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Montagem sobre ilustração de Lucy Rose.

Sobre a teoria econômica do socialismo

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Tradução
Tiago Camarinha Lopes, Everton Lourenço e Davi Pacheco

Neste clássico artigo que estabeleceu o estado da arte do "debate do cálculo socialista" por quase 50 anos, Oskar Lange argumenta que um sistema socialista poderia utilizar uma estratégia de aproximações por tentativa e erro com base na variação dos preços efetivos para coordenar as ofertas e as demanda dos produtos, como faz o mercado. Lange mostra como sua proposta poderia trazer ganhos de eficiência e englobar demandas humanas que o mercado é incapaz de atender, por definição.

Artigo publicado originalmente em duas partes na revista The Review of Economic Studies (1936, 1937).


Apresentação

Parte Um

  1. O estado presente do debate
  2. A determinação do equilíbrio em um mercado competitivo
  3. O procedimento de tentativa e erro em uma economia socialista
  4. Uma generalização da teoria precedente

Parte Dois

  1. A posição do economista em favor do socialismo
  2. Sobre a política de transição

Apêndice: A alocação dos recursos sob o socialismo na literatura marxista


Apresentação

Esta é a tradução do artigo de Oskar Lange publicado originalmente em inglês na revista The Review of Economic Studies em duas partes, respectivamente em 1936 e 1937 (Lange, O. 1936. On the economic theory of socialism: part one, The Review of Economic Studies, vol. 4, no. 1, 53–71 e Lange, O. 1937. On the economic theory of socialism: part two, The Review of Economic Studies, vol. 4, no. 2, 123–42). Este texto de Oskar Lange é uma das obras de maior impacto sobre o desenvolvimento do debate em torno do cálculo econômico socialista. Explorando as contradições entre a tese de Ludwig von Mises sobre a impossibilidade do cálculo econômico racional sob o socialismo e o arcabouço analítico aceito pela comunidade científica dos economistas nos anos 1930 que havia se consolidado a partir da Revolução Marginalista dos anos 1870, Oskar Lange contribuiu decisivamente para expulsar do mainstream neoclássico os ideólogos mais vulgares que tinham até então livre trânsito na corrente principal. A Escola Austríaca de Economia consolidou-se nas décadas seguintes como corrente alheia ao mainstream neoclássico, em parte devido a esta intervenção de Lange no debate sobre o cálculo econômico socialista. [1]

Esta tradução foi feita diretamente do original em inglês e cotejada com a versão em espanhol publicada na Espanha em 1967 dentro do livro editado por Benjamin E. Lippincott (Lange, O. y Taylor, F. (1967). Sobre la teoría económica del socialismo. Selección e introducción por Benjamin E. Lippincott. Bosch, Casa Editorial: Barcelona). Durante o trabalho, Everton Lourenço localizou e me disponibilizou uma tradução desta versão em espanhol para o português realizada por Davi Pacheco, que circulou em redes sociais fechadas por volta de 2019. Como este texto havia sido gerado a partir da versão espanhola e necessitava ainda de uma revisão tanto quanto à linguagem quanto à coerência e robustez técnica, optei por dar seguimento à tradução do inglês para o português. Ao fim, consultei a versão de Davi Pacheco ao mesmo tempo em que comparei com a edição espanhola, tendo isso contribuído na decisão sobre alguns ajustes.

A versão espanhola tem uma estrutura diferente (provavelmente seguindo a edição de Lippincott para o livro de 1938 pela University of Minnesota que reuniu os textos de Fred M. Taylor e Oskar Lange para serem apresentados a um público mais amplo) pois os parágrafos relativamente longos da versão original na revista The Review of Economic Studies foram quebrados em parágrafos mais curtos, com o nítido propósito de facilitar a leitura. Considerei a possibilidade de seguir essa divisão de leitura mais amigável, mas decidi manter por ora a estrutura do original para ser fiel à versão publicada na revista. A tradução do verso do Inferno de Dante citado por Lange também deve ser analisada com maior cuidado. As notas de tradução estão marcadas entre colchetes [ ] com N.T.

Goiânia, 24/06/2022

Tiago Camarinha Lopes


Parte Um

1. O estado presente do debate

Os socialistas têm certamente boas razões para serem gratos ao Professor Mises, o grande advocatus diaboli de sua causa: foi seu desafio poderoso que forçou os socialistas a reconhecer a importância de um sistema adequado de contabilidade econômica para guiar a alocação de recursos em uma economia socialista. Mais ainda, foi principalmente devido ao desafio do Professor Mises que muitos socialistas tomaram conhecimento da própria existência de tal problema. E embora o Professor Mises não tenha sido o primeiro a levantá-lo, e ainda que nem todos os socialistas estivessem tão alheios ao problema como se afirma frequentemente, é verdade, no entanto, que particularmente na Europa Continental (fora da Itália), o mérito de ter levado os socialistas a se aproximarem desse problema pertence inteiramente ao Professor Mises. Tanto como expressão do reconhecimento pelo grande serviço prestado por ele quanto como um marco memorial da importância primordial da boa contabilidade econômica, uma estátua do Professor Mises deveria ocupar um local honorável no grande hall do Ministério da Socialização ou do Conselho de Planejamento Central do Estado socialista. Entretanto, receio que o Professor Mises dificilmente desfrutaria do que parece ser o único modo adequado de pagar a dívida de reconhecimento contraída pelos socialistas, e é difícil culpá-lo por isso. Primeiro, ele teria que compartilhar seu local com os grandes líderes do movimento socialista, e essa companhia pode não agradá-lo. E então, para completar o infortúnio, um professor socialista poderia convidar seus alunos para uma aula sobre o materialismo dialético junto à estátua, como maneira de exemplificar a Razão da História Hegeliana que fez até mesmo o mais devotado dos economistas burgueses servir involuntariamente à causa proletária.

Como a formulação clara e distinta de um problema é certamente uma contribuição para a ciência, o economista terá que se juntar aos socialistas em seu reconhecimento do trabalho do professor Mises sobre o cálculo econômico em uma economia socialista. Como apontou o professor Hayek: ao professor Mises pertence “a distinção de ter formulado pela primeira vez o problema central da economia socialista de tal forma que é impossível ele voltar a desaparecer da discussão.”[2] Mas, infelizmente, além de formular o problema, o professor Mises também afirmou ter demonstrado que o cálculo econômico é impossível em uma sociedade socialista. O economista [profissional, neoclássico] dificilmente achará possível aceitar esta afirmação. Do ponto de vista do economista, ele teria feito melhor se tivesse se limitado à formulação do problema, como fez Pierson; porém, se ele tivesse agido assim, provavelmente não teria atraído tanta atenção dos socialistas, pois foi justamente a negação da possibilidade da contabilidade econômica sob o socialismo por parte do Professor Mises o que deu tanta força e poder ao seu desafio. Assim, o socialista e o economista enxergarão a conquista do Professor Mises de forma diferente: um estranho exemplo de divergência de suas opiniões, que, como pensa o professor Mises, deve ser sempre a regra. Uma solução para o problema, diferente daquela avançada pelo professor Mises, foi sugerida por Pareto já em 1897 [3] e mais tarde foi elaborada por Barone. [4] A discussão que se seguiu sobre o problema foi pouco além do que já estava contido no artigo de Barone, com uma exceção que será mencionada mais adiante.

O argumento do professor Mises de que uma economia socialista não pode resolver o problema da alocação racional de seus recursos é baseado em uma confusão sobre a natureza dos preços. Como Wicksteed apontou, o termo preço tem dois significados. Pode significar tanto preço no sentido comum, ou seja, a taxa de troca entre duas mercadorias em um mercado, como pode ter o significado generalizado de “termos em que as alternativas são oferecidas.” ‘Preço’, então – diz Wicksteed – no sentido mais estrito de ‘o dinheiro pelo qual uma coisa material, um serviço, ou um privilégio pode ser obtido’, é simplesmente um caso especial de ‘preço’ no sentido mais amplo de ‘termos em que as alternativas nos são oferecidas’. [5] São apenas os “preços” no sentido generalizado que são indispensáveis ​​para resolver o problema de alocação de recursos. O problema econômico é um problema de escolha entre diferentes alternativas. Para resolver o problema, três dados são necessários: (1) uma escala de preferência que oriente a atividade de escolha, (2) conhecimento sobre os “termos em que as alternativas são oferecidas” e, finalmente, (3) conhecimento sobre a quantidade de recursos disponíveis. Com esses três dados fornecidos, o problema de escolha é solúvel. Agora, é óbvio que uma economia socialista pode considerar as informações de (1) e (3) como dados, pelo menos no mesmo grau em que eles são dados na economia capitalista. Os dados de (1) podem ser fornecidos ou pela estrutura de demanda dos indivíduos, ou pelo julgamento das autoridades que administram o sistema econômico. A questão sobre se os dados de (2) são acessíveis aos administradores de uma economia socialista permanece. O professor Mises nega que eles sejam acessíveis. No entanto, um estudo cuidadoso da teoria dos preços e da teoria da produção nos convence de que, os dados de (1) e (3) sendo fornecidos, os “termos em que as alternativas são dadas” são determinados, em última análise, pelas possibilidades técnicas de transformação de uma mercadoria em outra, ou seja, pelas funções de produção. Os administradores de uma economia socialista terão exatamente o mesmo conhecimento, ou falta de conhecimento, das funções de produção que os empresários capitalistas têm. Mas o professor Mises parece ter confundido os preços no sentido mais estrito, ou seja, as taxas de troca de mercadorias em um mercado, com preços no sentido mais amplo de “termos em que as alternativas são oferecidas.” Como não há mercado em que os bens de capital são efetivamente trocados numa economia socialista, em consequência da propriedade pública sobre os meios de produção, obviamente não há preços de bens de capital no sentido de taxas de troca em um mercado. E, portanto, o professor Mises argumenta que não há um “índice de alternativas” disponível na esfera de bens de capital. Só que esta conclusão é baseada em uma confusão de “preço” no sentido mais estrito com “preço” no sentido mais amplo de um índice de alternativas. É apenas neste último sentido que os “preços” são indispensáveis ​​para a alocação de recursos, e com base nas possibilidades técnicas de transformação de uma mercadoria em outra eles também são dados em uma economia socialista.

O professor Mises argumenta que a propriedade privada dos meios de produção é indispensável para uma alocação racional de recursos. Como, segundo ele, sem propriedade privada dos meios de produção não existe nenhum índice determinado de alternativas (pelo menos na esfera dos bens de capital), os princípios econômicos de escolha entre diferentes alternativas são aplicáveis ​​apenas a uma configuração institucional especial de economia, ou seja, a uma sociedade que reconhece a propriedade privada dos meios de produção. Foi de fato sustentado, por Marx [6] e pela Escola Histórica (se é que ela chegou a reconhecer a existência de leis econômicas), que todas as leis econômicas possuem validade apenas histórico-relativa. Por isso é tão surpreendente encontrar essa visão institucionalista apoiada por um membro da Escola Austríaca [7], que tanto fez para enfatizar a validade universal dos princípios fundamentais da teoria econômica.

Assim a negação do Professor Mises sobre a possibilidade do cálculo econômico em um sistema socialista precisa ser rejeitada. No entanto, o argumento do Professor Mises foi retomado recentemente de uma forma mais refinada pelo Professor Hayek e pelo Professor Robbins. Eles não negam a possibilidade teórica de uma alocação racional de recursos em uma economia socialista, apenas duvidam da possibilidade de uma solução prática satisfatória para o problema. Discutindo a solução oferecida por Barone, Dickinson e outros, o professor Hayek diz que: “deve-se admitir que ela não é uma impossibilidade no sentido de que seja logicamente contraditória”. [8] Mas ele nega que o problema seja passível de solução prática em uma sociedade sem propriedade privada dos meios de produção. [9] A questão foi colocada muito claramente pelo professor Robbins. “No papel”, diz ele, “podemos conceber esse problema como sendo resolvido por uma série de cálculos matemáticos… Mas na prática essa solução realmente não funciona. Seria necessário escrever milhões de equações com base em milhões de dados estatísticos baseados em ainda muito mais milhões de computações individuais. No momento em que as equações fossem resolvidas, as informações nas quais elas se baseavam teriam se tornado obsoletas e precisariam ser calculadas novamente. A sugestão de que uma solução prática para o problema do planejamento é possível com base nas equações paretianas simplesmente indica que aqueles que o apresentam não entenderam o que essas equações significam.”[10] Assim, o professor Hayek e o professor Robbins desistiram do ponto essencial da posição do professor Mises e recuaram para uma segunda linha de defesa. Em princípio eles admitem que o problema é solúvel, mas é de se questionar se em uma comunidade socialista ele pode ser resolvido por um método simples de tentativa e erro, como o problema é resolvido na economia capitalista. O significado da propriedade privada dos meios de produção e de um mercado real de bens de capital mudou. Teoricamente, os preços no sentido generalizado de “termos em que as alternativas são oferecidas” são admitidos como dados também sem que exista um mercado real. A função do mercado é, segundo eles, outra, a saber, fornecer um método de alocação de recursos por tentativa e erro – e é desta última possibilidade que uma economia socialista seria privada.

A posição tomada pelo Professor Hayek e pelo Professor Robbins é um avanço significativo na discussão do problema. Ela promete uma abordagem muito mais frutífera do que a negação total do professor Mises em relação à possibilidade de contabilidade econômica sob o socialismo. Se, tendo dado este passo, eles também vão merecer uma estátua honorável, ou pelo menos uma placa comemorativa no edifício do Ministério da Socialização ou do Conselho de Planejamento Central, ainda não se sabe. A grande importância do problema torna isso bem possível. Barone já tinha apontado para o fato de que as equações do equilíbrio econômico devem ser resolvidas também em uma sociedade socialista por tentativa e erro. [11] Ele considerou tal solução como possível, mas não indicou como isso seria feito. No entanto, a maneira pela qual uma economia socialista resolveria o problema por um método de tentativa e erro foi indicada muito claramente por Fred M. Taylor em um artigo publicado em 1929. [12] Este artigo fornece em substância a resposta ao professor Hayek e ao professor Robbins, e é a primeira contribuição que realmente vai além do que está contido no artigo de Barone. Mas a grande importância de seu argumento exige uma investigação mais detalhada do problema. É, portanto, o objetivo do presente trabalho elucidar a maneira pela qual a alocação de recursos é efetuada por tentativa e erro em um mercado competitivo e descobrir se um procedimento semelhante de tentativa e erro é ou não é possível em uma economia socialista.

2. A determinação do equilíbrio em um mercado competitivo

Vejamos como o equilíbrio econômico é estabelecido por tentativa e erro em um mercado competitivo. Por mercado competitivo nós queremos dizer um mercado no qual: (1) o número de indivíduos é tão grande que ninguém consegue influenciar os preços de forma significativa variando sua demanda ou oferta e, portanto, todos são forçados a considerar of preços como parâmetros constantes independentes de seu próprio comportamento; (2) há entrada e saída livre de cada setor ou indústria.

As condições de equilíbrio são duas: (A) todos os indivíduos participantes no sistema econômico devem atingir suas posições máximas com base nos preços de equilíbrio, e (B) os preços de equilíbrio são determinados pela condição de que a demanda por cada mercadoria seja igual à sua oferta. Nós podemos chamar a primeira de condição subjetiva e a segunda de condição objetiva. No entanto, essas duas condições não determinam o equilíbrio a menos que seja adicionada uma terceira condição que expressa a organização social do sistema econômico. No nosso caso, esta condição afirma que: (C) as rendas dos consumidores são iguais às suas receitas pela venda dos serviços dos recursos produtivos que eles possuem. Esta condição não é uma condição de equilíbrio no sentido estrito, pois vale independentemente de o sistema econômico estar em equilíbrio ou não. Não obstante, é necessário que o equilíbrio seja determinado. Chamemos essas três condições de A, B e C, respectivamente, sendo A e B as condições de equilíbrio sensu stricto.

A. As condições subjetivas de equilíbrio são realizadas pelos indivíduos [13] ao maximizarem sua utilidade, lucro ou renda da propriedade de recursos produtivos.

(1) Os consumidores maximizam a utilidade total que derivam de sua renda gastando-a de tal modo que a utilidade marginal que pode ser obtida por uma unidade de renda (expressa em dinheiro) seja igual para todas as mercadorias. Sendo seus rendimentos e os preços dados (estes últimos são necessários para determinar qual é a quantidade de uma mercadoria que pode ser obtida por uma unidade de renda), a demanda para bens de consumo é determinada.

(2) Os produtores (tentando maximizar seus lucros) minimizam seu custo médio de produção. [14] O processo de minimizar o custo médio de produção é composto por duas partes: (a) pela determinação da combinação ótima de fatores e (b) pela determinação da escala ótima de produção. A primeira é alcançada pela combinação dos fatores das produções em tal proporção que equalize a produtividade marginal da quantidade de cada fator que pode ser adquirida por uma unidade de dinheiro. [15] Sendo os preços dos fatores dados, de tal modo que seja possível determinar qual é o montante de cada setor que pode ser obtido por uma unidade de dinheiro, essa condição determina a curva de custo mínimo do produtor. A escala ótima de produção é determinada por duas condições, cada uma resultando de uma propriedade diferente do mercado competitivo. Primeiro, o custo marginal deve ser igual ao preço do produto (que é dado no mercado) e, segundo, o custo médio também tem que ser igual ao preço do produto. A primeira resulta do produtor estar buscando maximizar seu lucro enquanto o preço do produto é praticamente independente da escala de sua produção (por causa do grande número de produtores competindo), e determina a produção do produtor individual, a segunda resulta da entrada ou saída livre de produtores de qualquer setor, e determina a produção total de todo o setor. Assim, sendo os preços dos produtos e dos fatores dados, a oferta de produtos e a demanda por fatores fica determinada.

