A ironia é profunda e amarga. A derrota dos advogados de Julian Assange no Tribunal de Recurso provou, sem sombra de dúvida, que o argumento da defesa está correto.
Como assim? Sempre foi uma controvérsia central da defesa de Julian Assange que o governo dos Estados Unidos está abrindo um processo político que deveria ser rejeitado porque a Lei de Extradição especificamente exclui casos políticos.
O advogado da promotoria dos Estados Unidos, Jimmy Lewis, e seu fiel assistente Clair Dobbin, enfatizam esse ponto continuamente. Todo o seu caso original no Tribunal de Westminster alega que Assange não é realmente um jornalista e estava apenas envolvido num roubo comum de informações.
E ainda, por tudo isso, aqui estavam eles no tribunal de apelação, contando com o mais político de todas as coisas políticas: uma garantia diplomática de um governo.
Pois, no final, todo o recurso se baseou em garantias diplomáticas do governo dos Estados Unidos de que não submeteriam Julian Assange as condições de risco de vida em uma prisão de segurança máxima no país, a mesma razão pela qual o Tribunal de primeira instância havia decidido contra a extradição no início deste ano. Para manter essa recusa em extraditar, os juízes do tribunal de apelação teriam de dizer que não confiavam nas garantias do governo dos Estados Unidos.
É claro que não é como se os juízes não pudessem chegar a tal ponto de vista com base nas evidências diante deles. Na verdade, todas as evidências apontavam nessa direção. A CIA foi exposta, durante a apelação, por conspirar para sequestrar ou matar Assange; a principal testemunha dos EUA foi exposta como mentirosa; o caso em andamento na Espanha revelou que a CIA espionou Julian Assange, sua família e advogados; e as autoridades dos Estados Unidos estão impedindo essa investigação.
Dificilmente podemos confiar que um Estado que toma essas ações saberá o que é melhor para Assange. E depois há o fato de que o próprio documento que oferece as garantias também diz que elas podem ser retiradas a qualquer momento.
Portanto, em suma, existem muitas razões que podem ter levado os juízes a concluir que Jimmy Lewis estava oferecendo ao tribunal garantias que não eram confiáveis.
Os juízes tiveram uma visão diferente. Eles levaram as garantias muito a sério. Nos tons mais graves e sonoros, o juiz do tribunal de apelação enfatizou a importância de aceitar as garantias diplomáticas do governo dos Estados Unidos de boa-fé. Não eram nada levianos, entoou ele, e precisava ser aceito. A decisão escrita diz:
“Não há nenhum motivo para que essa corte não aceite as garantias como um significado do que elas dizem. Não há nenhuma base para assumir que os EUA não deram as garantias com boa-fé.”
E essa decisão dos juízes é uma decisão política de primeira ordem.
É uma decisão política no sentido mais estrito possível: refere-se a uma declaração diplomática de um governo sobre suas próprias ações futuras. Mas, ainda mais importante, é político no sentido mais amplo de que se os juízes tivessem decidido de forma diferente, eles estariam, na verdade, dizendo que “não acreditamos no governo dos EUA em uma questão altamente sensível de segurança nacional”.
Isso teria sido uma bomba política explodindo logo abaixo da suposta “relação especial” entre o Reino Unido e os Estados Unidos. Os juízes se referiram explicitamente a isso quando citaram o argumento de que o
“Reino Unido celebrou cinco tratados de extradição ao longo de um período de mais de 150 anos. Ao longo dessa história contínua e ininterrupta de relações de extradição, não há nenhuma instância de qualquer garantia dada pelos Estados Unidos, uma vez que o Estado requerente em um caso de extradição, foi desonrado”.
Essa é uma posição política que o establishment do Reino Unido nunca vai reverter, a menos que sejam forçados a isso. Os juízes da Suprema Corte estão conectados a esse establishment. Um dos dois juízes que proferiram este veredicto é um velho amigo de colégio (internato privado) do parlamentar conservador Alan Duncan, que, como ministro, supervisionou a operação para remover Julian Assange de seu asilo na Embaixada do Equador.
No artigo do Declassified que revelou essa ligação, Duncan e Burnett negaram qualquer conluio envolvendo o caso de Assange. Mas a verdade é que eles não precisam explicitar conluio quando juízes e políticos frequentaram as mesmas escolas particulares e as mesmas faculdades de Oxbridge. Eles também foram membros dos mesmos clubes Mayfair e compareceram às festas de aniversário uns dos outros (assim como Burnett compareceu à festa de aniversário de Alan Duncan no clube de elite Beefsteak). O pensamento da classe dominante está tão firmemente estabelecido que conclusões idênticas são alcançadas sem a necessidade de conspiração ou conluio.
Portanto, sem dúvida, os Estados Unidos contaram com essa relação política vital para obter sua vitória no tribunal de apelação.
Mas essa decisão agora pode ser apelada pelos advogados de Julian Assange na Suprema Corte. Além disso, as questões originais nas quais Assange perdeu no Tribunal de Westminster, que incluem a natureza política da extradição e a defesa do interesse público das revelações de Assange, também podem ser apeladas.
Portanto, essa luta está longe de terminar. E à medida que continua a perseguição essencialmente política de um jornalista sob a Lei de Espionagem dos Estados Unidos de 1917 — nunca antes usada contra a imprensa, nunca usada contra um jornalista estrangeiro que opera fora do país, publicando histórias nos meios de comunicação mais conceituados do mundo — irá novamente se tornar a questão central.
E nem todos os argumentos do governo norte-americano foram aceitos nesse julgamento. A apelação dos Estados Unidos foi rejeitada até por esses juízes, quando tentaram provar que as evidências médicas sobre a frágil saúde de Assange eram falsas. Eles venceram simples e exclusivamente porque os juízes não puderam argumentar que o Estado norte-americano não estivesse agindo de boa-fé.
A montanha de evidências provando o contrário cresce a cada mês que esse caso passa nos tribunais. A aposta deve estar em novas provas de duplicidade antes que o caso seja levado ao tribunal.
A tarefa de todos os que querem defender uma imprensa livre é garantir que o tribunal da opinião pública, já apoiando de forma decisiva Julian Assange, continue a exercer pressão sobre o sistema jurídico que mesmo os preconceitos políticos dos principais juízes não possam mais resistir a óbvia conclusão: trata-se de um processo político instaurado por um Estado que deseja e consegue propor as inverdades mais grotescas para silenciar seus críticos.
Sobre os autores
é cofundador da Stop the War Coalition e pesquisador visitante na Goldsmiths, University of London.