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Julian Assange falando durante um evento em 2009. (Foto: New Media Days / Peter Erichsen / Creative Commons)

A extradição de Assange contribui para a crise no jornalismo

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A extradição de Julian Assange, fundador do Wikileaks, ilustra o tamanho da crise de um mundo em declínio em que vivemos, onde informações verídicas são restringidas e seus divulgadores perseguidos. Num cenário de crise do jornalismo, com redes de fake news e uso questionável da tecnologia, a liberdade de informação está sob grave ameaça.

Em 17 de junho de 2022, o governo do Reino Unido aprovou a extradição do jornalista australiano Julian Assange para os Estados Unidos. Há mais de cinco anos, ele trava uma batalha legal para evitar uma possível sentença de 175 anos de prisão por seu trabalho no WikiLeaks, site responsável por denunciar crimes de guerra no Oriente Médio, ciberespionagem e outras ofensas contra os direitos humanos por parte do governo americano e outros países do mundo.

A Jacobina já escreveu sobre Assange, bem como inúmeros veículos de imprensa brasileiros e internacionais. Mas, nesse exato momento, é preciso reforçar a importância que este caso tem no ecossistema da comunicação mundial, em tempos onde demissões em massa estão afetando o setor de imprensa e o trabalho do jornalismo investigativo no mundo. Na quarta-feira, 21 de fevereiro, o último recurso de apelação de Assange para evitar sua extradição foi ouvido em um tribunal britânico. Agora, é tudo ou nada.

O que é o WikiLeaks?

Fundado em outubro de 2004, o WikiLeaks é uma organização de imprensa baseada em transparência para fiscalizar instituições de poder, sejam elas públicas ou privadas. Ao longo dos anos, o site recebeu, analisou e publicou centenas de milhares de documentos, dados e informações internas de governos ao redor do mundo que fossem de interesse público.

O trabalho provavelmente mais conhecido do WikiLeaks é o Cablegate, quando, em 2010, mais de 251 mil de telegramas internos do Departamento de Estado dos EUA enviados de todas as suas 274 embaixadas e consultados foram publicados pelo site. E é também muito por conta desse trabalho — embora existam outras questões — que Assange está sob ameaça de extradição. Os documentos, que datavam de 1996 até 2010, continham informações essenciais sobre a espionagem de líderes globais e conflitos internos dos quais os americanos sabiam que estavam acontecendo. Uma das informações publicadas pelo site envolve um vídeo onde jornalistas da agência de notícias Reuters são assassinados a sangue-frio por militares americanos, apesar de conterem equipamentos e descrições de imprensa em suas roupas — semelhante ao que está acontecendo na guerra em Gaza neste exato momento.

Sete relatórios e telegramas foram produzidos pela Embaixada dos Estados Unidos em Brasília sobre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Eles avaliavam a estrutura e organização do movimento social no país, assim como seu peso político. Um dos telegramas se destaca. Escrito em 2008 pelo então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel, alega que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), assim como os movimentos sociais, aparece como um obstáculo para a criação de uma lei antiterrorismo no Brasil. André Luís Woloszyn, então analista de inteligência estratégica na Escola Superior de Guerra, é mencionado no telegrama através de uma conversa com o embaixador norte-americano ao dizer que o governo do — na época — ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era “repleto de militantes esquerdistas que haviam sido alvos de leis da ditadura militar criadas para reprimir a violência politicamente motivada”. Woloszyn segue, afirmando que “é impossível a criação de uma lei antiterrorismo que exclua as ações do MST”.

Os documentos foram publicados em parceria com outras organizações de imprensa no mundo, como o New York Times, El País, The Guardian e outros. Esse tipo de parceria, fundamental para estabelecer a relevância do WikiLeaks em uma época em que a internet e os blogs começavam a ganhar espaço, ajudou a solidificar a credibilidade da organização no cenário jornalístico global.

Procedimentos (i)legais

Após o vazamento dos telegramas do governo dos EUA, investigações internas descobriram que a pessoa responsável foi Chelsea Manning, uma ex-analista de inteligência do Exército. Uma das, se não a principal acusação da promotoria no caso é que Assange teria incentivado Chelsea Manning a entregar documentos do Exército. O motivo para esta última acusação é que, em conversa com Manning enquanto ainda não sabia de sua identidade, Assange escreveu a frase “curious eyes never run dry” (olhos curiosos nunca ficam secos).

O pilar do caso dos EUA contra Assange é a Lei de Espionagem de 1917, um dispositivo legal americano que data da Primeira Guerra Mundial e foi estabelecido para caçar comunistas no país durante a época. Ela já foi usada para perseguir socialistas, como o candidato à presidência Eugene V. Debs, imigrantes e ativistas políticos. A lei entra no aparato de “proteção da segurança nacional” dos EUA, dando amplos poderes ao Estado sobre a pessoa presa. Somando todas as mais de vinte acusações feitas pela promotoria, Assange pode pegar 175 anos de prisão. A depender do tribunal onde seria julgado nos EUA, a pena de morte poderia ser uma possibilidade, embora improvável.

Em 4 de janeiro de 2021, um tribunal britânico negou a extradição de Assange aos EUA, considerando que esse processo inevitavelmente o levaria ao suicídio. A saúde mental do jornalista vem deteriorando rapidamente desde que foi preso em 2019, após sair do seu exílio na embaixada do Equador no Reino Unido. Sua esposa, Stella Assange, já falou sobre como ele ficou inúmeras vezes em observação psiquiátrica dentro da prisão de Belmarsh, onde aguarda o caso atualmente.