(3) Os proprietários dos derradeiros recursos produtivos (trabalho, capital e recursos naturais) maximizam sua renda vendendo os serviços dos recursos pelos maiores lances. Sendo os preços dos serviços dados, sua distribuição entre os diferentes setores fica determinada. [16]

B. As condições subjetivas de equilíbrio podem ser cumpridas apenas com base em um dado conjunto de preços e de renda dos consumidores. Os preços são considerados constantes pelos indivíduos, independente de seu comportamento. Para cada conjunto de preços e de renda dos consumidores nós obtemos diferentes quantidades de mercadorias demandadas e ofertadas. A condição C afirma que as rendas dos consumidores são iguais às suas receitas provenientes da venda dos serviços dos derradeiros recursos produtivos que eles possuem. [17] Em virtude dessa condição, as rendas dos consumidores são determinadas pelos preços dos serviços dos derradeiros recursos produtivos, de tal modo que, finalmente, sobram somente os preços como variáveis determinando a demanda e a oferta de mercadorias. Ao assumir conjuntos diferentes de preços nós obtemos a estrutura de demanda e oferta. Agora, as condições objetivas de equilíbrio servem para selecionar um conjunto especial de preços como o único que assegura a compatibilidade das posições subjetivas máximas de todos os indivíduos participando do sistema econômico. Estas condições significam que a demanda e a oferta de cada mercadoria têm que ser iguais. Os preços que satisfazem essas condições são os preços de equilíbrio. Se as estruturas de demanda e oferta são todas funções monotônicas, existe apenas um conjunto de preços que satisfaz a condição objetiva de equilíbrio; do contrário pode haver uma solução múltipla, mas alguns dos conjuntos de preços obtidos representam equilíbrios instáveis. [18]

Tal é a solução teórica para o problema do equilíbrio em um mercado competitivo. Agora vamos ver como o problema é resolvido de fato por tentativa e erro. A solução por tentativa e erro é baseada no que se pode chamar de função paramétrica dos preços, i.e. no fato de que, apesar dos preços serem resultantes do comportamento de todos os indivíduos no mercado, cada indivíduo separadamente considera os preços de mercado de fato como informação dada à qual ele precisa se adaptar. Cada indivíduo tenta explorar a situação do mercado que lhe confronta e sobre a qual ele não pode ter controle. Os preços de mercado são portanto parâmetros determinando o comportamento dos indivíduos. O valor de equilíbrio desses parâmetros é determinado pelas condições objetivas de equilíbrio B. Como Walras mostrou tão brilhantemente [19], isso é feito por uma série sucessiva de tentativas (tâtonnements).

Vamos começar com um conjunto de preços dado aleatoriamente (por exemplo, ao retirar números de uma urna). Com base nesse conjunto aleatório de preços (os prix criés par hasard de Walras) os indivíduos cumprem suas condições subjetivas de equilíbrio e atingem suas posições máximas. Para cada mercadoria é estabelecida uma quantidade demandada e uma quantidade ofertada. Agora as condições objetivas entram em cena. Se a quantidade demandada e a quantidade ofertada forem por acaso iguais, toda situação está resolvida e os preços já são os preços de equilíbrio. Se, no entanto, as quantidades demandadas e as quantidades ofertadas divergirem, a competição dos compradores e vendedores vai alterar os preços. Os preços daquelas mercadorias cuja demanda supera sua oferta sobem, enquanto que os preços daquelas mercadorias em que o caso é contrário caem. Como resultado nós obtemos um novo conjunto de preços que serve como nova base para os indivíduos buscando satisfazer suas condições subjetivas de equilíbrio. Sendo cumpridas as condições subjetivas de equilíbrio, nós obtemos um novo conjunto de quantidades demandadas e ofertadas. Se demanda e oferta não são iguais para cada mercadoria, os preços mudam e nós temos outro conjunto de preços que agora de novo serve como uma base para os indivíduos rearranjar suas escolhas; e portanto nós obtemos um novo conjunto de quantidades demandadas e ofertadas. E assim o processo segue até que as condições objetivas de equilíbrio estejam satisfeitas e o equilíbrio finalmente seja atingido. [20] Na verdade, são os preços dados historicamente que servem como base para o processo de tentativas sucessivas.

Temos que pedir desculpas ao leitor por ter ocupado sua atenção com essa exposição de livro didático dos elementos da teoria econômica do equilíbrio. Mas justamente o fato de terem negado a possibilidade de determinar os preços (no sentido mais amplo de “termos em que as alternativas são oferecidas”) em uma economia socialista indica que o significado desses elementos não foi completamente entendido. Agora vamos ver se um método similar de tentativa e erro pode ou não pode ser aplicado em uma economia socialista.

3. O procedimento de tentativa e erro em uma economia socialista

Para discutir o método de alocação de recursos em uma economia socialista nós temos que definir que tipo de sociedade socialista nós temos em mente. A propriedade pública dos meios de produção por si só não determina o sistema de distribuição dos bens de consumo aos consumidores e a alocação das pessoas nas várias ocupações, nem os princípios guiando a produção de mercadorias. Vamos assumir agora que a liberdade de escolha no consumo e a liberdade de escolha de ocupação estão mantidas e que as preferências dos consumidores, expressas por seus preços de demanda, são o critério de guia da produção e alocação de recursos. Depois devemos passar para o estudo de um sistema socialista mais centralizado. [21]

No sistema socialista como descrito, nós temos um mercado genuíno (no sentido institucional da palavra) para bens de consumo e para os serviços do trabalho, mas não há um mercado para bens de capital e recursos produtivos que não trabalho. [22] Os preços de bens de capital e recursos produtivos que não trabalho são portanto preços no sentido amplo, i.e. meros índices de alternativas disponíveis, fixadas para propósitos de contabilidade. Vejamos como o equilíbrio econômico é determinado em um sistema desse tipo. Assim como no regime competitivo individualista, a determinação do equilíbrio consiste em duas partes. (A) Com base em índices dados de alternativas (que são preços de mercado no caso de bens de consumo e de serviços do trabalho, e preços contábeis em todos os outros casos) tanto os indivíduos, participando do sistema econômico enquanto consumidores e proprietários de serviços do trabalho, quanto os gerentes de produção e dos recursos derradeiros com exceção do trabalho (i.e. de capital e de todos os recursos naturais) tomam decisões de acordo com certos princípios. Suponhamos que esses gerentes são oficiais públicos. (B) Os preços (tanto de mercado quanto contábeis) são determinados pela condição de que a quantidade demandada por cada mercadoria seja igual à quantidade ofertada. As condições determinando as decisões sob (A) são subjetivas enquanto aquelas sob (B) são as condições objetivas de equilíbrio. Finalmente, nós temos também uma condição C expressando a organização social do sistema econômico. Como os recursos produtivos que não o trabalho são propriedade pública, as rendas dos consumidores são divorciadas da propriedade desses recursos e a forma da condição C é determinada pelos princípios adotados de formação de renda. A possibilidade de determinar a condição C de diferentes maneiras dá a uma sociedade socialista uma liberdade considerável em matéria de distribuição de renda. No entanto, a necessidade de manter a liberdade de escolha de ocupação limita o uso arbitrário desta liberdade, porque deve haver alguma conexão entre a renda de um consumidor e os serviços do trabalho realizados por ele. Parece, portanto, conveniente em relação à renda dos consumidores que seja composta de duas partes: uma parte sendo a receita pelos serviços de trabalho realizados e outra parte sendo um dividendo social formando a parcela que o indivíduo detém na renda derivada do capital e dos recursos naturais de propriedade da sociedade. Nós assumimos que a distribuição do dividendo social seja baseada em certos princípios, deixando a discussão sobre o conteúdo desses princípios para mais tarde. Assim, a condição C é determinada e isso define as rendas dos consumidores em termos de preços dos serviços do trabalho e do dividendo social, que, por sua vez, pode ser considerado como sendo determinado pelo rendimento total do capital e dos recursos naturais e pelos princípios adotados para distribuição desse rendimento. [23]

  1. Consideremos as condições subjetivas de equilíbrio em uma economia socialista:

(1) Supondo liberdade de escolha no consumo [24], as condições subjetivas de equilíbrio de um mercado competitivo também se aplicam ao mercado de bens de consumo numa economia socialista. Sendo dadas as rendas dos consumidores e os preços dos bens de consumo, a demanda pelos bens de consumo fica determinada.

(2) As decisões dos gerentes de produção não são mais guiadas pelo objetivo de maximizar o lucro. Ao invés disso, existem certas regras impostas sobre eles pelo Conselho de Planejamento Central, que busca satisfazer as preferências dos consumidores da melhor maneira possível. Uma regra deve impor em cada unidade produtiva a escolha da combinação dos fatores de produção e a escala de produção que minimize o custo médio de produção. A produção total do setor como um todo precisa ser determinada pela regra de produzir exatamente a quantidade de uma mercadoria, nem mais nem menos, que pode ser vendida aos consumidores ou “absorvida na contabilidade” de outros setores por um preço que iguale o custo médio de produção. A primeira regra substitui o objetivo do produtor privado de maximizar seu lucro, enquanto os preços dos fatores e do produto são independentes do montante de cada fator utilizado e da escala de produção. Essa regra leva a que os fatores sejam combinados em tal proporção que a produtividade marginal daquele montante de cada fator que vale uma unidade de dinheiro seja a mesma para todos os fatores [25], e ademais, que a escala de produção de uma unidade  produtiva seja tal que iguale o custo marginal ao preço do produto. A segunda regra substitui a livre entrada de firmas num setor ou sua saída dele. Isso leva a uma igualdade entre o custo médio e o preço do produto. Ambas as regras juntas determinam o número de unidades de produção em cada setor. Para viabilizar que os gerentes de produção possam seguir essas regras, os preços dos fatores e dos produtos precisam ser dados. No caso dos bens de consumo e de serviços do trabalho eles são determinados em um mercado, em todos os outros casos eles são fixados pelo Conselho de Planejamento Central. Sendo estes preços dados, a oferta de produtos e a demanda por fatores ficam determinadas.

As razões para adotar as duas regras mencionadas são óbvias. Como os preços são indícios dos “termos nos quais alternativas são oferecidas”, o método e a escala de produção que minimiza o custo médio também minimiza as alternativas sacrificadas. Assim, a primeira regra significa simplesmente que cada mercadoria tem que ser produzida com um mínimo de sacrifício de alternativas. A segunda regra é uma consequência necessária de se seguir as preferências dos consumidores. Se a segunda regra não fosse cumprida certas preferências mais baixas seriam satisfeitas enquanto outras preferências mais altas seriam deixadas insatisfeitas.

(3) Sendo suposta a liberdade de escolha de ocupação, os trabalhadores oferecem seus serviços para o setor ou ocupação que paga os maiores salários. Para o capital de propriedade pública e para os recursos naturais um preço tem que ser fixado pelo Conselho de Planejamento Central com a provisão de que estes recursos possam ser direcionados apenas para os setores que são aptos a “pagar”, ou melhor a “contabilizar”, esse preço. Esta é uma consequência de se seguir as preferências dos consumidores. Os preços dos serviços dos derradeiros recursos produtivos sendo dados, sua distribuição entre os diferentes setores também está dada.

B. As condições subjetivas de equilíbrio podem ser cumpridas apenas quando os preços são dados. Isto também é verdade para as decisões dos gerentes de produção e de recursos produtivos públicos. Apenas quando os preços são dados é que podem ser determinados o custo médio mínimo, o nível de produção que iguala o custo médio e o preço do produto, e a melhor alocação dos derradeiros recursos produtivos. Mas se não há mercado (no sentido institucional da palavra) para bens de capital nem para os derradeiros recursos produtivos que não trabalho, seus preços podem ser determinados objetivamente? Afinal, os preços fixados pelo Conselho de Planejamento Central não precisam ser necessariamente arbitrários? Se for assim, o seu caráter arbitrário retiraria deles todo significado econômico de índices dos “termos em que alternativas são oferecidas”. Esta é, na verdade, a opinião do Professor Mises. [26] E essa visão é compartilhada pelo Sr. Cole, que diz: “Uma economia sem plano, na qual cada empreendedor toma sua decisão em separado dos demais, obviamente confronta cada empreendedor com uma ampla estrutura de custos dada, representada pelo nível corrente de salários, aluguéis e juros… Numa economia socialista planejada não pode haver estrutura objetiva de custos. Custos podem ser imputados em qualquer extensão desejada… Mas estes custos imputados não são objetivos, mas fiat costs determinados pela política pública do Estado.”[27] No entanto, esta visão é facilmente refutada ao recordarmos os próprios elementos da teoria do preço.

Por que há uma estrutura objetiva de preço num mercado competitivo? Porque, como resultado da função paramétrica dos preços, geralmente há somente um conjunto de preços que satisfaz as condições objetivas de equilíbrio, i.e. que iguala demanda e oferta de cada mercadoria. A mesma estrutura objetiva de preço pode ser obtida em uma economia socialista se a função paramétrica dos preços for mantida. Num mercado competitivo a função paramétrica dos preços resulta do fato de ser o número de indivíduos competidores muito grande para que qualquer um possa influenciar os preços pela sua própria ação. Numa economia socialista, sendo centralizada a produção e a propriedade dos recursos produtivos que não o trabalho, os gerentes certamente podem influenciar e de fato influenciam os preços pelas suas decisões. Portanto, a função paramétrica dos preços precisa ser imposta sobre eles pelo Conselho de Planejamento Central como uma regra contábil. Toda contabilidade precisa ser feita como se os preços fossem independentes das decisões tomadas. Para os propósitos de contabilidade, os preços precisam ser tratados como constantes, como eles são tratados pelos empreendedores em um mercado competitivo. A técnica para se chegar a isso é muito simples: o Conselho de Planejamento Central precisa fixar os preços e verificar que todos os gerentes das unidades de produção, setores e recursos façam sua contabilidade com base nos preços fixados pelo Conselho de Planejamento Central, e não tolerar o uso de qualquer outro sistema contábil. Adotando a função paramétrica dos preços como regra contábil, a estrutura de preços fica estabelecida pelas condições objetivas de equilíbrio. Para cada conjunto de preços e de rendas dos consumidores é ofertado e demandado um montante definido de cada mercadoria. A condição C determina as rendas dos consumidores pelos preços dos serviços dos derradeiros recursos produtivos e os princípios adotados para a distribuição do dividendo social. Dados esses princípios, os preços sozinhos são as variáveis determinando a demanda e a oferta das mercadorias. A condição de que a quantidade demandada e ofertada precisa ser igual para cada mercadoria serve para selecionar os preços de equilíbrio que por si só assegurem a compatibilidade entre todas as decisões tomadas. Qualquer preço diferente do preço de equilíbrio mostraria no final do período de contabilidade um excedente ou um déficit da mercadoria em questão. Assim, a contabilidade de preços em uma economia socialista, longe de ser arbitrária, tem o mesmo caráter objetivo que os preços de mercado em um regime de competição. Qualquer erro cometido pelo Conselho de Planejamento Central na fixação dos preços se autodemonstraria de um modo muito objetivo: por um déficit ou superávit físico na quantidade da mercadoria ou dos recursos em questão, e teria que ser corrigido para que a produção pudesse continuar sem percalços. Como geralmente só há um conjunto de preços que satisfaz as condições objetivas de equilíbrio, ambos os preços dos produtos e os custos[28] são determinados de maneira única. [29]

Nosso estudo sobre a determinação dos preços de equilíbrio em uma economia socialista mostrou que o processo de determinação dos preços é análoga àquele de um mercado competitivo. O Conselho de Planejamento Central realiza as funções do mercado. Ele estabelece as regras para combinar os fatores de produção e para escolher a escala de produção de uma unidade produtiva, para determinar a produção total de um setor, para a alocação de recursos e para o uso paramétrico dos preços na contabilidade. Finalmente, ele fixa os preços de tal modo a balancear a quantidade ofertada e demandada de cada mercadoria. Disso decorre que a substituição das funções do mercado pelo planejamento é possível e viável.

Dois problemas merecem alguma atenção especial. O primeiro tem a ver com a determinação da melhor distribuição do dividendo social. Assumindo liberdade de escolha de ocupação, a distribuição do dividendo social pode afetar os montantes de serviços do trabalho oferecidos em setores diferentes. Se certas ocupações recebessem dividendos sociais mais altos do que outras, o trabalho iria fluir para as ocupações recebendo maiores dividendos. Portanto, a distribuição do dividendo social tem que ser uma que não interfira na distribuição ótima de trabalho entre os diferentes setores e ocupações. A distribuição ótima é aquela que faz com que o valor do produto marginal dos serviços de trabalho nos diferentes setores e ocupações seja proporcional à desutilidade [30] marginal de se trabalhar nesses setores e ocupações. [31] Para assegurar isso, não apenas os salários mas também o dividendo social recebido pelos indivíduos precisam ter alguma relação com a desutilidade marginal do tipo particular de trabalho realizado. O dividendo social pago a cada indivíduo deve ser tal que não perturbe a proporcionalidade entre o preço de oferta dos diferentes serviços de trabalho e a desutilidade em realizá-los. Isso é realizável fazendo o dividendo social ser um percentual fixo da taxa de salário. Como resultado desse princípio de distribuição do dividendo social, as rendas em dinheiro ganhas em diferentes ocupações são proporcionais ao valor do produto marginal dos serviços do trabalho realizados por cada ocupação, mas não iguais a ele. Aquilo que em termos de renda em dinheiro excede o valor do produto marginal dos serviços do trabalho é o dividendo social.

