouki. Várias fontes indicam o papel preponderante que as composições de Theodoraki desempenharam nos eventos organizados pelas forças de esquerda na Alemanha Ocidental. 

A música de Theodorakis foi banida do Estado grego mesmo antes do golpe de Estado perpetrado em 21 de abril de 1967. Cabe adicionar que o golpe não se concretizou do dia para a  noite: ele iniciou-se de forma extraoficial durante vários meses entre 1960 e 1962, retornou durante 1966, mas somente em fevereiro de 1967 é que o governo provisório, preparando-se para as eleições de maio, decidiu oficializar a sua proibição e tentou torná-la pública para justificar a sua decisão. 

As canções de Theodorakis eram consideradas “armas políticas” que deveriam ser proibidas porque “o prazer pode ser transformado em orientação e a arte pode tornar-se militarizada sob várias bandeiras políticas ou ideológicas”, disse Dimitrios Nianias, ex-ministro da Cultura. A explicação traz uma notável semelhança com a do Chefe de Estado-Maior do Exército, Odysseus Anghelis, em seu decreto de 1 de Junho de 1967 que tornou crime punível pelo tribunal militar quem representasse ou ouvisse a música de Theodorakis. Ele disse que a música de Theodorakis deveria ser proibida por “reviver paixões políticas e causar discórdia entre os cidadãos”. 

“Se o comunismo é humanismo”, disse ele à imprensa numa conferência em Londres “então eu sou comunista”. As canções de Theodorakis têm um conteúdo político definido e foram muito utilizadas pelo Partido da Esquerda Democrática Unida (EDA) na sua luta contra o governo conservador de Konstantínos Georgios Karamanlís. 

O grande músico grego e Neruda, além de artistas de envergadura ímpar, tinham também em comum, o espírito revolucionário. Eram grandes amigos e isto o levou a musicar o livro Canto General de Neruda. Este álbum é considerado como uma das obras mais importantes de Theodorakis.

Mikis também era amigo de Olof Palme, o primeiro-ministro assassinado na Suécia. Olof foi grande referência na luta pela paz, pela libertação dos povos e pela oposição ao apartheid. Essa conexão de Theodorakis com a causa da libertação nacional, guiou-o à oposição ao sionismo e, a convite de Yasser Arafat, findou compondo o hino palestino. Foi um músico muito admirado na Síria, no Líbano e na Palestina. O internacionalismo proletário o levou sua música até os confins do mundo,  ressoando no coração dos revolucionários do Oriente ao Ocidente.

Luta contra o anticomunismo

Theodorakis criticou arduamente caluniadores anticomunistas com uma poderosa carta publicada no Ta Nea, principal jornal de Atenas. Ele a inicia culpando o jornal pela postura: “Estou apavorado com a histeria anticomunista que domina os jornais. Como um jovem comunista, tive a honra de lutar pela conquista da liberdade e, mais tarde, o fiz por meio da Frente Patriótica pela Restauração da Democracia”. Em outra referência sobre a história política da Grécia, Theodorakis escreveu:  “A única coisa que conta para vocês é a nossa derrota na Guerra Civil e sua inconveniência, já que a ideologia da esquerda continua existindo, atuante e afetando mesmo depois de tantas perseguições”.

Então, o compositor vai direto ao ponto: 

“E de Stalin vocês se lembram apenas de seus crimes… A única coisa que não ouvi sobre ele é que ele comia carne humana frita no café da manhã. Stalin, o marechal do Exército Vermelho com vitórias em Stalingrado, Moscou, Leningrado e Berlim, deste Stalin vocês não tem nada a dizer? Se o Exército Vermelho e Stalin não estivessem lá, o que teríamos hoje? Vocês pensaram sobre isso? Quem impediria Hitler de encher o mundo com milhares de ‘Aushwitzes’? Vocês imaginam a Grécia cheia de campos de extermínio? Lá em cima, na Europa e especialmente nos estados racistas, eu sei porque eles ferem e atacam Stalin e o comunismo. Porque ele derrotou seu amado Fuhrer: Adolf Hitler!”.

Ele continua relembrando a matança de comunistas como moscas com gangues como as de Sourlas e Vrettakos; com tribunais militares e execuções de 16.000 – a maioria jovens comunistas – nas ilhas de prisão como Makronissos, onde cerca de 100.000 comunistas gregos foram martirizados; com os matadouros da polícia de segurança onde milhares de comunistas foram torturados pelos métodos mais medonhos.

Mikis Theodorakis, antecipando o fim de sua vida, contatou por telefone o Secretário Geral do Comitê Central do Partido Comunista da Grécia (KKE), Dimitris Koutsoumbas, contando-lhe sobre os seus últimos desejos. Em sua carta pessoal, escrita 5 de outubro de 2020, ele mencionou:

“Agora, no fim da minha vida, na hora do acerto de contas, os detalhes desaparecem da minha mente e continuam a ser o quadro geral. Então, vejo que os meus melhores anos, fortes e maduros foram passados ​​sob a bandeira do KKE. É por isso que quero deixar este mundo como comunista”. 

O grande compositor e lutador incansável pela revolução proletária, do poder popular e da paz se foi, mas nos deixou a força revolucionária da música popular como legado cultural e uma vida de militância histórica que dificilmente será esquecida. Como dizia o revolucionário francês Maximilien de Robespierre: “A morte não é o sono eterno. Mandai antes gravar: a morte é o início da imortalidade!”

Sobre os autores

é tradutora, redatora e repórter na Jacobin Brasil. Também é jornalista no Opera Mundi, membro do Fórum Latino Palestino.

Cierre

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Published in Arte, Cultura, Europa, Música and Perfil

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