Na realidade, nenhuma pessoa que manteve ou mantém contato próximo com o WikiLeaks possui paz desde meados de 2010. No final de 2021, foi exposto que a CIA, a maior agência de inteligência dos EUA e possivelmente do mundo, havia elaborado um plano para sequestrar e assassinar Assange, evitando o procedimento legal da extradição. A CIA nega que isso tenha acontecido. Jornalistas que trabalharam para o veículo foram altamente vigiados e monitorados por anos, assim como a própria Stella.

Quando a diplomacia entra em cena

Após as últimas audiências entre 20 e 21 de fevereiro, há duas possíveis conclusões para o caso. Se o tribunal aceitar sua apelação, o caso seguirá para um recurso completo, o que significa que ele potencialmente será totalmente refeito. Caso seja negado, as autoridades poderão finalmente extraditá-lo. Uma última alternativa é solicitar intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) para interromper sua extradição, mas pode ser tarde demais quando o tribunal puder agir, uma vez que os casos demoram muitos anos. Um pedido para interromper sua extradição já está pendente na corte.

Pactos internacionais de extradição são comuns na maioria dos países, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos. É extremamente difícil que uma das duas partes escolha quebrar o acordo apenas por escolha e opinião própria sobre o indivíduo que será extraditado. É por isso que a decisão de 2021 que negou a extradição foi desconsiderada, uma vez que, para o governo britânico — que desde a saída da União Europeia enfrenta uma série de polêmicas e controvérsias internas, assim como uma recessão econômica que pode depender de pactos com os EUA — arcar com os prejuízos dessa escolha é extremamente difícil.

O problema é que, neste caso específico, todos os órgãos de respeito já se pronunciaram contra a extradição. Os maiores veículos de imprensa do mundo escreveram inúmeras cartas para Biden pedindo que seu governo retire as acusações. A ONU já se manifestou sobre o caso. Líderes mundiais, como Lula, já ofereceram asilo político a Assange, e até mesmo a própria Austrália já pediu ao Reino Unido que ele seja enviado de volta ao seu país.

Até agora, o governo Biden parece ter recuado na ideia de intervir na perseguição do Departamento de Justiça dos EUA a Assange. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse no ano passado que era “muito importante” para “nossos amigos” na Austrália entender as preocupações dos EUA sobre o “suposto papel de Assange em um dos maiores comprometimentos de informações confidenciais da história de nosso país”.

Sintoma de um mundo em decadência

Ao discutir a extradição de Assange, o ponto mais óbvio a ser feito é o fato de que ele é um jornalista e nenhum profissional de imprensa — conforme as tradições e leis que todos impusemos no mundo ao longo dos anos — deveria passar por um processo como este. Mas, em 2024, o caso representa um pouquinho mais do que só isso.

O mundo está confuso, e com isso, a imprensa também. Desde janeiro, algumas das maiores organizações de imprensa do mundo, que auxiliam na distribuição de informações para o resto do mundo devido à sua predominância de recursos, promoveram demissões em massa que afetaram milhares de pessoas. Veículos fecharam as portas e passaram a usar ferramentas de inteligência artificial para produzirem histórias e artigos.

Os algoritmos das redes sociais estão passando a se distanciar cada vez mais das notícias, após o medo das big techs de perderem anunciantes e se envolverem em polêmicas envolvendo a falta de noção e moderação para lidar com temas sensíveis após as eleições de 2016 nos Estados Unidos. Em alguns casos, empresas como o Google estão bloqueando totalmente a distribuição de matérias por simplesmente se negar a pagar os lucros dos anúncios aos veículos de imprensa. Todos os mecanismos de busca são um saco, e é cada vez mais difícil encontrar uma informação na internet sem precisar dedicar uma hora do seu dia para checagem dos fatos.

Ao mesmo tempo que isso acontece na esfera pública da tecnologia, no lado privado — não no sentido comercial, e sim no lado interno — as empresas se tornam mais parceiras de entidades estatais e mais submissas às ameaças de grandes figuras de poder. Cada dado e informação sua, a partir do momento que você abre um aplicativo, é coletado por uma empresa e possivelmente analisado por, no mínimo, três outras, e o mundo, para além da União Europeia, não consegue criar uma legislação global para proteger a privacidade das pessoas. Redes como o Twitter, hoje conhecido como X, já foram pilares para a democratização da informação global e agora são redutos da extrema direita que se curvam a quaisquer pedidos de monitoramento de estado para a derrubada de perfis dissidentes, ao mesmo tempo que permitem neonazistas na plataforma.

Reportagens e denúncias sobre crimes de guerra e violações dos direitos humanos continuam acontecendo, e para saber disso é apenas preciso olhar para o estado de Gaza neste momento, mas conseguir conversar com essas pessoas é cada vez mais difícil para os jornalistas. Muitos profissionais foram demitidos nos últimos meses por simplesmente fazerem um apelo ao lado humanitário da causa, ainda que não entrassem em nenhuma questão política ou ideológica envolvendo o conflito.

Investigar nunca foi fácil, mas com o conjunto de fatores que temos no momento, essa prática se tornou ainda mais complicada — e olha que nem tocamos no ponto da falta de arrecadação de recursos da mídia independente. Por isso que a extradição de Assange significa mais do que é — mesmo que por si só já signifique muito. É um sintoma de um mundo em decadência, onde informações são paralisadas, contidas e guardadas cada vez mais secretamente por órgãos e entidades de poder, enquanto as coisas vão piorando.

Sobre os autores

Sofia Schurig

cobre tecnologia, redes sociais e extremismo online. É graduanda em Comunicação Social na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisa semiótica e humanidades digitais. Trabalha na Sabiá e no Núcleo Jornalismo, onde é repórter. Na Jacobin, cuida das seções de Tecnologia e Ciências.

Cierre

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Published in América do Norte, DESTAQUE, Direitos Humanos, Europa, Imprensa and Notícia

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