O outro problema é a determinação da taxa de juros. Nós temos que distinguir entre uma solução de curto prazo e uma de longo prazo para o problema. Para o primeiro caso o montante de capital é considerado constante e a taxa de juros é simplesmente determinada pela condição de que a demanda por capital seja igual ao montante disponível. Quando a taxa de juros é colocada muito baixa, o sistema bancário socializado fica incapaz de atender à demanda dos setores por capital; quando a taxa de juros é colocada muito alta um excesso de capital fica disponível para investimento. No entanto, no longo prazo o montante de capital pode ser aumentado por acumulação. Se a acumulação de capital é realizada “corporativamente” antes da distribuição do dividendo social aos indivíduos, a taxa de acumulação pode ser determinada pelo Conselho de Planejamento Central arbitrariamente. O Conselho de Planejamento Central vai provavelmente buscar acumular um tanto que faça a produtividade marginal líquida do capital ser zero, [32] e esta meta nunca será atingida devido ao progresso técnico (aparelhos que poupam trabalho), do aumento da população e da descoberta de novos recursos naturais, e, possivelmente, por causa da mudança da demanda em direção a mercadorias produzidas com métodos mais intensivos em capital. Entretanto, a taxa – i.e. velocidade com a qual a acumulação progride – é arbitrária. A arbitrariedade da taxa de acumulação de capital realizada “corporativamente” significa simplesmente que a decisão a respeito da taxa de acumulação reflete como o Conselho de Planejamento Central, e não os consumidores, avaliam o formato temporal ótimo do fluxo de renda. Alguém poderia argumentar, é claro, que isso envolve uma diminuição do bem estar dos consumidores. Esta dificuldade poderia ser superada apenas se toda acumulação fosse deixada para a poupança dos indivíduos. [33] Mas isso é escassamente compatível com a organização de uma sociedade socialista. A perda de seu poder de determinar a taxa de acumulação de capital é o preço que o consumidor tem que pagar para viver em uma sociedade socialista. [34] Parece-nos que esse preço seria bem mais que compensado pelas vantagens que uma economia socialista oferece, mas a discussão deste ponto fica postergada.

Tendo tratada a determinação teórica do equilíbrio econômico em uma sociedade socialista, vejamos como o equilíbrio pode ser determinado por um método de tentativa e erro similar àquele em um mercado competitivo. Esse método de tentativa e erro é baseado na função paramétrica dos preços. O Conselho de Planejamento Central inicia escolhendo um conjunto de preços selecionado aleatoriamente. Todas as decisões dos gerentes de produção e dos recursos produtivos sob propriedade pública e também todas as decisões dos indivíduos como consumidores e ofertantes de trabalho são feitas com base nesses preços. Como resultado dessas decisões, a quantidade demandada e ofertada de cada mercadoria é determinada. Se a quantidade demandada por uma mercadoria não for igual à quantidade ofertada, o preço dessa mercadoria terá que ser mudado. Ele terá que ser elevado se a demanda exceder a oferta e baixado em caso contrário. Assim, o Conselho de Planejamento Central fixa um novo conjunto de preços que serve como base para novas decisões, e que resulta em um novo conjunto de quantidades demandadas e ofertadas. Por meio desse processo de tentativa e erro os preços de equilíbrio finalmente são finalmente determinados. Na verdade, o processo de tentativa e erro procederia, é claro, com base nos preços historicamente dados. Ajustes relativamente pequenos desses preços seriam realizados constantemente, e não haveria necessidade de se construir todo um novo sistema de preços.

Esse processo de tentativa e erro foi descrito de maneira excelente pelo falecido Professor Fred M. Taylor. Ele supõe que os administradores de uma economia socialista atribuiriam valores provisórios aos fatores de produção (assim como a todas as outras mercadorias) e continua: “Se, ao regular processos produtivos, as autoridades estivessem usando efetivamente uma valoração para qualquer fator particular que fosse muito alta ou muito baixa, esse fato se revelaria em breve de modo inconfundível. Assim, supondo que, no caso de um fator particular, a valoração… fosse muito alta, esse fato levaria inevitavelmente as autoridades a ser indevidamente econômicas no uso desse fator; e essa conduta, por sua vez, faria o montante desse fator que estava disponível no período corrente ser maior do que o montante que foi consumido nesse período. Em outras palavras, uma valoração muito alta de qualquer fator faria o estoque desse fator mostrar um superávit no final do período produtivo.”[35] Similarmente, uma valoração muito baixa causaria um déficit no estoque desse fator. “Superávit ou déficit – um ou outro seriam o resultado de toda valoração errada de um fator”[36]. Os preços contábeis corretos são encontrados por uma série de tentativas sucessivas.

Portanto, os preços para contabilidade podem ser determinados pelo mesmo processo de tentativa e erro por meio do qual os preços são determinados em um mercado competitivo. Para determinar os preços o Conselho de Planejamento Central não precisa ter “listas completas das diferentes quantidades de todas as mercadorias que seriam compradas a qualquer combinação possível de preços das diferentes mercadorias que poderiam estar disponíveis.”[37] E nem o Conselho de Planejamento Central teria que resolver centenas de milhares (como estima o Professor Hayek [38]) ou milhões (como pensa o Professor Robbins [39]) de equações. As únicas “equações” que teriam que ser “resolvidas” seriam aquelas dos consumidores e dos gerentes das unidades de produção. Estas são exatamente as mesmas “equações” que são resolvidas no sistema econômico presente e as pessoas que fazem a “resolução” são também as mesmas. Os consumidores “resolvem” essas equações gastando sua renda de tal modo a obter dela a máxima utilidade total; e os gerentes dos planos de produção “resolvem” as mesmas ao encontrar a combinação dos fatores e a escala de produção que minimiza o custo médio. Eles as “resolvem” por um método de tentativa e erro, fazendo (ou imaginando) pequenas variações na margem, como Marshall costumava dizer, e observando que efeitos essas variações têm ou sobre a utilidade total ou no custo médio de produção. E apenas alguns deles têm graduação em matemática avançada. O Professor Hayek e o Professor Robbins, eles mesmos “resolvem” ao menos centenas de equações diariamente, por exemplo, comprando um jornal ou decidindo almoçar em um restaurante, e presumivelmente eles não usam determinantes ou Jacobianas para isso. Além disso, cada empreendedor que contrata ou dispensa um trabalhador, ou que compra um fardo de algodão também “resolve equações”. Exatamente as mesmas “equações”, nem mais nem menos, precisam ser “resolvidas” em uma economia socialista e exatamente os mesmos tipos de pessoas, os consumidores e os gerentes das unidades de produção, precisam “resolvê-las”. Para estabelecer os preços como parâmetros que servem às pessoas “resolvendo equações”, nenhuma matemática é necessária. Também não é necessário nenhum conhecimento sobre as funções de demanda e oferta. Os preços certos são simplesmente encontrados ao se observar as quantidades demandas e as quantidades ofertadas e ao aumentar o preço de uma mercadoria ou serviço sempre que houver um excesso de demanda em relação à oferta e ao baixá-lo sempre que o inverso for o caso, até que, por tentativa e erro, o preço que coloca demanda e oferta em balanço é encontrado.

Como nós vimos, não há a menor razão porque um procedimento de tentativa e erro, similar àquele em um mercado competitivo, não possa funcionar numa economia socialista para determinar os preços para a contabilidade dos bens de capital e dos recursos produtivos sob propriedade pública. De fato, parece que ele funcionaria, ou pelo menos poderia funcionar, muito melhor em uma economia socialista do que em um mercado competitivo, pois o Conselho de Planejamento Central tem um conhecimento muito mais vasto sobre o que está se passando em todo o sistema econômico do que qualquer empreendedor privado jamais vai ter; e, consequentemente, ele pode alcançar os preços corretos de equilíbrio por uma série muito menor de tentativas sucessivas em comparação com o que o mercado competitivo realmente faz. [40] O argumento de que os preços para a contabilidade dos bens de capital e dos recursos produtivos sob propriedade pública não podem ser determinados objetivamente, ou porque isso seria teoricamente impossível, ou porque não haveria um procedimento adequado de tentativa e erro disponível, não pode ser mantido. Em 1911 o Professor Taussig classificou como sendo “de pouco peso” o argumento de que “os bens não poderiam ser valorados” entre as objeções ao socialismo. [41] Depois de todas as discussões desde aquela época, não se pode encontrar qualquer razão para mudar essa opinião.

4. Uma generalização da teoria precedente

O procedimento de tentativa e erro descrito também é aplicável em um sistema socialista onde não existe liberdade de escolha no consumo e na ocupação e onde a alocação de recursos, ao invés de ser dirigida pelas preferências dos consumidores, é dirigida pelas metas e valorações da burocracia responsável pela administração do sistema econômico. Em tal sistema o Conselho de Planejamento Central decide quais mercadorias devem ser produzidas e em quais quantidades, sendo os bens de consumo administrados aos cidadãos por racionamento e as várias ocupações preenchidas por designação. Nesse tipo de sistema também é possível contabilidade econômica racional, só que o sistema contábil reflete as preferências dos burocratas no Conselho de Planejamento Central ao invés das dos consumidores. O Conselho de Planejamento Central tem que fixar uma escala de preferências que serve como base para a valoração dos bens de consumo. A construção de tal escala de preferência não é de modo algum uma impossibilidade prática. O consumidor em um mercado competitivo nunca está em dúvida sobre o que escolher se os os preços das mercadorias forem dados, apesar de que ele certamente acharia impossível escrever no papel a fórmula matemática de sua função utilidade (ou melhor, preferência). Similarmente, o Conselho de Planejamento Central não precisa elaborar uma fórmula matemática de suas preferências. Por simples julgamento ele atribuiria, por exemplo, a um chapéu a valoração de dez unidades monetárias, quando 100,000 chapéus são produzidos mensalmente, enquanto que ele atribuiria uma valoração de oito unidades monetárias a um chapéu quando fossem produzidos 150,000 chapéus por mês.

Sendo dada a escala de preferência do Conselho de Planejamento Central, os preços, que nesse caso são todos preços contábeis, são determinados exatamente da mesma maneira que antes. O Conselho de Planejamento Central tem que impor aos gerentes das unidades de produção a regra de que a combinação dos fatores de produção e a escala de produção devem ser escolhidas de modo a produzir exatamente a quantidade de uma mercadoria que possa ser “absorvida na contabilidade” pelo preço que equaliza com o custo médio, e aos gerentes dos derradeiros recursos produtivos deve ser imposta a regra de direcionar tais recursos apenas para os setores que os possam “absorver contabilmente” pelo preço fixado pelo Conselho de Planejamento Central. As duas últimas regras eram anteriormente consequências de se seguir as preferências dos consumidores, agora elas são consequências de se manter a escala de preferências fixadas pelo Conselho de Planejamento Central. Portanto, elas são regras que fazem as decisões dos gerentes de produção e dos recursos produtivos serem consistentes com os objetivos definidos pelo Conselho de Planejamento Central. Em outras palavras: elas são regras de consistência interna da economia planejada. A primeira regra assegura eficiência no cumprimento do plano. Finalmente, o Conselho de Planejamento Central tem que impor a função paramétrica dos preços contábeis fixados por ele mesmo e fixá-los de tal modo a balancear a quantidade ofertada e a quantidade demandada de cada mercadoria. A fixação do preço pode ser feita por tentativa e erro, exatamente como no caso estudado anteriormente, e os preços de equilíbrio assim fixados tem um significado objetivo definido. Os preços são “planejados” à medida em que a escala de preferência é fixada pelo Conselho de Planejamento Central; mas uma vez que a escala é fixada, eles ficam determinados. Qualquer preço diferente do preço de equilíbrio deixaria ao final do período contábil um superávit ou um déficit da mercadoria em questão e prejudicaria o fluxo suave do processo de produção. O uso dos preços contábeis corretos é vital para evitar distúrbios no curso físico da produção e esses preços são longes de serem arbitrários.

 A determinabilidade dos preços contábeis ocorre, no entanto, apenas se todas as discrepâncias entre demanda e oferta de uma mercadoria são acompanhadas por uma mudança apropriada em seu preço. Assim, com exceção da distribuição de bens de consumo para os cidadãos, o racionamento deve ser excluído como um método de igualar oferta e demanda. Se o racionamento for usado para esse propósito os preços se tornam arbitrários. Mas é interessante observar que, mesmo se o racionamento for usado, dentro de certos limites, há uma tendência para produzir as mesmas quantidades de mercadorias que seriam produzidas se todos os ajustes entre demanda e oferta fossem feitos exclusivamente por fixação de preços. Se, por exemplo, o preço contábil for posto muito baixo, há um excesso de demanda em relação à oferta. O Conselho de Planejamento Central teria que interferir nesse caso e ordenar ao setor produzindo a mercadoria em questão que aumentasse sua produção total, e ao mesmo tempo ordenar aos setores que usam essa mercadoria como fator de produção que sejam mais econômicos no seu uso. [42] Assim, o método de racionamento leva, por uma aproximação muito grosseira, ao ponto para onde a fixação do preço de equilíbrio teria levado. Mas se o racionamento se torna um procedimento geral, as regras enumeradas acima param de ser índices confiáveis da consistência entre as decisões dos gerentes de produção e os objetivos estabelecidos pelo plano. A consistência dessas decisões com o plano podem ser, ao invés, medidas ao fixar quotas de produção e compará-las com a realização factual (como é feito na União Soviética). Contudo, não há como mensurar a eficiência no cumprimento do plano sem um sistema de preços contábeis que satisfaça as condições objetivas de equilíbrio, porque a regra para produzir ao custo médio mínimo não tem significado a respeito dos objetivos do plano a não ser que os preços representem a escassez relativa dos fatores de produção. [43]

Ao demonstrar a consistência econômica e a capacidade de funcionamento de uma economia socialista sem livre escolha no consumo ou ocupação, mas, ao invés disso, dirigida por uma escala de preferências imposta pelos burocratas no Conselho de Planejamento Central, nós não intencionamos, é claro, recomendar tal sistema. O Sr. Lerner mostrou suficientemente o caráter antidemocrático de tal sistema e sua incompatibilidade com os ideais do movimento socialista. [44] Tal sistema dificilmente seria tolerado por qualquer povo civilizado. Uma distribuição de bens de consumo por racionamento foi possível na União Soviética em uma época em que o padrão de vida estava no mínimo fisiológico e um aumento da ração de qualquer alimento, roupa ou alojamento era bem-vindo, não importando o quanto fosse. Mas assim que a renda nacional aumentou o suficiente, o racionamento foi abandonado, para ser substituído em grande parte por um mercado de bens de consumo. E, salvo algumas exceções, sempre havia liberdade de escolha de ocupação na União Soviética. Uma distribuição de bens de consumo por racionamento é inimaginável nos países da Europa Ocidental ou nos Estados Unidos.

No entanto, a liberdade de escolha no consumo não implica que a produção seja realmente guiada pelas escolhas dos consumidores. Pode-se muito bem imaginar um sistema em que a produção e a alocação de recursos sejam guiadas por uma escala de preferências fixada pelo Conselho Central de Planejamento, enquanto o sistema de preços é usado para distribuir os bens de consumo produzidos. Em tal sistema há liberdade de escolha no consumo, mas os consumidores não têm qualquer influência nas decisões dos gestores da produção e dos recursos produtivos. [45] Haveria dois conjuntos de preços de bens de consumo. Um seriam os preços de mercado pelos quais os bens são vendidos aos consumidores; o outro, os preços contábeis derivados da escala de preferências fixada pelo Conselho de Planejamento Central. Estes últimos seriam os preços com base nos quais os gerentes de produção tomariam suas decisões. No entanto, não parece muito provável que tal sistema fosse tolerado pelos cidadãos de uma comunidade socialista. O sistema dual de preços dos bens de consumo revelaria ao povo que os burocratas do Conselho de Planejamento Central alocam os recursos produtivos da comunidade segundo uma escala de preferência diferente da dos cidadãos. A existência de um sistema dual de preços de bens de consumo dificilmente poderia ser ocultada do povo, especialmente se existisse uma instituição (como a Inspeção Operária e Camponesa na União Soviética [46]) dando ao cidadão comum o direito de bisbilhotar os livros-caixa e a gestão dos recursos da comunidade. Em consequência, os preços contabilísticos dos bens de consumo só poderiam desviar-se dos preços de mercado em casos excepcionais em que haja um consenso geral de que tal desvio é do interesse do bem-estar social. Por exemplo, pode-se concordar que o consumo de uísque deve ser desencorajado enquanto a leitura das obras de Karl Marx, ou da Bíblia (ou de ambos, como certamente seria o caso em uma comunidade anglo-saxônica), deve ser encorajado, e os preços dessas coisas seriam fixados de acordo. Mas essas coisas acontecem também na sociedade capitalista. Se os burocratas quiserem impor com sucesso uma escala de preferência própria para orientar a produção, eles têm que camuflar a inconsistência de sua escala de preferência com a dos cidadãos recorrendo ao racionamento na esfera dos bens de produção e dos recursos. [47] Assim, uma comunidade socialista que tenha sido capaz de impor o princípio de que o racionamento deve ser excluído e a fixação de preços usada como o único método de equilibrar as quantidades demandadas e as quantidades ofertadas, [48] pode estar bastante confiante de que será capaz de assegurar que o Conselho de Planejamento Central siga as preferências dos consumidores.


