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No final de sua vida, o filósofo John Rawls tornou-se um crítico persistente do capitalismo. (Frederic Reglain / Gamma-Rapho via Getty Images)

Se você gosta da democracia, você deve se opor ao capitalismo

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Tradução
Gercyane Oliveira

A democracia nos fornece direitos essenciais como a liberdade de expressão e as liberdades civis. Mas sem desafiar a dominação do capital, os direitos democráticos estarão sempre cerceados pelo poder dos mais ricos.

John Rawls foi indiscutivelmente o maior filósofo social-democrata do século XX. Mas, no final de sua vida – morreu em 2002, aos 81 anos de idade – ele havia se tornado um crítico persistente do capitalismo.

Em seu livro de 2001, Justiça como equidade: Uma Reformulação, Rawls argumentou que o capitalismo competitivo, e até mesmo um extenso Estado de bem-estar social de estilo nórdico, não atendia às exigências de uma sociedade justa. O “capitalismo de Estado de bem-estar social”, escreveu ele, “permite que uma classe pequena tenha praticamente o monopólio dos meios de produção”, o que mina dois dos princípios centrais da justiça: que as liberdades políticas sejam mantidas igualmente por todos e que a ordem social funcione com a maior vantagem dos menos privilegiados.

A alternativa preferencial de Rawls era uma ordem social – ou uma “democracia detentora de propriedade” ou um “regime socialista liberal” – que “estabeleceria uma estrutura constitucional para a política democrática, garantiria as liberdades democráticas básicas com o valor justo das liberdades e a igualdade justa de oportunidades, e regulariza as desigualdades econômicas e sociais através de um princípio de mutualidade”. As empresas seriam administradas democraticamente, mas ainda “continuariam suas atividades dentro de um sistema de mercados livres e competitivos”, com “livre escolha de trabalho” também garantida. Infelizmente, ele faleceu sem dar muito mais detalhes.

Em seu grande livro John Rawls: Reticent Socialist (2017), o filósofo William Edmundson levou a sério as posições de Rawls e trabalhou seu igualitarismo radical de forma muito mais profunda. Agora Edmundson lançou um novo livro, Socialism for Soloists, que se baseia em seu trabalho anterior para argumentar que “a justiça requer socialismo”, e de um tipo social-democracia. Mais inovador, Edmundson questiona a noção popular de que os socialistas devem ter o mais puro dos corações, insistindo que mesmo os individualistas mais ferrenhos podem ser socialistas.

Muito do argumento de Edmundson é tecnocrata e acadêmico. Mas, mesmo assim, ele nos arma com argumentos intelectuais extremamente úteis na batalha das ideias.

Socialismo e igualdade

O objetivo de Edmundson é demonstrar como um indivíduo comprometido com os princípios democráticos pode levar a um maior compromisso com o socialismo democrático. Este tipo de pensamento decepcionará alguns militantes de esquerda por sua falta de economia política, e deixa Edmundson aberto à objeção de que sua teoria moral abstrata é ahistórica e insuficientemente materialista.

Mas, a meu ver, um socialismo que não se baseia em uma concepção moralmente defensável de justiça é um socialismo que se revelará pouco atraente a longo prazo. Sem uma visão concreta e persuasiva dos princípios de justiça que sustentam o socialismo – e sem um balanço prático de como eles se autofinanciam – a crítica anticapitalista se torna um exercício de destruição do status quo sem oferecer nenhuma alternativa significativa. Edmundson nos fornece uma base filosófica plausível para o socialismo democrático que não nos pede que de repente nos tornemos anjos – e por isso ele merece muitos elogios.

Os princípios básicos que Edmundson desenvolve são claramente modelados nos famosos princípios de justiça de Rawls, perguntando que tipo de sociedade “solidária” – individualistas conscientes e racionais que “reconhecem a necessidade urgente de leis sociais e um poder comum para fazê-las cumprir” – escolheria criar através de um contrato social. Edmundson argumenta que uma sociedade justa respeitaria um “princípio de igualdade política: os cidadãos que são igualmente capazes e igualmente motivados deveriam ter uma chance igual de influenciar decisões políticas, independentemente da renda e da classe social” e um “princípio de reciprocidade: a desigualdade econômica é permitida desde que possa ser vista para beneficiar todas as classes sociais representativas”.

Dos dois princípios, ele dá o segundo, consideravelmente mais curto, o que é decepcionante, dada sua importância. Edmundson argumenta que os indivíduos “contraídos” na sociedade estariam dispostos a tolerar algumas formas de desigualdade econômica se elas tornassem todos melhores.

Esta é, em parte, a resposta de Edmundson à acusação desgastada de que os socialistas são motivados não tanto pela preocupação com os pobres, mas pela inveja dos ricos. E ele está certo de que qualquer argumento que diga que os pobres podem ser mais pobres desde que a distância entre ricos e pobres seja mais estreita, não atrai ninguém. Como Edmundson ressalta, Karl Marx e Friedrich Engels não eram, eles mesmos, igualitários rigorosos. Na Crítica do Programa Gotha, Marx criticou os igualitários rigorosos, argumentando que as necessidades desiguais de indivíduos iguais exigiriam que eles recebessem ações diferentes para garantir o crescimento de todos.

