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Salvadores participam de um protesto contra a mineração em frente à Assembleia Legislativa em San Salvador em 29 de março de 2017. (Marvin Recinos / AFP via Getty Images)

A histórica proibição da mineração em El Salvador está em perigo

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Tradução
Gercyane Oliveira

Após o fracasso do esquema de criptomoedas, o governo do autoritário presidente Nayib Bukele, sem dinheiro, está tomando medidas para reverter a proibição da mineração de metais em El Salvador. A reintrodução do extrativismo agressivo será um desastre para o abastecimento de água já contaminada do país.

Ao contrário de muitos países latino-americanos que processam investimentos extrativistas de empresas transnacionais, El Salvador não tem um setor de mineração de metais. Esse é um fato único na região, resultado de anos de organização de grupos sociais, organizações ambientais e da Igreja Católica. No entanto, sob o comando do presidente Nayib Bukele, essa proibição da mineração está ameaçada.

O governo salvadorenho ordenou a prisão de cinco importantes ativistas contra a mineração e defensores da água: Miguel Ángel Gámez, Alejandro Laínez García, Pedro Antonio Rivas Laínez, Antonio Pacheco e Saúl Agustín Rivas Ortega. Essas figuras, que desempenharam um papel no apoio à proibição da mineração em 2017, são acusadas de “associações ilícitas” e de cometer um assassinato durante a guerra civil de doze anos no país (1980-1992). No contexto da crescente abertura de Bukele para a mineração, no entanto, algumas pessoas em El Salvador e em todo o mundo estão questionando os verdadeiros motivos por trás das prisões. Além disso, os cinco organizadores estão sendo processados por uma equipe especializada em crimes de guerra criada por Bukele, o que gera preocupações de que a decisão possa ser ditada de cima para baixo para fins políticos.

A própria origem da equipe de crimes de guerra aponta para uma injustiça mais profunda na sociedade salvadorenha. Embora a ONU atribua 85% dos crimes cometidos durante a guerra civil aos militares apoiados pelos EUA, nenhum membro militar foi processado no país. Isso levou as pessoas de Santa Marta, uma comunidade com um forte legado contra a mineração, a criticar os padrões duplos do procurador-geral, pois há dezenas de casos iniciados por sobreviventes de massacres militares que não foram a julgamento. Três casos específicos são o massacre de Lempa (43 mortos e 189 desaparecidos), o massacre de Los Planes (27 mortos) e o massacre de Santa Cruz (até 100 mortos). Além disso, Bukele se recusa a abrir os documentos dos arquivos militares relacionados ao massacre de El Mozote, no qual o exército treinado pelos Estados Unidos assassinou cerca de mil civis na aldeia de El Mozote e em seus arredores, embora os tribunais tenham ordenado que ele o fizesse.

251 organizações de 29 países assinaram uma declaração pedindo ao governo salvadorenho que retire as acusações contra os cinco defensores da água ou, no mínimo, que os liberte da prisão para aguardar o julgamento. Atualmente, eles estão detidos em um centro de detenção judicial em Soyapango com muitas restrições: estão isolados, não podem receber visitas de familiares e seus advogados só podem falar com eles por um período máximo de cinco minutos. O procurador-geral está procurando um local permanente para sua detenção, mas devido ao estado de exceção em que o governo Bukele prendeu 2% da população adulta de El Salvador, a maioria das instalações de longo prazo está lotada. Os advogados de defesa também acreditam que, como o caso está atraindo atenção internacional, nenhum local quer recebê-los.

O fracasso dos investimentos em criptomoedas de Bukele dá algum contexto para seu aparente interesse em reintroduzir a mineração em El Salvador. De acordo com uma declaração do Institute for Policy Studies, o governo de Bukele está buscando novas formas de obter receitas “graças, em parte, à sua adoção imprudente do Bitcoin”. O governo salvadorenho investiu US$ 150 milhões de suas reservas em criptomoedas, e sabe-se que o estado já perdeu pelo menos US$ 60 milhões nesses investimentos devido à recente desvalorização das criptomoedas. Esse valor não é uma grande proporção das finanças de El Salvador – o PIB do país está atualmente avaliado em cerca de US$ 25 bilhões, enquanto sua dívida é de cerca de US$ 20 bilhões. “Mas ainda assim”, disse o professor da Universidade da Geórgia, Julio Sevilla, “você não pode realmente se dar ao luxo de fazer investimentos ruins quando suas finanças já estão precárias”.

“A água é mais importante do que o ouro”

A proibição da mineração em El Salvador foi instituída em março de 2017, após anos de pressão de cientistas, ambientalistas, grupos trabalhistas, a igreja e moradores locais contrários à mineração, afetados pelas ações insustentáveis e muitas vezes criminosas das empresas extrativistas. Naquele ano, a empresa de mineração canadense Ocean Gold havia perdido uma ação judicial contra o Estado salvadorenho, que estava processando no Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (CIRDI) do Banco Mundial por negar à Pacific Rim, uma subsidiária da Ocean Gold, uma licença de exploração no departamento de Cabañas, no norte do país.

A Pacific Rim vinha manobrando há anos para receber a aprovação de exploração do governo central enquanto as comunidades locais organizavam resistência ao projeto. Quatro ativistas contra a mineração foram mortos em protesto contra o projeto da Pacific Rim, inclusive Dora Alicia Recinos Sorto, que estava grávida de oito meses. Por fim, a licença foi negada à empresa com o argumento de que ela não havia cumprido os requisitos necessários da regulamentação e foi condenada a pagar a El Salvador US$ 8 milhões em honorários advocatícios.