Parte Dois

5. A posição do economista em favor do socialismo

As regras de consistência das decisões e de eficiência na sua execução em uma economia socialista são exatamente as mesmas que governam o comportamento real dos empreendedores em um mercado puramente competitivo. A concorrência força os empreendedores a agir exatamente como teriam que agir se eles fossem gerentes de produção em um sistema socialista. O fato de a livre concorrência tender a impor regras de comportamento semelhantes àquelas de uma economia planejada ideal faz com que a competição seja a ideia favorita do economista. Mas se a concorrência impõe as mesmas regras de alocação de recursos que teriam de ser aceitas em uma economia socialista racionalmente conduzida, de que adianta se preocupar com o socialismo? Por que mudar todo o sistema econômico se exatamente o mesmo resultado pode ser alcançado dentro do sistema atual, se ao menos ele pudesse ser forçado a manter o padrão competitivo?

A analogia entre a distribuição de recursos em um capitalismo competitivo e uma economia socialista é, no entanto, puramente formal. Os princípios formais são os mesmos, mas a distribuição real pode ser bem diferente. Essa diferença se deve a duas características que distinguem uma economia socialista de um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e na empresa privada.

Uma característica é a distribuição de renda (condição C na determinação de equilíbrio econômico). Somente uma economia socialista pode distribuir renda de tal modo a atingir o máximo de bem-estar social. Em qualquer sistema com propriedade privada dos meios de produção, a distribuição de renda é determinada pela distribuição da propriedade dos recursos produtivos derradeiros. Essa distribuição é um dado histórico que se origina independentemente de exigências da maximização do bem-estar social. Por exemplo, a distribuição da propriedade fundiária é diferente em países onde as grandes propriedades rurais da época feudal foram fragmentadas pelas revoluções burguesas e camponesas do que onde elas foram deixadas intactas. Sob o capitalismo, a distribuição de propriedade dos recursos produtivos derradeiros é muito desigual, uma grande parte da população possui apenas sua força de trabalho. Sob tais condições, o preço de demanda não reflete a urgência relativa das necessidades de diferentes pessoas [49] e a alocação de recursos determinada pelo preço de demanda oferecido pelos bens de consumo está longe de atingir o máximo de bem-estar. Enquanto alguns estão morrendo de fome, outros podem se entregar ao luxo. Em uma sociedade socialista, a renda dos consumidores poderia ser determinada de modo a maximizar o bem-estar total de toda a população.

Pressupondo livre escolha no consumo e livre escolha de ocupação, a distribuição de renda maximizando o bem-estar total da sociedade tem que satisfazer as duas condições seguintes: (1) a distribuição tem de ser tal que o mesmo preço de demanda oferecido por diferentes consumidores represente uma necessidade de igual urgência; isso é alcançado se a utilidade marginal da renda for a mesma para todos os consumidores; (2) a distribuição deve levar a tal repartição do trabalho entre as diferentes ocupações de modo a tornar as diferenças no valor do produto marginal do trabalho nas várias ocupações iguais às diferenças na desutilidade marginal envolvida na perseguição por certa ocupação. [50] Supondo que as curvas de utilidade marginal da renda sejam as mesmas para todos os indivíduos, a condição (1) é satisfeita quando todos os consumidores têm a mesma renda. Mas a condição (2) requer uma diferenciação de rendas, uma vez que, para garantir a repartição do trabalho necessário, as diferenças na desutilidade marginal das várias ocupações têm de ser compensadas por diferenças de rendimentos. A contradição, no entanto, é apenas aparente. Ao colocar lazer, segurança, afabilidade no trabalho, etc., nas escalas de utilidade dos indivíduos, a desutilidade de qualquer ocupação pode ser representada como custo de oportunidade. A escolha por uma ocupação que ofereça um rendimento monetário mais baixo, mas também uma menor desutilidade, pode ser interpretada como a compra de lazer, segurança, afabilidade no trabalho, etc., por um preço igual à diferença da renda em dinheiro ganho nessa ocupação específica e em outras. Assim as diferenças de rendimentos exigidos pela condição (2) são apenas aparentes. Elas representam preços pagos pelos indivíduos por diferentes condições de trabalho. Em vez de anexar às várias ocupações diferentes rendimentos monetários, a administração de uma economia socialista pode pagar a qualquer cidadão a mesma renda em dinheiro e cobrar um preço para o exercício de cada ocupação. Torna-se óbvio que não só não há contradição entre ambas as condições, como também a condição (2) é necessária para satisfazer a condição (1). [51]

Nosso argumento vale estritamente se a curva de utilidade marginal da renda for a mesma para todos os indivíduos. [52] É claro que isso não corresponde à realidade, e alguém poderia pensar em levar em conta as diferenças entre as curvas de utilidade marginal da renda de diferentes indivíduos, concedendo maiores rendimentos às pessoas mais “sensíveis”. Mas como diferenças de “sensibilidade” não podem ser medidas, o esquema seria impraticável. Além disso, as diferenças de “sensibilidade” existentes na sociedade atual devem-se principalmente às barreiras sociais entre as classes, por exemplo, um conde húngaro sendo mais “sensível” do que um camponês húngaro. Tais diferenças desapareceriam na estratificação social relativamente homogênea de uma sociedade socialista e todas as diferenças quanto à “sensibilidade” seriam de caráter puramente individual. Essas diferenças individuais podem ser assumidas como sendo distribuídas de acordo com a lei normal de erro. [53] Assim, baseando a distribuição de rendimentos no pressuposto de que todos os indivíduos têm a mesma curva de utilidade marginal da renda, uma sociedade socialista acertaria a média correta estimando a urgência relativa das necessidades das diferentes pessoas, deixando apenas erros aleatórios, enquanto a distribuição de renda na sociedade capitalista introduz um erro constante – um viés de classe em favor dos ricos.

A outra característica que distingue uma economia socialista de uma economia baseada na iniciativa privada é a abrangência dos itens que entram no sistema de preços. O que entra no sistema de preços depende do conjunto de instituições dadas historicamente. Como o Professor Pigou mostrou, há frequentemente uma divergência entre o custo privado suportado por um empresário e o custo social de produção. [54] Na conta de custos do empresário privado entram apenas os itens pelos quais ele tem que pagar um preço, enquanto itens como a manutenção dos desempregados que surgem quando ele dispensa trabalhadores, a provisão para as vítimas de doenças profissionais e acidentes de trabalho, etc., não entram, ou, como o professor J. M. Clark demonstrou, são desviados para custos sociais indiretos. [55] Por outro lado, há os casos em que produtores prestam serviços que não estão incluídos no preço do produto. Um sistema econômico baseado na iniciativa privada pode apenas muito imperfeitamente levar em conta as alternativas sacrificadas e realizadas na produção. Alternativas mais importantes, como a vida, a segurança e a saúde dos trabalhadores, são sacrificadas sem serem contabilizadas como custos de produção. Uma economia socialista seria capaz de colocar todas as alternativas em sua contabilidade econômica. Por isso, avaliaria todos os serviços prestados pela produção e levaria em conta todas as alternativas sacrificadas; como resultado, também seria capaz de converter seus custos indiretos sociais em custos primários. Ao fazê-lo evitaria muito do desperdício social ligado à iniciativa privada. Como o Professor Pigou mostrou, muitas dessas perdas podem ser removidas por legislação adequada, tributação, e recompensas também dentro da estrutura do atual sistema econômico, mas uma economia socialista pode fazê-lo com muito mais rigor.

Como resultado da possibilidade de levar em conta todas as alternativas, uma economia socialista não estaria sujeita às flutuações do ciclo de mercado. Qualquer que seja a explicação teórica para o ciclo de mercado, essa contração cumulativa da demanda e da produção causada por uma redução cumulativa do poder de compra poderia ser interrompido em uma economia socialista. Em uma economia socialista pode haver, é claro, erros graves e má orientação dos investimentos e produção. Não obstante, tais desorientações não precisam levar ao encolhimento da produção e ao espalhamento do desemprego dos fatores de produção por todo o sistema econômico. Um empresário privado tem que fechar sua fábrica quando incorre em graves perdas. Em uma economia socialista, um erro também é um erro, e deve ser corrigido. Porém, ao fazer a correção, todas as alternativas ganhas e sacrificadas podem ser levadas em consideração, e não há necessidade de corrigir perdas numa parte do sistema econômico por um procedimento que cria ainda mais perdas pelo efeito secundário de uma contração cumulativa da demanda e pelo desemprego dos fatores de produção. Os erros podem ser localizados, uma superprodução parcial não precisa se transformar em uma superprodução geral. [56] Assim o teórico do ciclo de mercado perderia seu objeto de estudo em uma economia socialista, mas o conhecimento acumulado por ele ainda seria útil para descobrir os caminhos para prevenir erros e encontrar métodos de corrigi-los, caso sejam cometidos, de modo a não levar a mais perdas.

A possibilidade de determinar a distribuição de renda de forma a maximizar o bem-estar social e de levar em conta todas as alternativas econômicas torna uma economia socialista, do ponto de vista do economista, superior a um regime competitivo com propriedade privada dos meios de produção e iniciativa privada, [57] mas especialmente superior a uma economia capitalista competitiva em que grande parte dos participantes do sistema econômico está privado de qualquer propriedade de recursos produtivos que não o seu trabalho. No entanto, o sistema capitalista atual não é de concorrência perfeita; ele é um sistema onde prevalece o oligopólio e a concorrência monopolista. Isso agrega um argumento muito mais poderoso à posição do economista em favor do socialismo. Os desperdícios da competição monopolista receberam tanta atenção na literatura teórica recente que não há necessidade de repetir os argumentos aqui. O sistema capitalista está muito distante do modelo de economia competitiva elaborado pela teoria econômica, e mesmo que o sistema capitalista tivesse conformidade com o modelo, ele estaria longe de maximizar o bem-estar social. Só uma economia socialista pode satisfazer plenamente a afirmação feita por muitos economistas em relação às conquistas da livre concorrência. A analogia formal, no entanto, entre os princípios de distribuição de recursos em um regime socialista e um regime competitivo de empresa privada faz com que a técnica científica da teoria do equilíbrio econômico, que foi elaborada para o último, também seja aplicável ao primeiro. O sistema capitalista real é muito melhor descrito pela análise da Sra. Robinson e do Professor Chamberlin do que pelo de Walras e de Marshall. Mas o trabalho dos dois últimos será mais útil para resolver os problemas de um sistema socialista. Como resultado, o professor Chamberlin e a Sra. Robinson correm o risco de perder seus empregos sob o socialismo, a menos que eles concordem em ser transferidos para o departamento de história econômica para fornecer aos estudantes de história o aparato teórico necessário para compreender o que parecerá a uma geração futura como mania e loucura de uma época passada.

Contra essas vantagens de uma economia socialista, o economista pode elencar a desvantagem resultante da arbitrariedade da taxa de acumulação de capital, se a acumulação for realizada “corporativamente”. Uma taxa de acumulação que não reflete as preferências dos consumidores quanto ao formato do fluxo temporal de renda pode ser considerada como uma diminuição de bem-estar, mas parece que esta deficiência pode ser considerada como sendo compensada pelas vantagens enumeradas. Além disso, a poupança também está determinada apenas em parte por puras considerações de utilidade na atual ordem econômica, e a taxa de poupança é muito mais afetada pela distribuição de renda, que é irracional do ponto de vista do economista. Além disso, como o Sr. Robertson já demonstrou [58], e o Sr. Keynes elaborou em sua análise sobre os fatores determinantes do volume total de emprego, [59] a tentativa de poupar feita pelo público em uma economia capitalista pode ser frustrada por não ser seguida por uma taxa adequada de investimento, de modo que a propensão das pessoas a poupar resulta em aumento da pobreza, em vez de riqueza. Assim, a taxa de acumulação determinada “corporativamente” em uma sociedade socialista pode vir a ser, do ponto de vista econômico, muito mais racional do que a taxa real de poupança na sociedade capitalista. Há também o argumento que pode ser levantado contra o socialismo em relação à eficiência dos funcionários públicos em comparação com os empresários privados como gerentes de produção. A rigor, esses funcionários públicos devem ser comparados com os funcionários das corporações sob o capitalismo, e não com os empreendedores de pequeno porte. Assim, o argumento perde muito de sua força. A discussão deste argumento pertence ao campo da sociologia e não da teoria econômica e, portanto, deve ser dispensada aqui. Isso não significa, porém, negar sua grande importância. Parece-nos, com efeito, que o perigo real do socialismo é o da burocratização da vida econômica, e não a impossibilidade de lidar com o problema da alocação de recursos. Infelizmente, não vemos como o mesmo ou até maior perigo pode ser evitado sob o capitalismo monopolista.

No entanto, o ponto realmente importante na discussão dos méritos econômicos do socialismo não é comparar a posição de equilíbrio de uma economia socialista com a de uma economia capitalista com respeito ao bem-estar social. Mesmo sendo tal comparação interessante para o teórico econômico, esta não é a questão real na discussão sobre o socialismo. A verdadeira questão é se a continuação da manutenção do sistema capitalista é compatível com o progresso econômico. Os socialistas são os últimos a negar que o capitalismo tem sido o portador do maior progresso econômico já testemunhado na história da raça humana. De fato, quase não houve um elogio mais entusiástico às conquistas revolucionárias do sistema capitalista do que aquele contido no Manifesto Comunista. A burguesia, afirma o Manifesto, “mostrou primeiro o que a atividade humana pode realizar. Ela realizou maravilhas que superam em muito as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas; ela conduziu expedições que obscureceram todos os antigos êxodos de nações e cruzadas. […] A burguesia, pelo rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de produção, pelos meios de comunicação imensamente facilitados, puxa todos, mesmo as nações bárbaras, para a civilização […] A burguesia, durante seu governo de apenas cem anos, criou forças produtivas mais massivas e colossais do que todas as gerações anteriores juntas. Sujeição das forças da Natureza ao ser humano, maquinaria, aplicação da química à indústria e agricultura, navegação a vapor, ferrovias, telégrafos elétricos, limpeza de continentes inteiros para cultivo, canalização de rios, populações inteiras levantadas do solo – que século anterior tinha sequer um pressentimento de que tais forças produtivas estavam adormecidas no seio do trabalho social?” A questão surge, no entanto, sobre se as instituições de propriedade privada dos meios de produção e da iniciativa privada continuarão indefinidamente a promover o progresso econômico ou se, em certo estágio de desenvolvimento técnico, elas deixam de ser promotoras para se tornarem grilhões de um avanço maior. Os socialistas argumentam que se trata deste segundo caso.

O progresso econômico sem precedentes dos últimos 200 anos se deve a inovações aumentando a produtividade de uma dada combinação de fatores de produção, ou criando novas mercadorias e serviços. Os efeitos de tais inovações sobre os lucros da iniciativa privada são dois: (1) o empresário que introduz uma inovação ganha um lucro ou aumento de lucro imediato, embora apenas temporário, sob livre concorrência; (2) os empresários que continuam usando os meios de produção antiquados, ou produzindo bens concorrentes que são substituídos pelos rivais barateados, sofrem perdas que acabam levando a uma desvalorização do capital investido em seus negócios; por outro lado pode haver empresários que lucram com a nova demanda criada em consequência da inovação. De qualquer forma, cada inovação está necessariamente conectada com uma perda de valor de certos investimentos antigos. Em regime competitivo, com a função paramétrica dos preços e com a livre entrada de novas firmas em cada setor, empresários e investidores têm que se submeter às perdas e desvalorização de antigos investimentos resultantes de inovações, pois não há possibilidade de agir contra isso. A única maneira é tentar introduzir inovações em seu próprio negócio, o que, por sua vez, inflige prejuízos a outros. Mas quando as unidades empresariais tornam-se tão grandes que tornam ineficazes a função paramétrica dos preços e a possibilidade de entrada livre de novas empresas (e investimentos) no setor, surge uma tendência para evitar uma desvalorização do capital investido. Uma empresa privada, a menos que forçada pela concorrência a fazer de outra forma, introduzirá inovações somente quando o antigo capital investido for amortizado, ou se a redução de custo for tão pronunciada que compense a desvalorização do capital já investido, ou seja, se o custo total médio for inferior ao custo médio de produção com as máquinas ou equipamentos antigos. Mas tal desaceleração do progresso técnico é contra o interesse social. [60] A tendência de manutenção do valor dos investimentos existentes torna-se ainda mais poderosa quando a propriedade do capital investido é separada da função empreendedora, como é cada vez mais o caso no chamado moderno capitalismo financeiro, pois a empresa industrial tem que substituir o valor integral do capital investido ou falir. Isto é estritamente verdadeiro se o financiamento da empresa foi feito por meio de emissões de títulos, mas mesmo que tenha sido feito por meio de ações, um declínio acentuado das cotações das ações prejudica seu prestígio financeiro.

