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Esta fotografia divulgada pela Guarda Costeira grega mostra como as pessoas estavam amontoadas no barco de pesca.

O naufrágio na Grécia é uma tragédia, não um acidente

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Tradução
Gustavo Crivellari

Centenas de pessoas afogaram-se no catastrófico naufrágio na costa grega. A União Europeia (UE) fala da "pior tragédia de todos os tempos" no Mediterrâneo. No entanto, foi a própria UE que provocou essa catástrofe com seu brutal regime de fronteira.

Na penúltima quarta-feira, um barco de pesca naufragou na costa de Pylos, na Grécia. O navio estava superlotado com pessoas que tentavam chegar à Europa – segundo os relatos, havia até 750 pessoas a bordo. 

As autoridades gregas afirmam que a Guarda Costeira resgatou 104 sobreviventes e confirmou 78 mortos. Cerca de 560 estão ainda desaparecidos. Dias após o naufrágio, é evidente que provavelmente se afogaram.

Autoridades da UE classificaram esse episódio como “a pior tragédia já ocorrida” no Mediterrâneo. Mas este naufrágio não é uma exceção nem um acidente inevitável, mas o resultado direto de práticas e regulamentos gregos e europeus que tornam cada vez mais impossível chegar à Europa e pedir asilo, forçando as pessoas a tomarem rotas cada vez mais perigosas. É o resultado de anos de decisões políticas que transformaram o Mediterrâneo num cemitério.

O naufrágio

Segundo informações da emissora pública grega ERT, o barco de pesca havia partido de Tobruk, na Líbia, diretamente ao sul de Creta. As autoridades informaram que as pessoas a bordo eram, em sua maioria, oriundas do Egito, do Paquistão, da Síria e da Palestina.

A Alarm Phone – uma ONG que apoia os resgates marítimos e se comunica com as pessoas que estão nesses barcos – declarou que foi contatada pela primeira vez por pessoas a bordo do barco no início da tarde de terça-feira. Durante a tarde e no início da noite, a Alarm Phone recebeu várias chamadas de emergência de pessoas a bordo, que informaram que o navio estava superlotado, que às 17 horas já não se movia, que o Capitão os havia abandonado e que o navio balançava para a frente e para trás. A Alarm Phone transmitiu essas chamadas de emergência às autoridades competentes, incluindo a Guarda Costeira grega. A ONG não conseguiu manter contato com o barco e falou com as pessoas a bordo pela última vez pouco antes da 1 hora da penúltima quarta-feira.

O relato contraditório da guarda costeira grega diz que o navio foi avistado pela primeira vez pela Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, por volta do meio-dia de terça-feira, 13 de junho. Após o contato, as pessoas a bordo teriam declarado repetidamente que “o barco não estava em perigo, que não precisavam de ajuda, exceto comida e água, e que queriam continuar até a Itália”. A Guarda Costeira disse que o barco parou de se mover às 1h40. Às 2h04, uma plataforma flutuante informou à Guarda Costeira que o navio de pesca havia virado.

Especialistas jurídicos internacionais afirmam que a guarda costeira tinha o dever de verificar de forma independente se o barco de pesca estava em condições de navegar e de intervir se esse não fosse o caso – mesmo que as pessoas a bordo dissessem que não queriam ser resgatadas. As fotografias do barco mostram que ele estava claramente sobrecarregado, que as pessoas a bordo não pareciam estar vestindo coletes salva-vidas e que o navio não navegava sob qualquer bandeira.

“O enfoque nos coiotes ignora o contexto mais amplo que levou as pessoas a pagar milhares de euros para fazer esta rota que coloca suas vidas em risco.”

Além disso, informações da revista investigativa grega Solomon provam que as autoridades foram informadas da situação emergencial do barco já às 18 horas. O vídeo e os dados de localização animados verificados pela BBC mostram que o barco não se moveu durante pelo menos sete horas antes de se virar.

