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Um barco avança pelo rio Tapajós para encontrar ruínas peculiares, estamos em setembro de 2021, terceiro ano de bolsonarismo. É a antiga Fordlândia, um gigantesco distrito industrial concedido a Henry Ford em pessoa nos anos 1920, no coração da Amazônia. Os restos daquele leviatã industrial se espraiam por milhares de quilômetros floresta adentro.
Fordlândia, museu do real, remete ao anjo da História de Walter Benjamin, que olha para o passado como uma “catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés”; os escombros de Fordlândia cintilam como fragmentos melancólicos no meio da pulsão absoluta da floresta.
Ford, um dos maiores industriais do capitalismo contemporâneo, tentou construir em Fordlândia a sua Alexandria, uma personificação conceitual e geográfica desse projeto. E ela se encontra em um terreno à sua altura titânica – a Amazônia –, uma barreira ainda não totalmente controlada nem codificada pelo capitalismo que infesta a superfície terrestre.
Ocupando quase a totalidade do gigantesco município de Aveiro, no sudoeste do estado do Pará, divisa com o Amazonas, Fordlândia tem quase dez vezes o tamanho do município de São Paulo, considerando a área fabril e a que foi dedicada aos seringais. Para sua construção, foi provocada uma das maiores queimadas já produzidas por ação humana. Do mesmo tipo das que hoje avançam, de novo, e violentamente.
Em 2019, o Brasil testemunhou episódios como o Dia do fogo, quando enormes trechos da floresta foram queimados, na melhor das hipóteses, sob a vista grossa do governo federal, que desde então adota uma postura negacionista sobre o fato – apesar da fuligem ter chegado até São Paulo. No mesmo ano, brigadistas anti-incêndio chegaram a ser presos em Alter do Chão, a poucos quilômetros ao norte de Fordlândia, em uma trama distópica que pretendia responsabilizá-los pela queimada que tentavam apagar.
A Amazônia atual é pura vertigem. O avanço do capitalismo selvagem sob o impulso do bolsonarismo envolve grileiros, contrabandistas e traficantes – de animais, pedras preciosas, armas e madeira rara –, garimpeiros, mercenários e neobandeirantes –, ou melhor, milicianos. Com a pandemia de Covid-19, os povos originários foram obrigados a voltar às matas para se proteger, mas nelas encontraram toda sorte de invasores – um avanço brutal sobre os recursos naturais.
Essas ruínas ecoam, talvez pela arquitetura em estilo de subúrbio estadunidense, a tristeza do decadente sul dos Estados Unidos de fins da Guerra da Secessão e o universo dos livros de William Faulkner. Ford, um nortista, representa, no entanto, o espírito inovador antagônico ao sul faulkneriano. Fordlândia é uma obra do Norte, desse Norte que tomou e ditou os rumos da humanidade – mesmo que esse Norte tenha se aliado ao velho Sul, no acordo espúrio de 1877, a grande traição, para conduzir o empreendimento imperialista.
O que teria, no entanto, detido esse espírito invencível? Prédios sem teto, galpões destelhados, árvores que surgem de dentro de automóveis abandonados, muitos deles dos próprios anos 1920. Que guerra teria abduzido os habitantes de Fordlândia? Que força a teria vencido? Teria sido o “atraso”, modo pelo qual os velhos sulistas do Brasil e os grandes irmãos do Norte leem a Amazônia? Ou seria a força da natureza?
Fordlândia é um monumento do mundo antigo em vestes modernas, porém sua existência não suscita uma cultura esquecida ou uma civilização sem nome. Ao contrário, ela se trata do projeto que ainda encabeça a máquina capitalista global que sequestra nossos sonhos e, afinal de contas, destrói o futuro conosco dentro. Ela é como uma esfinge, porém portadora de um enigma universal e imediato.
A Amazônia e o lugar de Fordlândia
A Amazônia não é apenas uma espécie de reserva de natureza pura e intocada, estranha e alheia à humanidade. Qualquer pesquisa que se preze sobre a floresta hoje precisa considerar como a ocupação humana milenar produziu uma floresta sustentável antes do início da colonização. A Amazônia pré-colonial é pura práxis, natureza naturante ao modo de Espinosa.