Mas a manutenção do valor do capital investido não é compatível com inovações de redução de custos. Isso foi apontado de forma muito brilhante pelo Professor Robbins: “A manutenção do valor do capital investido pode muito bem significar que os produtores que encontram perspectivas em um setor mais atraente do que as perspectivas em qualquer outro são impedidos de entrar nele, que as melhorias técnicas de redução de custos que barateariam muito a mercadoria para os consumidores são retidas, que a ‘concorrência esbanjadora’ de pessoas que se contentam em servir o consumidor com retornos mais baixos do que antes é impedida de reduzir os preços. Todo estudante sabe que a barateza que vem da importação de milho é incompatível com a manutenção do valor das terras que seriam cultivadas se a importação fosse restringida. Os chavões da teoria do comércio internacional não perdem nada do seu vigor se forem aplicadas à concorrência interna. O argumento, por exemplo, que o transporte rodoviário diminui o valor do capital ferroviário tem tanto e tão pouca força quanto o argumento de que comida barata reduz o valor da propriedade agrícola… Progresso econômico, no sentido de barateamento de mercadorias, não é compatível com a preservação do valor já investido em setores específicos.”[61] Portanto, quando a manutenção do valor do capital já investido torna-se a principal preocupação dos empresários, o progresso econômico tem que parar, ou, pelo menos, desacelerar consideravelmente. E no capitalismo atual a manutenção do valor de determinado investimento tornou-se, de fato, a principal preocupação. Nesse sentido, intervencionismo e restricionismo são as políticas econômicas dominantes. [62] Mas uma vez que as inovações reduzem muito frequentemente o valor do capital em outras empresas ou setores e não naquela que as introduz, as inovações não podem ser paralisadas por completo. Quando a pressão por novas inovações se torna tão forte a ponto de destruir o valor artificialmente preservado dos antigos investimentos, o resultado é um terrível colapso econômico. A estabilidade do sistema capitalista é abalada pela alternância de tentativas de deter o progresso econômico para proteger investimentos antigos e colapsos tremendos ocorrem quando essas tentativas falham. A crescente instabilidade das condições de negócios só pode ser remediada ou desistindo das tentativas de proteger o valor de investimentos antigos ou efetivamente paralisando novas inovações.

Mas conter o progresso técnico envolveria o sistema capitalista em um novo conjunto de dificuldades por que a acumulação de capital não encontraria oportunidades de investimento rentáveis. Sem progresso técnico (do tipo que economiza trabalho), sem descoberta de novos recursos naturais ou aumento considerável da população (e os dois últimos não são suficientes em nossos dias para contrabalançar a falta do primeiro) a produtividade marginal líquida do capital é suscetível de atingir nível insuficiente para compensar a preferência pela liquidez por parte dos detentores de capital. Esse resultado será ainda mais acentuado quando uma parte dos setores tiver uma posição de monopólio que lhes permita proteger o valor de seus investimentos, pois se o capital encontra livre entrada apenas nos setores onde a concorrência ainda permanece livre, a produtividade líquida marginal do capital diminui muito mais do que se o caso fosse outro. Conforme substanciado pela análise brilhante do Sr. Keynes, [63] isso levaria a uma pressão deflacionária resultando em desemprego crônico dos fatores de produção. Para prevenir esse desemprego crônico, o Estado teria que realizar grandes investimentos públicos, substituindo assim o capitalista privado onde este se recusa a empreender devido à baixa taxa de retorno do investimento. A menos que a acumulação de capital seja efetivamente proibida, o Estado teria que substituir os capitalistas privados cada vez mais em sua função de investidores. Assim o sistema capitalista parece enfrentar um dilema inescapável: travar o progresso técnico conduz, pelo esgotamento das oportunidades de investimento lucrativo, a um estado de desemprego crônico que só pode ser remediado por uma política de investimentos públicos em escala cada vez maior, enquanto a continuidade do progresso técnico leva à instabilidade devido à política de proteção do valor de investimentos antigos descrita anteriormente.

Parece-nos que a tendência para manter o valor do antigo investimento só pode ser removida com sucesso pela abolição da empresa privada e da propriedade privada do capital e dos recursos naturais, pelo menos naqueles setores onde essa tendência prevalece. Duas outras maneiras de removê-la são concebíveis.

Um caminho seria o de retorno à livre concorrência. Este caminho, porém, não parece ser possível devido ao grande tamanho das unidades de produção modernas. Em um sistema baseado na busca do lucro privado, cada empresário tem a tendência natural de explorar todas as possibilidades de aumentar seu lucro. A tendência de restringir a concorrência é tão natural para a iniciativa privada quanto a tendência de proteger o valor de investimentos antigos é natural para a propriedade privada do capital. Como Adam Smith observou há muito tempo: “O interesse dos negociantes em qualquer ramo particular de comércio ou manufatura é sempre, em algum aspecto, diferente ou mesmo oposto ao do público. Ampliar seu mercado e diminuir a concorrência é sempre do interesse dos negociantes. Ampliar o mercado pode frequentemente estar de acordo com o interesse do público, mas diminuir a competição sempre vai contra ele.” [64] Ou em outra passagem: “Pessoas do mesmo ramo de comércio raramente se reúnem, mesmo que seja para momentos alegres e divertidos, mas a conversa termina em uma conspiração contra o público, ou em algum artifício para aumentar os preços.” [65] Nenhum empresário privado ou capitalista privado pode renunciar voluntariamente a uma oportunidade de aumentar seu lucro ou o valor de seu investimento:

“Al mondo non fur mai persone ratte

a far lor pro ed a fuggir lor danno.”

[N.T.: “Os danos, tão veloz, não tem fugido

Ninguém, nem procurado o que deseja.”]

(Inferno, canto II.)

O sistema de livre concorrência é bastante peculiar. Trata-se de um mecanismo que engana os empresários. Requer a busca do lucro máximo para funcionar, mas destrói os lucros quando eles são de fato perseguidos por um número maior de pessoas. No entanto, este jogo de cabra-cega de busca do lucro máximo só é possível enquanto o tamanho da unidade de negócio é pequena e o número de empreendedores é, consequentemente, grande. Mas com o crescimento da indústria de grande escala e a centralização do controle financeiro, a busca pelo lucro máximo destrói a livre concorrência. A imagem não estaria completa sem acrescentar que a interferência política na vida econômica é frequentemente usada para proteger lucros ou investimentos. [66] Essa intervenção política também é resultado do tamanho crescente das unidades industriais e financeiras. As pequenas empresas são pequenas demais para serem politicamente significativas, mas o poder econômico das grandes corporações e interesses bancários é grande demais para não ter sérias consequências políticas. Enquanto a maximização do lucro for a base de todas as atividades empresariais, é inevitável que as corporações industriais e financeiras tentem usar seu poder econômico para aumentar os lucros ou o valor de seus investimentos pela devida intervenção do Estado. [67] E a menos que os órgãos executivos e legislativos do Estado sejam entidades metafísicas abstratas além do alcance de qualquer influência terrena, cederão à pressão desses poderes. Um retorno à livre concorrência só poderia ser realizado dividindo-se as unidades de negócios de grande escala para destruir seu poder econômico e político. Isso só poderia ser alcançado à custa de abrir mão da produção em grande escala e das grandes conquistas econômicas da produção em massa que lhe estão associadas. Tal sistema de livre concorrência mantido artificialmente teria que proibir o uso de tecnologia avançada.

A outra forma seria o controle da produção e dos investimentos pelo governo com o objetivo de impedir o monopólio e o restricionismo. Tal controle significaria planejamento de produção e investimento sem eliminar a iniciativa privada e a propriedade privada dos meios de produção. No entanto, tal planejamento dificilmente pode ser bem sucedido. O grande poder econômico das corporações e dos bancos sendo o que são, seriam eles que controlariam as autoridades de planejamento público e não o contrário. O resultado seria planejar para o monopólio e o restricionismo, o contrário do que era o objetivo. Mas mesmo que isso pudesse ser evitado, tal controle não seria bem sucedido. Manter a propriedade privada e a empresa privada e forçá-los a fazer coisas diferentes daquelas exigidas pela busca do lucro máximo envolveria uma quantidade enorme de arregimentação de investimento e empreendimento. Para perceber isso, basta considerar que o controle do governo para impedir a preservação restritiva do valor de antigos investimentos tem de forçar os produtores a agir de uma forma que lhes traria perdas reais de capital. Isso perturbaria a estrutura financeira do capitalismo industrial moderno. A constante fricção entre capitalistas e empresários de um lado e as autoridades governamentais controladoras do outro lado paralisaria os negócios. Além disso, as corporações e os grandes bancos poderiam usar seu poder econômico para desafiar as autoridades governamentais (por exemplo, fechando suas fábricas, retirando investimentos ou fazendo outros tipos de sabotagem econômica). Como resultado, o governo teria de ceder e, assim, abrir mão de qualquer interferência efetiva na busca do lucro máximo, ou transferir as corporações e os bancos rebeldes em propriedade e gestão públicas. Esta última alternativa levaria diretamente ao socialismo.

Assim, o monopólio, o restricionismo e o intervencionismo só podem ser abolidos juntos com a iniciativa privada e a propriedade privada dos meios de produção, que, de promotores, se transformaram em obstáculos ao progresso econômico. Isso não implica na necessidade, ou sabedoria, de abolir a empresa privada e a propriedade privada dos meios de produção naqueles áreas onde ainda prevalece a concorrência real, ou seja, na indústria e agricultura de pequena escala. Mas a parte mais importante da vida econômica moderna está tão longe da livre concorrência como do socialismo: [68] ela está sufocada com restricionismos de todos os tipos. Quando esse estado de coisas tiver se tornado insuportável, quando sua incompatibilidade com o progresso econômico tiver se tornado óbvia, e quando tiver sido reconhecido que é impossível retornar à livre concorrência, ou ter com sucesso o controle público sobre as empresas e sobre o investimento sem tirá-los das mãos privadas, então o socialismo sobrará como a única solução disponível. É claro que esta solução será contestada por aquelas classes que têm interesse no status quo. A solução socialista, portanto, só pode ser realizada depois que o poder político dessas classes tiver sido quebrado.

6. Sobre a política de transição

O tratamento anterior sobre a alocação de recursos e a precificação em uma economia socialista refere-se a um sistema socialista já estabelecido. A questão não apresenta nenhuma dificuldade teórica especial se um setor de produção de pequena escala privada e propriedade privada dos meios de produção estiver incorporado na economia socialista. No entanto, por motivos que resultam de nossa discussão anterior do problema, este setor deve satisfazer as seguintes três condições: (1) nele deve reinar a livre concorrência; (2) a quantidade de meios de produção de propriedade de um produtor privado (ou do capital sob propriedade de um acionista privado em indústrias socializadas) não deve ser tão grande a ponto de causar uma considerável desigualdade na distribuição de renda; e (3) a produção em pequena escala não deve ser, a longo prazo, mais cara do que a produção em larga escala. Mas o problema da transição do capitalismo para o socialismo apresenta alguns problemas especiais. A maioria desses problemas se refere às medidas econômicas tornadas necessárias pela estratégia política a fim de realizar a transformação da ordem econômica e social. Mas há também alguns problemas que são de caráter puramente econômico e que, portanto, merecem a atenção do economista.

A primeira questão é se a transferência dos meios de produção e das empresas a serem socializadas para propriedade e gestão públicas deve ser a primeira ou a última etapa da política de transição. Em nossa opinião esse deve ser o primeiro estágio. O governo socialista deve iniciar sua política de transição imediatamente com a socialização das indústrias e bancos em questão. Isso decorre do que foi dito antes sobre a possibilidade de sucesso no controle governamental sobre a iniciativa privada e o investimento privado. Se o governo socialista tentasse controlá-los ou supervisioná-los, deixando-os em mãos privadas, iriam surgir todas as dificuldades envolvidas em forçar um empresário ou capitalista a agir de forma diferente do que o que a busca pelo lucro determina. Na melhor das hipóteses, o atrito constante entre as agências supervisoras do governo e os empresários e capitalistas paralisariam os negócios. Depois dessa tentativa mal sucedida, o governo socialista teria que ou desistir de seus objetivos socialistas ou proceder à socialização.

A opinião de que o processo de socialização deve ser o mais gradual possível, a fim de evitar graves perturbações econômicas, é aceita de maneira quase generalizada. Não apenas socialistas de direita, mas também socialistas e comunistas [69] de esquerda sustentam esta teoria do gradualismo econômico. Enquanto estes dois últimos grupos consideram uma rápida socialização como necessária por motivos de estratégia política, eles, no entanto, costumam admitir que, no que diz respeito apenas às considerações econômicas, uma socialização gradual é decididamente preferível. Infelizmente, o economista não pode compartilhar dessa teoria do gradualismo econômico. Um sistema econômico baseado na empresa privada e na propriedade privada dos meios de produção pode funcionar somente enquanto a segurança da propriedade privada e da renda derivada dela for mantida. A própria existência de um governo empenhado em introduzir o socialismo é uma ameaça constante a essa segurança. Portanto, a economia capitalista não pode funcionar sob um governo socialista a menos que o governo seja socialista apenas no nome. Se o governo socialista socializa hoje as minas de carvão e declara que a indústria têxtil vai ser socializada após cinco anos, podemos ter certeza de que a indústria têxtil estará arruinada antes de ser socializada, pois os proprietários ameaçados de desapropriação não têm incentivo para fazer os investimentos e melhorias necessárias, nem para gerenciá-las com eficiência, e nenhuma supervisão do governo ou medidas administrativas podem lidar eficazmente com a resistência passiva e sabotagem dos proprietários e administradores. Pode haver exceções no caso de indústrias geridas por técnicos e não por homens de negócios. Aqueles técnicos, se tiverem certeza de que manterão seus lugares, podem ser bastante simpáticos à ideia de transferência da indústria para propriedade pública. Um esquema de compensação adequada para proprietários expropriados também pode ajudar a resolver a dificuldade. Mas, para ser totalmente eficaz, a compensação teria que ser alta a ponto de cobrir o valor integral dos objetos desapropriados. Tendo o valor capital desses objetos sido mantido em um nível artificialmente alto por monopólios e práticas restritivas, a compensação teria que ser muito superior ao valor desses objetos em uma economia socialista (e também sob livre concorrência no capitalismo). Isso imporia ao governo socialista um fardo que faria qualquer avanço adicional no programa de socialização quase impossível. Portanto, um programa de socialização abrangente dificilmente pode ser alcançado por etapas graduais. Um governo socialista que realmente queira chegar no socialismo tem que tomar a decisão de realizar seu programa de socialização de uma só vez, ou abandoná-lo completamente. [70] A própria chegada ao poder de tal o governo já deve causar um pânico financeiro e um colapso econômico. Portanto, ou o governo socialista deve garantir a imunidade da propriedade e da iniciativa privada, a fim de permitir que a economia capitalista funcione normalmente, e ao fazê-lo desiste de seus objetivos socialistas, ou deve seguir resolutamente com seu programa de socialização com velocidade máxima. [71] Qualquer hesitação, qualquer vacilo e indecisão provoca a inevitável catástrofe econômica. [72] O socialismo não é uma política econômica para os tímidos.

Por outro lado, como complemento da sua política resoluta de socialização rápida, o governo socialista deve declarar de forma inequívoca que tipos de propriedade e empreendimento vão permanecer em mãos privadas e garantir sua segurança absoluta. Para evitar o crescimento de uma atmosfera de pânico no setor de propriedade privada e de empresa privada, o governo socialista pode ter que provar a seriedade de suas intenções por algumas ações imediatas em favor dos pequenos empreendedores e pequenos proprietários (incluindo titulares de depósitos de poupança, pequenas ações e detentores de títulos). Precisa deixar absolutamente claro para todos que o socialismo não é dirigido contra a propriedade privada como tal, mas apenas contra aquele tipo especial de propriedade que cria privilégios sociais em detrimento da grande maioria do povo ou que cria obstáculos ao progresso econômico, e que, consequentemente, toda a propriedade privada dos meios de produção e de empresa privada que de fato tiver uma função social útil, gozará de total proteção e apoio do Estado socialista.

Vimos que um governo socialista enfrenta o dilema entre realizar a socialização por meio de um só grande e ousado lance, ou desistir de seus objetivos completamente. Se desistir, permanecerá socialista apenas no nome, e sua verdadeira função será de administração da economia capitalista, o que pode ser feito com sucesso apenas se a propriedade dos capitalistas e a liberdade dos empreendedores capitalistas para realizar seus lucros estiverem salvaguardados. Nesse caso os socialistas fariam muito melhor se entregassem o cargo a um governo capitalista que, tendo a confiança do mercado mundial, está mais apto a administrar uma sociedade capitalista.

Existe, no entanto, uma situação especial em que um governo socialista, mesmo que não tenha o poder de alcançar uma socialização abrangente, pode ter uma tarefa útil a cumprir, uma tarefa que um governo capitalista pode ser incapaz de realizar. Se a eficiência marginal do capital (como definido pelo Sr. Keynes [73]) for muito baixa e a preferência pela liquidez dos capitalistas for muito alta, como geralmente é o caso em uma depressão, é necessário um programa ousado de investimentos públicos para restabelecer o emprego em um nível superior. Em princípio, não há razão porque um governo capitalista não possa ser capaz de realizar esses investimentos. No entanto, uma vez que eles devem ser efetuados independente da baixa taxa de retorno, ou seja, em violação ao princípio fundamental da economia capitalista de que os investimentos devem ser feitos apenas para fins lucrativos, eles podem parecer a todos os agentes capitalistas como “doentios”. Assim, pode ser necessário um governo socialista, livre dos preconceitos burgueses sobre as políticas econômicas, [74] para restaurar a economia capitalista. Em tais circunstâncias, os socialistas podem formar um governo com um Plano Trabalhista para atacar o desemprego e a depressão. Mas assim que o Plano Trabalhista tiver sido cumprido, o governo socialista enfrenta seu inescapável dilema: ou o governo socialista usa a popularidade que ganhou através de seu sucesso em lidar com a depressão e o desemprego para fazer um ataque geral contra o sistema capitalista (a oportunidade para isso pode surgir, por exemplo, quando os capitalistas, que sofreram sob o governo socialista em um período de pânico, quiserem se livrar dele), ou degenera para se tornar um mero administrador da sociedade capitalista. Assim, ou um Plano Trabalhista representa um começo para o ataque geral contra o sistema capitalista, ou deve terminar em uma traição ao socialismo.