No entanto, Edmundson dá pouca noção do quanto a desigualdade econômica é demasiada, argumentando que a “pesquisa empírica” pode nos apontar para o ponto ideal no futuro. Temos a sorte de estudiosos como Thomas Piketty e David Harvey estarem nos ajudando a preencher esta lacuna no conhecimento. Mas é difícil deixar de lado a sensação de que Edmundson poderia ter dado uma orientação mais imediata sobre este ponto importante.

Socialismo e igualdade de liberdades políticas

Edmundson dedica mais atenção à defesa das implicações socialistas do primeiro princípio, que é onde a verdadeira inovação em sua argumentação entra em cena.

Ele ressalta que a maioria dos pensadores democratas contemporâneos expressam um compromisso nominal com liberdades políticas iguais para todos. No entanto, praticamente nenhum deles levou a sério como a propriedade privada dos meios de produção – que Edmundson define como “aqueles recursos e instrumentalidades [que]… são meios de atividade produtiva amplamente indispensáveis (ou seus produtos são); e são impossíveis de serem propriedade de vários” – fundamentalmente, subtrai este compromisso com liberdades políticas iguais para todos.

Em uma sociedade capitalista, aqueles indivíduos – incluindo pessoas totalmente artificiais como corporações – que possuem os meios de produção têm muito mais poder e influência do que aqueles que não os possuem. Eles obtêm muito mais valor de suas liberdades políticas e podem até mesmo usar essas liberdades para excluir outros da participação, assegurando até mesmo leis e regulamentos destinados a beneficiar a todos igualmente – na verdade em grande vantagem beneficiando eles mesmos.

O argumento de Edmundson não é apenas um argumento de princípio. Ele reúne evidências históricas e contemporâneas para mostrar que o valor igual das liberdades políticas para todos e a propriedade privada dos meios de produção nunca pode ser harmonizada. Suas evidências variam desde a imensa influência do capital industrial na política das nações anglófonas desde o início do século XIX até o poder que a grande tecnologia moderna exerce sobre a liberdade de expressão de bilhões de pessoas em todo o mundo. Consequentemente, diz ele, temos uma escolha: ou manter nossas convicções progressistas ou aceitar o domínio do capital.

Edmundson argumenta que nenhum indivíduo racional poderia optar por esta última, pois ela gera tremenda instabilidade e garante que, longe de ser um sistema eficiente de cooperação em benefício de todos, as regras políticas elevam os ricos e poderosos a picos ainda mais altos de riqueza e poder. A grande maioria de nós é deixada do lado de fora. Uma sociedade justa, diz Edmundson, proibiria a propriedade privada dos meios de produção e a colocaria em mãos públicas, administrando democraticamente a economia para o benefício de todos.

Este é um argumento muito poderoso, mostrando como o liberalismo genuinamente democrático não apenas pode coexistir com o socialismo, mas também o exige.

As listas de meios de produção Edmundson incluem “a economia, o sistema rodoviário, o setor de comunicação, telecomunicações, geração e distribuição de energia, vias marítimas navegáveis, crédito, bancos de investimento, seguros, armamento e munições, vias aéreas, ferrovias, hospitais, agronegócios, quaisquer indústrias extrativas, petroquímicas, serviços de internet, Facebook, Amazon (especialmente Amazon Web Services), Google, e assim por diante”. Ele argumenta que a estatização dos meios de produção poderia ser realizada através de algo como o Plano Meidner (nomeado pelo economista socialista Rudolf Meidner) da Suécia dos anos 1970. O plano propunha um alto imposto sobre os lucros corporativos pagos em novas ações, que seriam mantidos em um fundo assalariado administrado por sindicatos de trabalhadores. Com o tempo, os trabalhadores ganhariam uma participação de controle em todas as grandes corporações suecas.

Além da justa expropriação dos meios de produção, Edmundson argumenta que deveria haver limites para a transferência de riqueza intergeracional e sugere que certos tipos de serviços públicos deveriam ser prestados – embora quais tipos sejam deixados ambíguos. Ele também argumenta que grande parte da economia permaneceria nas mãos dos indivíduos porque muitos tipos de propriedade pessoal não envolvem o controle privado dos meios de produção. A linha permanece necessariamente indefinida, uma vez que muito dependerá das circunstâncias históricas e materiais.

Tornando a liberdade uma realidade

O livro de Edmundson é curto – apenas 150 páginas – mas ricamente sugestivo e bem argumentado. Ele se baseia em Rawls para mostrar como poderia ser um socialismo atrativo no futuro, e demonstra porque aqueles que estão comprometidos com o valor igual das liberdades políticas deveriam endossá-lo.

As maiores falhas do livro são sua frustrante falta de especificações sobre o grau de desigualdade econômica que seria permitido e que tipos de recursos poderiam ser fornecidos publicamente. Mas estas são questões menores ao lado da conquista de nos dar um plano viável para inovar e criar.

O socialismo surgiu das exigências da Revolução Francesa por liberdade, igualdade e solidariedade, e os socialistas democráticos têm orgulhosamente mantido sua preocupação com a igualdade e a solidariedade. O Socialism for Soloists nos faz lembrar que a liberdade política também é absolutamente central para o socialismo.

Sobre os autores

é professor visitante de política no Whitman College. Ele é o autor de "The Rise of Post-Modern Conservatism and Myth" e co-autor de "Mayhem: A Leftist Critique of Jordan Peterson".

Cierre

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Published in América do Norte, Livros, Resenha and Sociologia

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