No entanto, o estado grego optou por transferir a culpa para outros: supostos coiotes. Nos dias que se seguiram à tragédia, o Estado grego deteve nove homens que supostamente seriam egípcios e os acusou de constituírem uma organização criminosa com o objetivo de transportar migrantes ilegalmente, de provocar um naufrágio e de colocar vidas humanas em perigo.

Estes testemunharam extensivamente na cidade de Kalamata na terça-feira, 20 de junho. Segundo a ERT, oito dos acusados declararam que eram apenas passageiros. Entretanto, o Procurador do Supremo Tribunal da Grécia ordenou uma investigação sobre o naufrágio.

Há anos o governo grego se concentra na criminalização dos coiotes, o que supostamente resolveria o problema das mortes nas fronteiras e no mar. “Temos de erradicar todas as redes de coiotes, as ONGs, todos os que exploram essas pessoas e ganham cinco milhões de euros para trazer um barco para a Grécia. O proprietário do barco ganhou cinco milhões!«, disse o ministro grego das migração nos dias seguintes à tragédia.

O contrabando de pessoas é uma questão de que ele e outros funcionários falam frequentemente e que está no centro dos processos judiciais nas ilhas gregas do Mar Egeu. Os acusados de pilotar barcos frágeis através do Mediterrâneo são frequentemente denunciados por tráfico de seres humanos e condenados a décadas de prisão. Na realidade, muitas vezes são pessoas que esperavam chegar à Europa e foram deixadas no mar com um leme nas mãos.

O enfoque nos coiotes ignora o contexto mais amplo que levou as pessoas a pagar milhares de euros para tomar esta rota que coloca suas vidas em risco. “Embora seja urgentemente necessária uma investigação para esclarecer as circunstâncias do incidente, esta tragédia é a mais recente de uma longa cadeia de naufrágios na Grécia e em toda a Europa, que eram completamente evitáveis”, comentou Adriana Tidona, pesquisadora da Anistia Internacional em matéria de migração. “Hoje, há famílias que estão de luto por seus entes queridos e outras que procuram por aqueles que não podem encontrar. Os políticos europeus poderiam ter evitado isso, poderiam ter criado meios seguros e legais para as pessoas chegarem à Europa. Essa é a única maneira de evitar constantes tragédias desse tipo.”

Intencionalmente impossível

Essas tragédias na verdade não são acidentes, mas o resultado de decisões políticas. Nos últimos dez anos, a UE restringiu o acesso ao direito de asilo e tornou cada vez mais difícil a chegada ao continente: reforçou as medidas policiais e de vigilância ao longo das suas fronteiras, construiu e ampliou muros e deportou ilegalmente milhares de pessoas.

Em 2016, a UE assinou um acordo com a Turquia, no qual foram pagos milhares de milhões de euros pela promessa de poder mais facilmente enviar os requerentes de asilo de volta para lá. Esse acordo estipulou que a Turquia tomaria todas as medidas para evitar que as pessoas viajem da costa turca para as ilhas gregas. Em 2017, a Itália assinou um acordo semelhante patrocinado pela UE com a Líbia, que prevê milhões de euros em assistência financeira e técnica à Guarda Costeira líbia. Em contrapartida, esta deve interceptar mais barcos que tentam chegar a Itália. No início deste mês a UE sugeriu que poderia conceder à Tunísia um empréstimo de mais de um bilhão de euros – a maior parte para apoiar o desenvolvimento do país, mas também 100 milhões de euros para proteção das fronteiras, repatriação e operações de busca e resgate.

Além disso, de acordo com o chamado Regulamento Dublim III da UE, a partir de 2013 os refugiados são obrigados a solicitar asilo no primeiro país da UE a que chegam, teoricamente com a possibilidade de redirecionamento para outros estados da UE. Na prática, isso obrigou muitos milhares a solicitarem asilo na Grécia e na Itália, países cada vez mais anti-migrantes, que também oferecem menos oportunidades econômicas.

A UE tomou recentemente algumas medidas para resolver estes problemas. No início deste mês, os governos dos Estados-Membros da UE assinaram um acordo que criará um novo sistema destinado a distribuir melhor as pessoas dentro da UE e prever multas pesadas para os países que não as aceitam.