Marshall elencou a cautela entre as principais qualidades que um economista deveria ter. Falando sobre os direitos de propriedade, observou: “É tarefa dos homens responsáveis ​​proceder cautelosamente e timidamente na revogação ou modificação até mesmo dos direitos que possam parecer inadequados às condições ideais da vida em sociedade.” [75] Mas ele não deixou de indicar que os grandes fundadores da ciência econômica moderna eram fortes não apenas na cautela, mas também na coragem. [76] A cautela é a grande virtude do economista que se preocupa com pequenas melhorias no sistema econômico existente. O delicado mecanismo de oferta e demanda pode ser danificado e a iniciativa e a eficiência dos homens de negócios podem ser enfraquecidas por um passo imprudente. Mas o economista que é chamado para aconselhar um governo socialista enfrenta uma tarefa diferente, e as qualidades necessárias para esta tarefa também são diferentes. Pois existe apenas uma política econômica que ele pode recomendar a um governo socialista com chance de levá-lo ao sucesso: uma política de coragem revolucionária.


Apêndice: A alocação dos recursos sob o socialismo na literatura marxista

É interessante ver como o problema da alocação de recursos em uma economia socialista é resolvido pelos principais autores do movimento socialista e comparar com a solução oferecida pela teoria econômica moderna. Como os fundamentos teóricos do movimento socialista foram elaborados principalmente pelos marxistas, seus pontos de vista são os de maior interesse. Por esse motivo, vamos rever brevemente as declarações de alguns dos mais proeminentes entre eles.

Começando com Marx, não é difícil provar com citações que ele estava bem ciente do problema, embora tenha tentado resolvê-lo de uma forma bem insatisfatória. Discutindo a economia de Robinson Crusoé, ele escreve: “moderado por origem, ele precisa satisfazer, entretanto, a várias necessidades e, por isso, tem de executar trabalhos úteis de diferentes espécies… A própria necessidade o obriga a distribuir seu tempo minuciosamente entre suas diferentes funções… A experiência lhe ensina isso, e nosso Robinson, que salvou do naufrágio o relógio, o livro razão, tinta e caneta, começa, como bom inglês, logo a escriturar a si mesmo. Seu inventário contém uma relação dos objetos de uso que ele possui, das diversas operações requeridas para sua produção e, finalmente, do tempo de trabalho que em média lhe custam determinadas quantidades desses diferentes produtos. Todas as relações entre Robinson e as coisas que formam sua riqueza, por ele mesmo criada, são aqui tão simples e transparentes que são inteligíveis sem esforço até mesmo para o Sr. Sedley Taylor. E, no entanto, essas relações contêm tudo o que é essencial para a determinação do valor.” [77] E continua: “Imaginemos, finalmente, para variar, uma associação de homens livres, que trabalham com meios de produção comunais… Repetem-se aqui todas as determinações do trabalho de Robinson só que de modo social em vez de individual…. O produto total da associação é um produto social. Parte desse produto serve novamente como meio de produção e permanece social. Mas outra parte é consumida pelos sócios como meios de subsistência. Por isso, tem de ser distribuída entre eles. O modo dessa distribuição variará com a espécie particular do próprio organismo social de produção e o correspondente nível de desenvolvimento histórico dos produtores. Só para fazer um paralelo com a produção de mercadorias, pressupomos que a parte de cada produtor nos meios de subsistência seja determinada pelo seu tempo de trabalho. O tempo de trabalho desempenharia, portanto, um papel duplo. Sua distribuição socialmente planejada regula a proporção correta das diferentes funções de trabalho, conforme as diversas necessidades. Por outro lado, o tempo de trabalho serve simultaneamente de medida da participação individual dos produtores no trabalho comum e, por isso, também na parte a ser consumida individualmente do produto comum.” [78] Cada trabalhador desfrutaria de liberdade de escolha no consumo dentro dos limites assim determinados: “ele recebe da sociedade um voucher comprovando que ele contribuiu com tal e tal quantidade de trabalho (após dedução de seu trabalho para o fundo comum) e retira com esse voucher do armazém social aquele tanto de meios de consumo que custa a mesma quantidade de trabalho.” [79] A importância do problema de alocação de recursos é apontada claramente em uma carta escrita em 1868 para Kugelmann: “toda criança sabe que um país que deixou de trabalhar, não vou dizer por um ano, mas por algumas semanas, morreria. Toda criança também sabe que a massa de produtos correspondentes às diferentes necessidades requerem massas diferentes e quantitativamente determinadas do trabalho total da sociedade. É auto-evidente que a necessidade de distribuir o trabalho social em proporções definidas não pode ser eliminada pela forma particular de produção social, mas pode apenas mudar a forma que ela assume. Nenhuma lei natural pode ser eliminada. O que pode mudar, em circunstâncias históricas mutáveis, é a forma em que essas leis operam. E a forma em que essa divisão particular do trabalho opera, em um estado da sociedade onde a interligação do trabalho social é manifesta na troca privada dos produtos individuais do trabalho, é precisamente o valor de troca desses produtos.” [80]

Essas passagens mostram que Marx estava plenamente ciente do problema da alocação de recursos em uma economia socialista. No entanto, ele parece ter pensado no trabalho como o único tipo de recurso escasso a ser distribuído entre diferentes usos e queria resolver o problema pela teoria do valor-trabalho. O caráter insatisfatório desta solução não precisa ser discutido aqui, depois de toda nossa discussão anterior sobre o assunto. O Professor Pierson e o Professor Mises certamente mereceram a gratidão por parte de quem estuda o problema ao expor a inadequação dessa solução simplista. [81] Mas mesmo aceitando a teoria do valor-trabalho como base para a solução do problema, a questão da utilidade (ou da demanda) não pode ser evitada, ou então as quantidades dos vários bens a serem produzidos ficariam indeterminadas. Isso foi reconhecido claramente por Engels: “a utilidade proporcionada pelos diversos bens de consumo, ponderada entre si e contra a quantidade de trabalho necessária para produzi-los, determina em última instância o plano.” [82] Qualquer um que conheça o papel do conceito de “gesellschaftliches beduerfnis” no terceiro volume de Das Kapital tem que admitir que Marx estava bem ciente do papel que a demanda (ou utilidade) tem na determinação da alocação de recursos, apesar de que, não muito diferente de Ricardo, [83] ele não foi capaz de achar uma expressão funcional clara para a lei da demanda. As limitações de Marx e Engels são aquelas dos economistas clássicos.

De Marx e Engels, passemos para Kautsky, quem mais do que qualquer outro contribuiu para a propagação das ideias marxistas pelo mundo. Em uma aula sobre “O Dia após a Revolução” [84], dada em 1902 e que era em certa medida uma resposta ao desafio do Professor Pierson, Kaustky elabora sua visão sobre a função do dinheiro e dos preços em uma economia socialista. Ele deixa bem claro que, como resultado da liberdade de escolha no consumo e da liberdade de escolha na ocupação, o dinheiro e os preços precisam também existir em uma economia socialista. “O dinheiro [diz ele] é o meio mais simples conhecido até o presente momento que faz com que seja possível num mecanismo tão complicado como o do processo produtivo moderno, com sua tremenda extensão de divisão do trabalho, assegurar a circulação dos produtos e sua distribuição aos membros individuais da sociedade. É o meio que faz ser possível para cada um satisfazer suas necessidades de acordo com suas inclinações individuais (claro, dentro dos limites de seu poder econômico).” [85] E em relação à alocação de trabalho entre os diferentes setores em uma economia socialista, ele observa: “Como os trabalhadores não podem ser designados aos variados setores da economia por disciplina militar ou contra sua vontade, então pode ocorrer que muitos trabalhadores corram para certos setores enquanto a falta de trabalhadores em outros setores se torna a regra. O balanço necessário só pode ser atingido pela redução de salários nos setores onde há muitos trabalhadores e pela sua elevação nos setores onde há falta de trabalhadores, até que seja atingido o ponto onde cada setor tenha aquele tanto de trabalhadores que consegue usar.” [86] Infelizmente, Kautsky não entrou na questão dos critérios a serem usados ​​no planejamento da produção. No entanto, ele levou suas ideias mais longe em seu livro The Labour Revolution, escrito em 1922. [87] Trazendo de novo o ponto de que o socialismo não implica na abolição do dinheiro, ele afirma muito claramente a conexão do problema com a liberdade de escolha no consumo. “Sem dinheiro, apenas dois tipos de economia são possíveis: em primeiro lugar, a economia primitiva já mencionada. Adaptada às dimensões modernas, isso significaria que toda a atividade produtiva do Estado formaria uma única fábrica, sob um controle central, que atribuiria a cada empresa a sua tarefa, recolheria todos os produtos de toda a população, e atribuiria a cada empresa os seus meios de produção e a cada consumidor os seus meios de consumo em espécie. O ideal de tal condição é a prisão ou o quartel. Essa monotonia bárbara esconde-se, de fato, por trás das ideias da ‘economia natural’ do Socialismo”. [88] Citando um socialista entusiasta da “economia natural” que não encontra dificuldade em racionar o consumo, Kautsky observa: “certamente que não, se toda a vida de um homem civilizado deve ser reduzida a rações de guerra, e todos tiverem a mesma quantidade de pão, carnes, alojamentos, roupas, com o gosto pessoal não desempenhando nenhum papel e não sendo observadas distinções, embora deva haver culinária especial para poetas e crianças. Infelizmente, não nos dizem quantas centenas de quilos de livros devem ser alocados a cada cidadão ao longo de um ano, e com que frequência os habitantes de cada casa irão ao cinema.” [89] O outro tipo de economia socialista que poderia prescindir do dinheiro é, segundo Kautsky, aquela em que todas as mercadorias fossem bens livres. [90]

Kautsky também reconhece a necessidade de um sistema de preços para a contabilidade de custos. Como todos os marxistas da velha escola, ele usa a teoria do valor-trabalho como base para elucidar o problema da distribuição de recursos em uma economia socialista. Mas o que é mais importante, ele admite explicitamente a impossibilidade prática de calcular a quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir uma determinada mercadoria: “Considere que trabalho colossal estaria envolvido em calcular para cada produto a quantidade de trabalho que ele custou desde seu estágio inicial à sua fase final, incluindo transporte e outros trabalhos incidentes.” [91] Daí a necessidade de um sistema de preços: “A avaliação das mercadorias de acordo com o trabalho contido nelas, que não poderia ser realizado pela mais complicada máquina de Estado imaginável, descobrimos ser um fato consumado na forma dos preços transmitidos, como resultado de um longo processo histórico, imperfeito e inexato, mas, no entanto, o único fundamento prático para a bom funcionamento do processo econômico de circulação.” [92] Assim, os preços em dinheiro são a base da contabilidade econômica: “Quaisquer que sejam as linhas sobre as quais uma sociedade socialista esteja organizada, uma contabilidade muito cuidadosa seria necessária… Esse objetivo seria totalmente impossível de ser alcançado se as entradas e saídas fossem registradas in natura.” [93] O grande líder do Marxismo ortodoxo do pré-guerra conhece, é claro, muito bem a distinção entre o conceito marxista de capitalismo e o de economia monetária: “Milhares de anos se passaram antes que um modo de produção capitalista viesse a existir. Como medida de valor e meio de circulação dos produtos, o dinheiro continuará a existir em uma sociedade socialista até o alvorecer dessa abençoada segunda fase do comunismo que ainda não sabemos se chegará a ser mais do que um desejo piedoso, semelhante ao Reino Milenar.” [94] Por fim, conclui: “O sistema monetário é uma máquina indispensável para o funcionamento de uma sociedade com uma divisão do trabalho amplamente ramificada… Seria uma recaída de volta à barbárie destruir esta máquina, a fim de reestabelecer expedientes primitivos da economia natural. Este método de combate ao capitalismo lembra os trabalhadores simples das primeiras décadas do século passado que pensavam que eles acabariam com a exploração capitalista se destruíssem as máquinas que estivessem à mão. Não é nosso desejo destruir as máquinas, mas torná-las úteis à sociedade, para que possam ser transformadas em um meio de emancipação do trabalho.” [95]

Mas será que essas visões de Kautsky não são um desvio herético da linha ortodoxa do pensamento marxista? Será que talvez elas não sejam representativas dos marxistas modernos, grande parte dos quais são adversários ferrenhos da estratégia política defendida por ele? Examinemos os pontos de vista de outro grupo de líderes marxistas. A seguinte citação de Trotsky, para começar: “se existisse a mente universal que se projetou na fantasia científica de Laplace… tal mente poderia, é claro, elaborar a priori um plano econômico exaustivo, começando com o número de hectares de trigo e indo até o último botão de um colete. Na verdade, a burocracia muitas vezes concebe que tal mente está à sua disposição; é por isso que ela se liberta tão facilmente do controle do mercado e do poder soviético. Mas, na realidade, a burocracia erra terrivelmente nesta avaliação de seus recursos espirituais… Os inúmeros participantes vivos da economia, estatal ou privada, coletiva e individual, devem dar conta de suas necessidades e de sua força relativa – não só através da determinação estatística das comissões do plano, mas pela pressão direta da oferta e da demanda. O plano é verificado e em grande medida realizado através do mercado. O próprio mercado deve depender das tendências que são trazidas através do seu meio. Os projetos apresentados pelos escritórios devem demonstrar sua conveniência econômica através do cálculo comercial.” [96] E depois do crítico da política econômica soviética, ouçamos seu líder. Ao discutir o problema do comércio soviético, Stalin observa: “então temos que superar preconceitos de outro tipo. Refiro-me à tagarelice esquerdista… sobre o comércio soviético sendo um estágio superado… Essas pessoas, que estão tão distantes do marxismo quanto o céu está da terra, evidentemente não percebem que teremos dinheiro por muito tempo, até que o primeiro estágio do comunismo, ou seja, o estágio socialista de desenvolvimento, tenha sido concluído.” [97]

Mas Marx antecipou também uma segunda fase do comunismo (que às vezes também é chamado de comunismo sensu stricto enquanto a primeira fase é chamada de socialismo) em que a distribuição de renda é bastante divorciada dos serviços de trabalho realizado pelo indivíduo e baseado no princípio “de cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com sua necessidade.” [98] Bertrand Russell chama essa forma de distribuição muito apropriadamente de “compartilhamento livre”. [99] A partilha gratuita pressupõe, é claro, que as mercadorias em questão são praticamente mercadorias gratuitas. Um marxista notável como Kautsky fala, portanto, com ironia “daquela abençoada segunda fase do comunismo que ainda não sabemos se algum dia será mais do que um desejo piedoso, semelhante ao Reino Milenar”, enquanto Lenin [100] e Stalin acreditam seriamente na possibilidade de tal estágio de evolução econômica no futuro.

A ideia de distribuir bens e serviços por meio do compartilhamento gratuito parece utópica, de fato. No entanto, se aplicado a apenas uma parte das mercadorias, o compartilhamento gratuito não é de forma alguma um absurdo econômico como pode parecer à primeira vista. A demanda por muitas mercadorias torna-se, a partir de certo ponto, bastante inelástica. Se o preço de tal mercadoria estiver abaixo e a renda do consumidor estiver acima de um certo mínimo, a mercadoria é tratada pelo consumidor como se fosse um bem livre. A mercadoria é consumida em tal quantidade que o desejo que ela satisfaz está perfeitamente saturado. Tomemos, por exemplo, o sal. As pessoas abastadas fazem o mesmo com o pão ou com o aquecimento no inverno. Eles não param de comer pão no ponto em que a utilidade marginal de uma fatia é igual à utilidade marginal de seu preço, nem diminuem o calor em virtude de uma consideração semelhante. Ou uma queda do preço do sabão a zero os induziria a ser muito mais liberais no seu uso? Mesmo que o preço fosse zero, a quantidade de sal, pão, combustível e sabão consumidos por pessoas abastadas não aumentaria visivelmente. Com tais mercadorias, a saturação é alcançada mesmo com um preço positivo. Se o preço já é tão baixo e as rendas tão altas que a quantidade consumida dessas mercadorias é igual à quantidade de saturação, o compartilhamento gratuito pode ser usado como método de distribuição. [101] Certos serviços são distribuídos desta forma já em nossa sociedade atual. Se uma parte das mercadorias e serviços é distribuída gratuitamente, o sistema de preços precisa ser confinado apenas ao restante deles. No entanto, embora a demanda pelas mercadorias distribuídas gratuitamente seja, dentro de limites, uma quantidade fixa, um custo deve ser contabilizado para que seja possível descobrir a melhor combinação de fatores e a escala ótima de produção para produzi-los. A renda monetária dos consumidores deve ser reduzida por um equivalente ao custo de produção dessas mercadorias. Isto significa simplesmente que a partilha gratuita proporciona, por assim dizer, um “setor socializado” de consumo cujo custo é suportado pela tributação (pois a redução dos rendimentos monetários dos consumidores que acabamos de referir é precisamente a tributação para cobrir o consumo por partilha gratuita). Tal setor existe também na sociedade capitalista, compreendendo, por exemplo, educação gratuita, assistência médica gratuita pela previdência social, parques públicos e todas as necessidades coletivas no sentido de Cassel (por exemplo, iluminação pública). É perfeitamente concebível que conforme a riqueza cresça, este setor também cresça, e que um número crescente de mercadorias seja distribuído por compartilhamento livre até que, finalmente, todas as necessidades primordiais da vida estejam atendidas dessa forma, ficando a distribuição pelo sistema de preços confinada aos bens de qualidade superior e de luxo. Assim, pode-se aproximar da segunda fase do comunismo de Marx gradualmente.