Após a vitória sobre a empresa canadense, o movimento contra a mineração saiu fortalecido. Ele usou sua nova força para pressionar os políticos a aprovar a proibição da mineração.

Durante a resistência ao projeto Pacific Rim, os ativistas anti mineração se organizaram em torno de duas questões fundamentais: água e saúde. Em El Salvador, 90% das águas superficiais foram contaminadas pela indústria, pelo agronegócio e por sistemas de esgoto subdesenvolvidos – é, como Thomas McDonagh e Aldo Orellana López disseram, “um país com estresse hídrico”. O setor de mineração exerce ainda mais pressão sobre os suprimentos de água do país. Em 2013, a Oxfam alertou que o “desenvolvimento da mineração metálica em larga escala [em El Salvador] contribuiria ainda mais para a deficiência de água doce devido à liberação de drenagem ácida de minas”.

Organizados em torno do slogan “A água é mais importante que o ouro”, os ativistas conseguiram que a proibição da mineração fosse aprovada e, assim, garantiram a integridade ecológica de seu país em uma região onde geralmente as autoridades ficam do lado dos investidores estrangeiros em detrimento das demandas locais, o que pode levar a conflitos potencialmente trágicos.

Esse conflito está em andamento na mina Cerro Blanco, na vizinha Guatemala, que pertence à empresa canadense Bluestone Resources. Um referendo recente constatou que 89% dos habitantes locais da vizinha Asunción Mita se opunham à atividade de mineração devido a preocupações ambientais, mas o estado guatemalteco e a Bluestone rejeitaram seus pontos de vista e pressionaram por uma liminar para anular os resultados. Eventos como esses mostram a importância histórica da proibição da mineração em El Salvador, bem como os perigos que a aguardam caso seja anulada.

O esquema de Bukele

Ao contrário dos presidentes anteriores, Nayib Bukele, eleito em 2019, não condenou a mineração. Na verdade, as conquistas obtidas pelos movimentos sociais têm sido cada vez mais alvos do governo, já que seu governo parece estar se movendo para reintroduzir a mineração no país.

Bukele e seus apoiadores mais fervorosos têm se ocupado em preparar o terreno para a reversão da proibição da mineração, atacando os defensores da terra e da água, conforme descreve Omar Flores, da National Roundtable Against Metallic Mining:

Nayib Bukele utiliza uma narrativa de ódio e estigma contra os defensores dos direitos humanos, inclusive os defensores do meio ambiente, que se opõem à sua agenda econômica extrativista. O ódio usado pelo presidente é reproduzido por todas as instituições do aparato estatal e se tornou a narrativa hegemônica de todos os funcionários públicos… Da mesma forma, há um exército de trolls anônimos na Internet que também dissemina as mensagens do governo para aprofundar o ódio contra os defensores do meio ambiente e dos direitos humanos.

De acordo com Luis Gonzales, da National Roundtable, o governo Bukele “opera sob uma lógica pró-mineração”. Isso é evidenciado pelo fato de que, sob seu governo, El Salvador aderiu ao Fórum Intergovernamental sobre Mineração, financiado pelo governo canadense, e aprovou uma lei para criar uma Diretoria de Hidrocarbonetos, Energia e Minas. Além disso, Gonzales e outros relatam ter ouvido testemunhos de membros de comunidades rurais de que representantes de empresas de mineração estão visitando suas cidades.

Os moradores da região de Cabañas (incluindo Antonio Pacheca, um dos cinco líderes comunitários presos) relataram a presença de indivíduos desconhecidos oferecendo a compra de terras e o financiamento de programas sociais, e dois prefeitos da região afirmam ter se comunicado com o presidente da PROESA, a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos de El Salvador, que lhes disse que a mineração será retomada em breve. Por fim, há rumores de que a mineração está na mesa de negociações nas discussões de livre comércio em andamento entre El Salvador e a China.

Enquanto isso, algumas empresas canadenses mantiveram o interesse no setor de mineração de El Salvador. Relatórios financeiros divulgados em 2022 revelam que duas das subsidiárias da OceanaGold sediadas em El Salvador, a Bienstar e a Dorado Exploraciones, continuam ativas no país. Desde 2017, o ano da proibição da mineração, a OceanaGold de fato aumentou o financiamento da Dorado Exploraciones.

O esquema de Bukele para reintroduzir a mineração em El Salvador é parte integrante de seu autoritarismo. Embora tenha como alvo os ativistas contra a mineração da região norte do país, rica em minerais, o governo salvadorenho não está tomando nenhuma medida para corrigir as atrocidades da época da guerra civil, a grande maioria das quais foi cometida contra a população rural pobre por um exército de direita com a ajuda dos EUA. O retorno da mineração só vai continuar piorando essas injustiças.

Ao mesmo tempo, o governo de Bukele aparentemente vê a mineração como uma forma de reforçar as receitas do país, que estão caindo, o que criou um incentivo adicional para fazer dos defensores da água um exemplo. Como em outros lugares da região, os defensores da terra e da água estão sendo demonizados e estigmatizados, uma estratégia que só se intensificará se a mineração for reintroduzida. Em um país cujo abastecimento de água é tão vulnerável à poluição industrial, isso é extremamente preocupante.

A reintrodução da mineração de metais na economia salvadorenha seria uma péssima ideia. Os interessados em justiça ambiental devem acompanhar atentamente o julgamento dos defensores da água e o debate mais amplo sobre a mineração em El Salvador.

Sobre os autores

Owen Schalk

é colunista da revista canadense Dimension. Seu livro sobre o papel do Canadá na guerra no Afeganistão será lançado pela Lorimer Books ainda este ano.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Capital and Meio Ambiente

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