“Quando se vê um corpo e um assassino em série ao lado dele, sabe-se o que aconteceu. Quando se vê um navio naufragado e a Guarda Costeira grega ao lado dele, também se deveria saber.”

Na Grécia (bem como na Itália de Giorgia Meloni) existe uma hostilidade aberta em relação aos migrantes. Durante a sua campanha eleitoral no mês passado, o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis prometeu construir um muro que se estenderia por quase toda a fronteira terrestre com a Turquia, alegando que é necessário impedir uma “invasão organizada do território grego, isto é, europeu, por imigrantes ilegais”. Recentemente, a Grécia também tem considerado planos para a construção de um muro no mar.

Além disso, há anos existem evidências de que a Grécia e a Frontex estão frequentemente envolvidas em expulsões ilegais, trabalhando juntas para levar pessoas para o outro lado da fronteira, violando seu direito de asilo. Nos últimos anos, essas expulsões foram reforçadas tanto na fronteira terrestre como no mar. Aqueles que são apanhados na fronteira terrestre no norte são normalmente espancados, roubados de seus telefones celulares e de todos os objetos de valor, muitas vezes despidos e colocados em barcos no Rio Mariza. Em regra, as pessoas que chegam às ilhas gregas são recolhidas, colocadas em barcos de borracha e abandonadas no mar. Os barcos interceptados no Mar Egeu são danificados ou têm seus motores removidos – ou a Guarda Costeira grega simplesmente os reboca de volta às águas turcas.

De acordo com alguns relatos de sobreviventes, o barco de pesca virou na costa de Pylos logo depois que a guarda costeira grega lançou uma corda para rebocá-lo. A Guarda Costeira grega negou qualquer tentativa de rebocar o barco.

“Quando se vê um corpo e um assassino em série ao lado dele, sabe-se o que aconteceu. Quando se vê um navio naufragado e a Guarda Costeira grega ao lado dele, também se deveria saber”, escreveu o advogado Dimitris Choulis no Twitter. Há anos ele representa requerentes de asilo nas ilhas do Mar Egeu.

Em uma declaração, a Alarm Phone também responsabilizou as condutas gregas na fronteira: “As pessoas em trânsito sabem que milhares foram alvejadas, espancadas e abandonadas no mar pelas forças gregas. Eles sabem que um encontro com a Guarda Costeira grega, com a Polícia grega ou a Guarda Fronteiriça grega é frequentemente acompanhado de violência e sofrimento”, declarou a organização. “Devido aos esforços sistemáticos de expulsão, os barcos estão tentando contornar a Grécia navegando por rotas muito mais longas e arriscando suas vidas no mar.«

De acordo com o Projeto Migrantes Desaparecidos da Organização Internacional para as Migrações (OIM), o Mediterrâneo Central é a rota migratória mais mortal do mundo, na qual mais de 17.000 pessoas morreram ou desapareceram desde 2014. A organização sugere que os atrasos ou a ausência total de operações de salvamento estatais na rota do Mediterrâneo Central já custaram a vida de 200 pessoas este ano. Um total de 441 mortes foram registradas no Mediterrâneo Central no primeiro trimestre deste ano, o primeiro trimestre mais mortal desde 2017.

Os sobreviventes do naufrágio estão atualmente detidos num campo de refugiados na Grécia e não podem falar com a imprensa. Os familiares e pessoas próximas continuam a aguardar desesperadamente por notícias sobre a localização dos desaparecidos. Apesar do clamor da OIM e de alguns membros das Nações Unidas, as práticas ou regulamentos que levaram a este desastre permanecem praticamente inalterados. E em breve ainda mais pessoas tentarão travessias igualmente perigosas.

Sobre os autores

Moira Lavelle

é uma jornalista independente baseada em Atenas. Escreve sobre migração, fronteiras, relações de gênero e política.

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Published in Análise, Direitos Humanos, Europa, Fronteiras & Migração and Humanos

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