As afirmações citadas são suficientes para provar que os autores líderes da escola Marxista estavam e estão muito cientes da necessidade de um sistema de preços em uma economia socialista. Portanto, é muito exagerado dizer que os socialistas Marxistas não viram o problema e não ofereceram solução. A verdade é que eles viram e resolveram o problema apenas dentro dos limites da teoria do valor-trabalho, ficando assim sujeitos a todas as limitações da teoria clássica. Mas deve ser mencionado que na Itália, devido à influência de Pareto, os autores socialistas estavam muito mais avançados nesse campo. A diferença entre o Marxista tradicional e a posição moderna sobre o problema é portanto apenas uma diferença da técnica adotada. Apenas a técnica oferecida pelo método moderno da análise marginal nos permite resolver o problema satisfatoriamente. O desafio do Professor Mises teve o grande mérito de ter induzido os socialistas a procurarem por uma solução mais satisfatória para o problema, e é realmente verdade que muitos deles se tornaram cientes de sua existência apenas depois desse desafio. Mas, como vimos, aqueles socialistas que não perceberam ou não percebem a necessidade e a importância de um sistema adequado de preços e da contabilidade econômica em uma economia socialista não estão atrasados só em relação ao presente estágio da análise econômica: eles sequer alcançam o grande legado da doutrina Marxista. 


Notas

[1] Para mais detalhes, ver Camarinha Lopes, T. (2021). Technical or political? The socialist economic calculation debate, Cambridge Journal of Economics, Volume 45, Issue 4, July 2021, Pages 787–810, https://doi.org/10.1093/cje/beab008 [N.T.]

[2] Collectivist Economic Planning, London, 1935. Ver a introdução do Professor Hayek, p. 32.

[3] Cours d’dconomie politique, vol. II, Lausanne, I897. p. 364 et seq. Ver também Manuel d’dconomie politique, Paris, 1910. p. 362-4.

[4] “Il ministerio della produzione nello stato collettivista,” Gioynale degli Economisti, I908. Esse artigo foi publicado em inglês como apêndice da coleção Collectivist Economic Planning editado pelo Professor Hayek. Uma exposição muito lúcida do problema e sua solução em forma não-matemática foi feita por Dickinson, “Price Formation in a Socialist Community”, The Economic Journal, June, 1933. Compare também com Heimann, Sozialistische Wirtschafts- und Arbeitsordnung, Potsdam, 1932; Zassenhaus, “Ueber die oekonomische Theorie der Planwirtschaft,” Zeitschrift fuer Nationaloekonomie, Bd. V, I934; e Knight, “The Place of Marginal Economics in a Collectivist System,” The American Economic Review Supplement, March, 1936.

[5] The Common Sense of Political Economy, 2nd ed., London, 1933. p. 28. Similarmente o Professor Schumpeter afirmou que o termo “taxa de troca” pode ser usado em um sentido mais amplo para indicar as alternativas disponíveis, de modo que a produção possa ser considerada como uma “troca” sui generis. Ver Das Wesen und der Hauptinhalt der theoretischen Nationalökonomie, Leipzig, 1908. p. 50 et seq.

[6] Em relação a Marx essa afirmação requer certas qualificações. Ver o apêndice.

[7] Estou perfeitamente ciente de que o Professor Mises não se considera um institucionalista e que ele afirmou explicitamente a validade universal da teoria econômica (ver Grundprobleme der Nationaloekonomie, Jena, 1933, pp. 27-26). Mas há uma contradição espetacular entre essa afirmação e seu argumento de que a propriedade privada dos meios de produção é indispensável para a alocação racional de recursos. Pois se esse argumento for verdadeiro, a ciência econômica enquanto teoria de alocação de recursos só é aplicável a uma sociedade com propriedade privada dos meios de produção. As implicações da negação da possibilidade de escolha racional em uma economia socialista são claramente institucionalistas.

[8] Collectivist Economic Planning, p. 207.

[9] Ibidem, p. 208 et seq.

[10] The Great Depression, London, 1934, p. 151.

[11] Ver “The Ministry of Production in the Collectivist State,” reimpresso em Collectivist Economic Planning, pp. 286-9.

[12] “The Guidance of Production in a Socialist State,” the American Economic Review, March, 1929. Particularmente pp. 6-8. Infelizmente o Professor Hayek parece não ter lido esse artigo, que tem muito a ver com seu argumento, apesar de que ele o cita. Ele o cita como uma das soluções teóricas ao lado daquelas de Barone, Dickinson, etc., enquanto Taylor indica uma solução por tentativa e erro. Também é lamentável que este artigo, que é o único passo adiante desde o tratamento do problema por Barone, não tenha sido reimpresso no volume Collectivist Economic Planning.

[13] O termo “individual” é usado aqui com a conotação ampla de Wirtschafssubjekt [N. T.: sujeito econômico], de modo a incluir também unidades coletivas (famílias, empresas S. A., por exemplo).

[14] Em todo esse artigo, por custo médio queremos dizer custo médio por unidade de produção.

[15] Essa afirmação precisa ser corrigida se fatores limitantes são usados na produção. Existem dois tipos de fatores limitantes, dependendo de se o montante do fator limitante que precisa ser usado na produção for uma função da quantidade do produto que queremos obter ou se o montante de um outro fator é utilizado. Se os fatores limitantes do primeiro caso são usados, a afirmação no texto se sustenta para fatores substitutivos, sendo que o montante de fatores limitantes fica determinado pela escala de produção escolhida. Se os fatores limitantes do segundo caso são usados, a produtividade marginal dos fatores substitutivos deve ser proporcional aos seus preços mais o dispêndio marginal para os fatores limitantes que são uma função do fator substitutivo em questão; o montante dos fatores limitantes necessários é então determinado pelo montante dos fatores substitutivos usados. Sobre os fatores limitantes do primeiro caso, ver Georgescu Roegen, “Fixed Coefficients of Production and the Marginal Productivity Theory,” Review of Economic Studies, October, 1935. O Dr. Tord Palander me chamou a atenção para a existência do segundo caso de fatores limitantes.

[16] Para simplificar a exposição, nós desconsideramos o fato de que o montante dos recursos disponíveis, ao invés de ser constante, pode depender de seus preços. Assim, a oferta total de trabalho pode ser uma função da taxa de salário. Em relação ao capital, o seu montante pode ser considerado no curto prazo como constante, enquanto no longo prazo a taxa de juros certamente afeta a poupança. No equilíbrio de longo prazo o montante de capital é determinado pela condição de que a taxa de sua produtividade marginal líquida (i.e. a taxa de juros) seja igual à preferência temporal dos indivíduos (que pode ser, e provavelmente é, zero). Veja o meu artigo “The Place of Interest in the Theory of Production,” Review of Economic Studies, June, 1936., ver tambem Knight, “Professor Fisher’s Theory of Interest,” Journal of Political Economy, April, 1931, p. 197 et seq., e Hayek, “Utility Analysis and Interest,” Economic Journal, March, 1936, pp. 58-60.

[17] Durante os períodos de transição de um equilíbrio para outro, os lucros dos empreendedores também precisam ser adicionados ao lado direito desta equação. 

[18] Se as estruturas de demanda e oferta não são funções monotônicas, a primeira deve ter uma parte crescente e a segunda deve ter uma parte decrescente. A demanda pode ser uma função crescente do preço no caso de mercadorias competitivas e, como Walras demonstrou, a oferta pode ser uma função decrescente do preço quando a mercadoria em questão tem uma utilidade pessoal para o vendedor. Se ou a demanda é uma função crescente ou a oferta é uma função decrescente do preço, pode haver uma solução múltipla mesmo se estas funções forem monotônicas. No entanto, estes casos são bem excepcionais.

[19] Ver Elements d’conomie politique pure, 6éd. définitive, Paris, 1926, pp. 65, 132-3, 214-15, 217 et seq., 259-60, 261 et seq.

[20] Assim, cada conjunto sucessivo de preços está mais perto de satisfazer as condições objetivas de equilíbrio do que o conjunto anterior. No entanto, como uma mudança na quantidade ofertada geralmente requer um período de tempo, alguma qualificação precisa ser feita. Em setores onde as mudanças na quantidade produzida podem ser feitas de um modo mais ou menos contínuo, ao variar alguns fatores de produção e deixar outros sem alteração, e ao estender, conforme o tempo passa, o número de fatores que ficam disponíveis, o processo de adaptação é determinado por uma família de curvas de oferta (e custo) de curto prazo. Com esse tipo de adaptação, que pode ser chamada de Marshalliana, cada preço sucessivo está mais perto do preço de equilíbrio. Mas onde a quantidade produzida puder variar apenas por saltos, como no caso de plantações, o mecanismo descrito pelo teorema cobweb entra em ação e tentativas sucessivas se aproximam do equilíbrio apenas sob condições especiais. Contudo, parece que o tipo de adaptação Marshalliano da oferta é o tipo dominante. Ver sobre esse ponto o meu artigo “Formen der Angebotsanpassung und wirtschaftliches Gleichgewicht,” Zeitschrift für Nationalökonomie, Bd. VI, Heft 3, 1935.

[21] Na literatura do pré-Guerra os termos socialismo e coletivismo eram usados para designar um sistema socialista como descrito acima, e a palavra comunismo era usada para denotar sistemas mais centralizados. A definição clássica de socialismo (e de coletivismo) era a de um sistema que socializa somente a produção, enquanto comunismo era definido como um sistema que socializa tanto a produção quanto o consumo. No presente estas palavras se tornaram termos políticos com conotações especiais. [N.T.: a distinção entre os termos socialismo, coletivismo e comunismo continua sendo complexa hoje como nos anos 1930, sendo explorada com mais profundidade no campo da política propriamente dita]

[22] Para simplificar o problema nós supomos que todos os meios de produção são propriedade pública. É desnecessário dizer que em qualquer comunidade socialista de fato deve haver um número grande de meios de produção sob posse privada (por exemplo, dos camponeses, artesãos e pequenos empreendedores). Mas isso não introduz nenhum problema teórico novo. 

[23] Ao formular a condição C a acumulação de capital precisa ser levada em conta. A acumulação de capital pode ser feita ou “corporativamente” deduzindo uma certa parte da renda nacional antes que o dividendo social seja distribuído, ou ela pode ser deixada para a poupança dos indivíduos, ou ambos os métodos podem ser combinados. Mas a acumulação “corporativa” certamente deve ser a forma dominante de formação de capital em uma economia socialista.

[24] É claro, pode também haver um setor de consumo socializado cujo custo é coberto por taxação. Tal setor existe também na sociedade capitalista e compreende não apenas a provisão de demandas coletivas, no sentido de Cassel, mas também de outras demandas cujo atendimento é de importância social muito alta para ser deixada à escolha livre dos indivíduos (por exemplo, serviços grátis de hospital e educação). Mas esse problema não representa qualquer dificuldade teórica e nós podemos desconsiderá-lo.

[25] Ver, entretanto, a correção para fatores limitantes na nota de rodapé 14.

[26] Ver “Economic Calculation in the Socialist Commonwealth,” reimpresso em Collectivist Economic Planning, p. 112.

[27] G. D. H. Cole, Economic Planning, New York, 1935, pp. 183-4.

[28] O Professor Hayek sustenta que seria impossível determinar o valor de instrumentos duráveis de produção porque, como consequência de mudanças, “o valor da maioria dos instrumentos mais duráveis de produção tem pouca ou nenhuma conexão com os custos que foram incorridos em sua produção,” (Collectivist Economic Planning, p. 227). É verdade que o valor de tais instrumentos duráveis é essencialmente uma quasi-renda capitalizada e que, portanto, ele pode ser determinado apenas depois que o preço a ser obtido pelo produto é conhecido (ver ibidem p. 228). Mas não há razão porque o preço do produto deveria ser menos determinado numa economia socialista do que num mercado competitivo. Os gerentes da unidade de produção em questão tem que simplesmente usar o preço fixado pelo Conselho de Planejamento Central como base para seus cálculos. O Conselho de Planejamento Central fixaria esse preço de tal modo a satisfazer as condições objetivas de equilíbrio, do mesmo modo que o mercado competitivo faz.

[29] No entanto, em certos casos pode haver uma solução múltipla. Ver acima.

[30] É apenas a desutilidade relativa de diferentes ocupações que conta. A desutilidade absoluta pode ser zero ou até negativa. Colocando lazer, segurança e afabilidade no trabalho, etc. na escala de preferências, todos os custos de trabalho podem ser expressos como custos de oportunidade. Se tal esquema for adotado, cada setor ou ocupação pode ser visto como produzindo um produto conjunto: a mercadoria ou serviço em questão junto com lazer, segurança e afabilidade no trabalho, etc. Os serviços de trabalho devem ser alocados de tal modo que o valor marginal desse produto conjunto seja o mesmo para todos os setores e ocupações.

[31] Se quaisquer fatores limitantes forem usados é a diferença entre o valor do produto marginal dos serviços do trabalho e o dispêndio marginal para os fatores limitantes que precisa ser proporcional à desutilidade marginal.

[32] Ver Wicksell, “Professor Cassel’s System of Economics,” reimpresso em Lectures on Political Economy, vol. I, London, 1935, p. 241.

[33] Esse método foi defendido por Barone. Ver The Ministry of Production in the Collectivist State, pp. 278-9.

[34] É claro, os consumidores continuam livres para poupar o quanto quiserem da renda que é de fato paga a eles, e os bancos socializados poderiam (e para prevenir entesouramento teriam que) pagar juros sobre a poupança. Mas essa taxa de juros não teria nenhuma conexão necessária com a produtividade marginal líquida de capital. Ela seria de fato arbitrária.

[35] The Guidance of Production in a Socialist State, p. 7.

[36] Ibidem, p. 8.

[37] Professor Hayek em Collectivist Economic Planning, p. 211.

[38] Ibidem, p. 212.

[39] The Great Depression, p. 151.

[40] Pode ser de grande serventia um conhecimento sobre a estrutura de demanda e oferta derivada da estatística, sobre a qual o Sr. Dickinson quer basear a precificação dos bens em uma economia socialista, para reduzir o número de tentativas necessárias, mas esse conhecimento, ainda que útil, não é necessário para encontrar os preços de equilíbrio. No entanto, se os gerentes das unidades de produção aderirem literalmente ao tratamento dos preços fixados pelo Conselho de Planejamento Central como constantes, em certos ramos da produção as flutuações descritas pelo teorema cobweb também podem aparecer em uma economia socialista. Mas nesses casos o Planning Board não teria muita dificuldade em modificar as regras sobre o caráter paramétrico dos preços de tal modo a evitar tais flutuações.

[41] Ver Principles of Economics, vol. II, New York, 1911, p. xvi. Ver também pp. 456-7.

[42] Sejam DD’ e SS’ respectivamente as curvas de demanda e oferta. BQ é o preço de equilíbrio e OB a quantidade de equilíbrio. Se o preço for colocado em AP a quantidade OA é ofertada, enquanto OC é a quantidade demandada. Como resultado da intervenção do Planning Board a quantidade produzida vai ser estabelecida em algum lugar entre OA e OC. [N.T.: esta é a legenda que acompanha o gráfico]

[43] Existe, entretanto, um caso especial onde os preços não são necessários para se cumprir o plano eficientemente. Esse é o caso dos coeficientes de produção constantes. Se todos os fatores de produção forem limitantes não há problema econômico em se encontrar a melhor combinação de fatores. A combinação dos fatores de produção é imposta pelas exigências tecnológicas de produção. Mas ainda resta o problema de determinar a escala ótima de produção e para esse propósito os preços dos fatores de produção são necessários. Porém, se o montante requerido de todos os fatores de produção é simplesmente proporcional ou à quantidade do produto (se os fatores limitantes forem do primeiro tipo) ou à quantidade de outro fator usado (se os fatores limitantes forem do segundo tipo), – esse é o caso de Pareto dos coeficientes de produção constantes – o custo médio por unidade produzida é independente da escala de produção. O problema de escolha da escala ótima de produção é assim eliminado, também. Nesse caso particular onde todos os coeficientes de produção são constantes, não são necessários preços nem custos de contabilidade. A eficiência na produção é mantida meramente pelas considerações tecnológicas de se evitar desperdício de materiais, etc. Parece que aqueles que negam a necessidade de um sistema de preços adequado numa economia socialista tem este caso em mente. Se as cotas dos bens de consumo a serem produzidos forem dadas, todos os demais problemas de planejar a produção são puramente tecnológicos e não é necessário nenhum sistema de preços ou de contabilidade de custos. Mas nós temos que dizer o quão extremamente irrealista é o pressuposto de que todos os coeficientes de produção sejam constantes. O próprio fato de que na União Soviética é colocada tanta ênfase na contabilidade de custos mostra quão longe da realidade está este caso especial. Mas se a contabilidade de custos deve cumprir seu propósito de assegurar eficiência no cumprimento do plano, os preços contábeis não podem ser arbitrários.

[44] Ver “Economic Theory and Socialist Economy,” Review of Economic Studies, October, 1934.

[45] É claro que ainda existe a possibilidade de influência por meio de canais políticos, mas não existe um mecanismo econômico regular pelo qual os consumidores influenciem automaticamente a direção da produção. O Dr. Zassenhaus sugeriu uma formulação teórica muito interessante sobre a influência através de canais políticos, análoga à teoria econômica da escolha.Ver Ueber die oekonomische Theorie der Planwirtschaft, p. 511 et seq.

[46] Esta instituição foi abolida em junho de 1934 e substituída pela Comissão de Controle Soviético. Uma parte de suas funções foi assumida pelos sindicatos. Ver Webb, Soviet Communism, vol. I, London, 1935, pp. 99 e 474-8.

[47] Parece altamente provável que a grande extensão em que o racionamento foi usado na União Soviética na alocação de fatores de produção e recursos foi ditada pela necessidade de ocultar o custo real do programa de industrialização. No entanto, esta observação não pretende ser uma crítica à política industrial do governo soviético, que foi justificada por motivos políticos, principalmente os de defesa nacional.

[48] Pode-se pensar em um Supremo Tribunal Econômico, cuja função seria salvaguardar o uso dos recursos produtivos da nação de acordo com o interesse público e com poderes para revogar decisões do Conselho de Planejamento Central que contrariem as regras gerais de coerência e eficiência enumeradas acima, assim como a Suprema Corte dos Estados Unidos tem o poder de revogar leis consideradas inconstitucionais. Este tribunal teria que revogar quaisquer decisões envolvendo racionamento.

[49] Essa crítica pressupõe, é claro, que a utilidade derivada de uma dada renda por pessoas diferentes é comparável. A teoria do equilíbrio econômico não precisa de tal pressuposto, porque ela é uma explicação do comportamento sob determinadas condições, dizendo respeito apenas a indivíduos, cada um maximizando sua utilidade separadamente. Mas a possibilidade de tal comparação é um postulado necessário (exceto em uma economia Robinson Crusoé) se diferentes posições de equilíbrio devem ser interpretadas em termos de bem-estar humano. E tal interpretação é necessária para a escolha de diferentes políticas econômicas. Se esta possibilidade for negada, qualquer julgamento quanto ao mérito das políticas, transcendendo a questão da consistência puramente formal das decisões e da eficiência em cumpri-las, é impossível. Nesse caso também não se encontra razão porque a alocação de recursos deva ser baseada nos preços de demanda resultantes das escolhas dos consumidores livres, e não no capricho de um ditador. Qualquer outra escala de preferência escolhida aleatoriamente pelo Conselho de Planejamento Central se sairia igualmente bem. Negar a comparabilidade da urgência da necessidade de diferentes pessoas e, ao mesmo tempo, considerar a alocação de recursos com base na demanda de preços como o único compatível com os princípios econômicos seria contraditório. Seria, como o Sr. Dobb observou corretamente, uma manobra que permite “a dignidade científica de uma neutralidade ética ser combinada com uma capacidade inabalada de emitir julgamentos sobre assuntos práticos.” (“The Problems of a Socialist Economy”, Economic Journal, dezembro de 1933, p. 591.) A falácia lógica de tal truque é facilmente exposta.

[50] Ver, no entanto, a qualificação contida na nota de rodapé 30 na Parte Um deste artigo. Se o montante total de trabalho realizado não for limitado pela legislação ou pelo costume regulando as horas de trabalho, etc., o valor do produto marginal do trabalho em cada ocupação tem que ser igual à desutilidade marginal.

[51] Assim, o Sr. Dobb está errado quando afirma que essas condições são contraditórias. Ver The Problems of a Socialist Economy, pp. 591-2. A menos que a educação e o treinamento para as diferentes ocupações forem grátis, a condição (1) também é necessária para satisfazer a condição (2), pois se a utilidade da renda não fosse a mesma para todas as pessoas o valor do produto marginal dos serviços de trabalho (que é igual ao salário) seria maior, relativamente à desutilidade, naqueles profissões que têm um custo de formação mais elevado. Isso acontece na sociedade capitalista onde aqueles que podem pagar caro por educação e treinamento são remunerados de forma desproporcional em relação à desutilidade de seu trabalho. A condição (2) não funcionaria, no entanto, no caso de talentos excepcionais (por exemplo, artistas ou cirurgiões proeminentes) que formam um monopólio natural. Em tais casos o valor do produto marginal dos serviços do trabalho deve ser necessariamente desproporcional à desutilidade marginal. Se fossem recompensados de acordo com o valor do produto marginal de seu serviço, tais pessoas formariam um grupo privilegiado de renda muito alta (como o são os escritores na União Soviética). Mas uma sociedade socialista pode também pagar-lhes rendimentos muito abaixo do valor do produto marginal de seus serviços sem afetar a oferta desses serviços.

[52] Isso não implica que todos os indivíduos tenham as mesmas escalas de utilidade, apesar de que isso decorreria do último pressuposto.

[53] Tais diferenças nas curvas de utilidade marginal da renda de indivíduos diferentes que não são puramente aleatórias, mas devido à idade, status da família, enfermidade, etc. seriam facilmente reconhecidas e as rendas poderiam ser diferenciadas de acordo.

[54] Ver The Economics of Welfare, third edition, London, 1929, Part II, chapter IX.

[55] Ver Studies in the Economics of Overhead Costs, Chicago, 1923, pp. 25-7, 397-403, e 463-4.

[56] Sendo as decisões do Conselho de Planejamento Central guiadas não pelo objetivo de garantir um lucro máximo em cada investimento separado, mas por considerações em busca de fazer o melhor uso de todos os recursos produtivos disponíveis em todo o sistema econômico, então seria sempre mantido um montante de investimento suficiente para fornecer o emprego para todos os fatores de produção.

[57] As deficiências decorrentes da desigualdade de renda estariam ausentes em um sistema competitivo se a propriedade privada dos meios de produção fosse distribuída igualmente entre a população (Marx chamou tal sistema de “einfache warenproduktion” [N.T.: produção simples de mercadorias]). Tal sistema é incompatível com a grande indústria. Mas, devido à igualdade aproximada de renda em tal sistema, uma economia socialista poderia incorporá-la parcialmente em seu próprio sistema. Portanto, o socialismo não precisa abolir a propriedade privada dos meios de produção na pequena indústria e na agricultura, desde que a produção em grande escala não seja mais econômica nesses campos específicos. Por meio de legislação apropriada, impostos e recompensas, uma economia socialista pode induzir esses pequenos empresários a levar em consideração todas as alternativas e evitar o perigo de causar sérias flutuações nos negócios.

[58] Ver Banking Policy and the Price Level, London, 1926, pp. 45-7, e Money, new edition, London, pp. 93-7.

[59] Ver The General Theory of Employment, Interest and Money, London, 1936.

[60] É do interesse da sociedade que qualquer melhoria disponível seja introduzida, independentemente do que aconteça com o valor do capital já investido. Se a melhoria permite que a mercadoria seja produzida a um custo total médio inferior ao custo médio primário de produção com o maquinário antigo, a substituição do maquinário antigo pelo novo é obviamente do interesse do público. Mas mesmo que o custo médio total do novo método de produção não seja inferior ao custo médio principal de produção com as máquinas antigas, sua introdução é do interesse do público. Nesse caso, tanto o maquinário antigo quanto o novo devem ser empregados na produção, o público recebendo o benefício de preços mais baixos. A perda de valor do antigo capital investido é justamente compensada pelo ganho do público em decorrência da redução de preços. Ver Pigou, The Economics of Welfare, third edition, London, 1929, pp. 190-2.

[61] The Great Depression, p. 141.

[62] A proteção dos privilégios de monopólio e de investimentos particulares também é a principal causa das rivalidades imperialistas entre as superpotências.

[63] Ver The General Theory of Employment, pp. 217-21 and 308-9. Deve-se mencionar que as dificuldades de acumulação de capital no sistema capitalista para encontrar oportunidades lucrativas de investimento foram discutidas, embora sem chegar a conclusões definitivas, por uma longa série de escritores da escola marxista: Tugan-Baranowski, Hilferding, Rosa Luxemburgo, Otto Bauer, Bucharin, Sternberg, Grossmann e Strachey são apenas os mais importantes. Esses escritores, no entanto, foram muito mais bem sucedidos em explicar a influência dessas dificuldades na política imperialista dos estados capitalistas.

[64] Wealth of the Nations, vol. I, p. 250, of Cannan’s third edition, London, 1922.

[65] Ibid., p. 130

[66] Tal interferência política tem um papel muito maior na Europa do que nos Estados Unidos.

[67] Isso também tem uma influência importante na seleção de líderes empresariais. Sob livre concorrência, o líder mais bem-sucedido de uma empresa comercial é aquele que consegue produzir com o menor custo. Com intervencionismo e restricionismo, o melhor empresário é aquele que sabe melhor influenciar em seu interesse as decisões dos órgãos do Estado (por exemplo, na obtenção de tarifas, subsídios ou ordens governamentais, cotas vantajosas de importação, etc.). Uma habilidade especial nesse sentido pode muito bem compensar a incapacidade de produzir a baixo custo. O melhor lobista se torna o líder empresarial mais bem-sucedido. O que antes era visto como um traço especial da indústria de munições torna-se no capitalismo intervencionista a regra geral.

[68] De acordo com o relatório do Senado dos Estados Unidos sobre “Preços Industriais e Sua Relativa Inflexibilidade” (74th Congress, 1st Session, Doc. No. 13, p. 10), escrito pelo Professor G. C. Means, nos Estados Unidos “mais da metade de toda atividade industrial é realizada por 200 grandes corporações, enquanto grandes corporações dominam os setores ferroviário e de utilidade pública e têm um papel importante nos setores de construção e distribuição.”. Ver também A. A. Berle e G. C. Means, The Modern Corporation and Private Property, New York, 1933, Book I, chap. III, e A. R. Burns, The Decline of Competition, New York, 1936.

[69] O quanto os Bolcheviques russos concebiam a socialização como um processo gradual antes de tomar o poder pode ser visto no panfleto de Lenin “The Threatening Catastrophe and How to Fight It” (Works, vol. XXI, Book I).

[70] Isso é verdade para qualquer política buscando uma mudança radical nas relações de propriedade e não só de socialização. Por exemplo, uma revolução agrária como aquela que está ocorrendo na Espanha e prevista em diversos países da Europa Central Oriental não pode avançar gradualmente se a produção agrícola não estiver para ser arruinada por muitos anos de incerteza.

[71] É na necessidade de escolher entre essas duas alternativas que reside a tragédia de todos os governos socialistas de direita.

[72] Isso foi evidenciado claramente pela experiência dos primeiros oito meses depois que os bolcheviques chegaram ao poder na Rússia. O governo soviético tentou sinceramente evitar a socialização rápida e generalizada das indústrias. Um colapso econômico foi o resultado. A maioria dos decretos de socialização durante esses meses foram medidas de emergência que tiveram que ser tomadas porque os antigos proprietários não podiam administrar suas fábricas sem a necessária segurança de propriedade e lucro e sem a necessária autoridade sobre os trabalhadores. Para detalhes, ver Dobb, Russian Economic Development since the Revolution, New York, 1928, chapter II.

[73] Ver The General Theory of the Employment, chap. II

[74] Deve ser mencionado, no entanto, que às vezes os governos socialistas provaram ser afetados muito mais pelos preconceitos burgueses a respeito das políticas econômicas e financeiras do que os governos capitalistas geralmente são. A razão para isso era que por meio da “sanidade” de suas políticas, eles queriam compensar pela falta de confiança do mundo empresarial e financeiro. Não é preciso dizer que um governo socialista dificilmente conquista por esse preço a simpatia dos grandes interesses capitalistas e financeiros enquanto perde sua única chance de sucesso em suas políticas econômicas.

[75] Principles of Economics, eighth edition, London, 1930, p. 48.

[76] Ibid., p. 47.

[77] Capital, vol. I, edited by Untermann, Chicago, Kerr, I908, p. 88 (p. 43 da sexta edição alemã, Hamburg, Meissner, 1909).

[78] Capital, vol. I, pp. 90-1 (p. 45 da sexta edição alemã).

[79] Critique of the Gotha Programme, London, 1933, p. 29. (Eu tive que corrigir a tradução, que era inacurada) [N.T.: Trata-se de um aviso do próprio Oskar Lange ao leitor a respeito da tradução para o inglês nesta edição do Crítica ao Programa de Gotha]).

[80] Ver The Correspondence of Marx and Engels, International Publishers, New York, p. 246. Esta e algumas outras afirmações refutam a visão geralmente aceita de que Marx considerava todas as leis econômicas como sendo de caráter histórico-relativo. Sua posição parece ter sido, no entanto, uma em que as leis econômicas de validade universal são tão auto-evidentes que quase não há necessidade de uma técnica científica especial para seu estudo e a ciência econômica deve se concentrar, portanto, em investigar a forma particular que essas leis assumem em um quadro institucional definido. Ver também Engels, Anti-Dühring, twelfth edition, Berlin, 1923, pp. 149-50.

[81] Ver Pierson, “The Problem of Value in the Socialist Society,” reimpresso em Collectivist Economic Planning, p. 76 et seq., e Mises, Economic Calculation in the Socialist Commonwealth, ibid. p. 113 et seq. [N.T.: Nas últimas décadas, diante dos avanços vertiginosos na capacidade de coleta e processamento de dados nos computadores e redes modernos, da digitalização de processos, compra, venda e administração e nas técnicas para a realização de operações sobre matrizes gigantescas, autores marxistas têm investigado a possibilidade de planejamento democrático computadorizado para uma alocação não mercantil dos recursos no socialismo, uma possibilidade antecipada pelo próprio Lange algumas décadas depois da publicação deste artigo. Mesmo que seguindo a influência de Oskar Lange na busca de um sistema que ajuste a oferta e a demanda dos diversos bens e serviços produzidos pela sociedade na base de sucessivas tentativas e erros, orientadas por variações positivas ou negativas nos preços conforme a demanda social por cada item, vários dos autores que vêm desenvolvendo trabalhos nesse campo de pesquisa têm resgatado a teoria do valor-trabalho, na forma de técnicas de cálculo dos custos verticalmente integrados na produção de cada item. Alguns dos trabalhos pioneiros nesse sentido foram publicados por Paul Cockshott e Alin Cottrell na primeira metade da década de 90: “Planejamento socialista após o colapso da União Soviética”, “Cálculo, complexidade e planejamento: o debate do cálculo socialista, uma vez mais” e “Informação e economia: uma crítica à Hayek”. Uma introdução a várias das ideias que têm surgido nos debates contemporâneos nesse campo pode ser lida na série produzida pelo coletivo CibCom: “Por um programa cibercomunista”, “Um dia na agência de planificação”, “Trabalhar menos e viver melhor”, “Ciber-socialismo: democracia direta em larga escala”, “Por uma planificação ecológica do metabolismo universal”, “Contra o realismo doméstico, a socialização dos cuidados”. Para revisões e reflexões mais recentes sobre os sentidos do “debate sobre o cálculo econômico no socialismo”, a partir de variados pontos de vista socialistas, ver “Cálculo, complexidade e planejamento: o debate do cálculo socialista, uma vez mais”, de Cockshott e Cottrell (já citado anteriormente), “Socialismo digital? O debate do cálculo na Era do Big Data”, de Evgeny Morozov, “Como fazer um lápis: se a gente quiser, o capitalismo acaba”, de Aaron Benanav, “O cálculo econômico socialista e a luta de classes na ciência”, de Tiago Camarinha Lopes, e “Plataformas para a abundância vermelha”, de Nick Dyer-Witheford (a ser publicado em breve pela Jacobin Brasil).]

[82] Anti-Dühring, pp. 335-6. Com alguma boa vontade de interpretação, esta afirmação de Engels pode ser considerada, de fato, como contendo todos os fundamentos da solução moderna. Interpretando a quantidade de trabalho necessária para produzir um certo bem como a quantidade marginal, todos os custos podem ser reduzidos, em equilíbrio de longo prazo, aos custos de trabalho. Os preços dos serviços dos recursos naturais podem ser considerados como rendas diferenciais, e se a acumulação de capital tiver sido levada a ponto de reduzir a produtividade marginal líquida do capital a zero (como uma sociedade socialista tenderia a fazer, ver acima na Parte Um), os juros seriam eliminados. Assim, a produção de cada mercadoria deve ser levada a tal ponto onde a proporção da quantidade marginal de trabalho usada na produção das diferentes mercadorias seja igual à proporção das utilidades marginais (e dos preços) dessas mercadorias. Mas essa solução de longo prazo eliminando os juros seria de pouca utilidade para fins práticos.

[83] Vide o tratamento de Ricardo sobre a demanda em conexão com sua teoria da renda.

[84] Publicado como uma segunda parte do livreto The Social Revolution (citado de acordo com a edição de Kerr, Chicago, 1910).

[85] The Social Revolution, p. 129.

[86] Ibid., pp. 134-5.

[87] New York, 1925. O título do original em alemão é: Die proletarische Revolution und hr Programm, Berlin, 1922.

[88] Loc. cit., p. 260.

[89] Ibid., p. 260.

[90] Ibid., p. 261.

[91] The Labour Revolution, p. 264.

[92] Ibid., p. 267.

[93] Ibid., p. 262.

[94] Ibid., p. 262.

[95] Ibid., p. 270.

[96] Soviet Economy in Danger, Pioneer Publishers, New York, 1932, pp. 29-30.

[97] “Report on the work of the Central Committee of the Communist Party of the Soviet Union made to the Seventeenth Party Congress held in Moscow, January 26 to February 10, 1937.”

[98] Critique of the Gotha Programme, p. 31.

[99] Ver Roads to Freedom, London, 1919, p. 107 et seq.

[100] Ver “The State and Revolution,” chapter V (4) (Works, vol. XXI, Book II.).

[101] See Russell, Roads to Freedom, pp. 109-10.

Sobre os autores

Oskar Lange

foi um economista e diplomata marxista polonês que apresentou contribuições fundamentais à economia neoclássica à partir de um ponto de vista socialista, inclusive no famoso "debate sobre o cálculo econômico socialista".

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Published in Análise, Economia and Política

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