Uma Amazônia também antropogênica. Não uma idílica natureza-natural como o pensamento romântico construiu, mas criação humana como parte do ecossistema. Ela é fruto da invenção constante dos povos da floresta, o que resultou em manejos criativos e sustentáveis que desenharam seu ambiente. Uma floresta que é plantação e, ao mesmo tempo, farmácia, medicina, cura e alimento, tendo sustentado sem maiores crises uma enorme população pré-colonial.
O rio Tapajós, onde os destroços de Fordlândia jazem, é uma espécie de Mar Egeu, no qual uma miríade de povos acena às suas margens, como nos lembra José Roberto Aguilar. Povos que vivem há milênios ali, em um dos mais antigos assentamentos humanos do Brasil. Nessa área, que se estende até a cidade paraense de Santarém, incluindo a vila de Alter do Chão, temos um nodo de um caminho que vinha dos Andes para terminar na Ilha de Marajó, também no Pará – conforme registros de cerâmica milenar em ambos os polos dessa faixa.
As próprias seringueiras, das quais se extrai o látex, que servia de matéria-prima para a borracha, são nativas da Amazônia. Seu cultivo e a cultura do uso do látex para produzir artefatos também é costume antigo dos indígenas amazônicos, embora existam registros mais antigos ainda de produção da borracha na América Central, entre os Olmecas. Não dos europeus. A produção da borracha pelo povo Kambeba é atestada pelo naturalista francês Charles La Condamine, ainda no século xviii.
Se foram os franceses a iniciar a produção da borracha na Europa, foram os britânicos que levaram até as suas colônias asiáticas, na segunda metade do século xix, as sementes das seringueiras, em um dos maiores casos de biopirataria da história. Mas é também nesse período que se desenvolve o Ciclo de Borracha no Norte do Brasil, gerando ferrovias na floresta ou mesmo a construção do opulento teatro de ópera de Manaus.
Henry Ford, quando se lançou no empreendimento da construção de Fordlândia, voltava ao marco zero da história da borracha. E ele o fazia buscando uma alternativa ao entrave que o agônico imperialismo britânico tinha estabelecido sobre o ascendente capitalismo americano. Com a limitação das exportações de látex das colônias britânicas para a indústria americana, era necessário cultivar seringais em outras partes do mundo, uma vez que ainda não havia borracha sintética.
O autor dessa política de limitações era ninguém mais, ninguém menos, do que o futuro premiê britânico Winston Churchill, então no Partido Liberal, quando era secretário de Estado para as colônias de governo de David Lloyd George. O “cartel da borracha” enfurecia industriais estadunidenses, como o amigo de Ford, Harvey Firestone, e valia toda sorte de xingamento contra os britânicos, quase arruinados pela Grande Guerra.
Para os britânicos, negar acesso ao látex da Malásia à indústria estadunidense naqueles idos dos anos 1920 era um modo de conservar os preços altos, uma tentativa de se recuperar da guerra por meio de protecionismo. A jogada impetuosa de Ford era uma empreitada como a dos navegadores europeus, que barrados pelo bloqueio do Império Otamano à Rota da Seda, buscavam desesperadamente cruzar o Cabo da Boa Esperança. No caso, essa aventura levava os estadunidenses para aquela floresta que Ford via como assombrosa e detestável.
E é assim que em 1927, Ford lança seu ambicioso projeto tecnocapitalista em meio à floresta. O Brasil da decadente República Velha era, naturalmente, um locus propício para esse movimento, na medida em que trocava a dependência da Europa em declínio pela voracidade da jovem América – com seu imperialismo flexível, comercial, quase imperceptível em comparação ao grande empreendimento estatal dos europeus.
Fordismo
A Amazônia não é apenas uma espécie de reserva de natureza pura e intocada, estranha e alheia à humanidade. Qualquer pesquisa que se preze sobre a floresta hoje precisa considerar como a ocupação humana milenar produziu uma floresta sustentável antes do início da colonização. A Amazônia pré-colonial é pura práxis, natureza naturante ao modo de Espinosa.
Uma Amazônia também antropogênica. Não uma idílica natureza-natural como o pensamento romântico construiu, mas criação humana como parte do ecossistema. Ela é fruto da invenção constante dos povos da floresta, o que resultou em manejos criativos e sustentáveis que desenharam seu ambiente. Uma floresta que é plantação e, ao mesmo tempo, farmácia, medicina, cura e alimento, tendo sustentado sem maiores crises uma enorme população pré-colonial.
O rio Tapajós, onde os destroços de Fordlândia jazem, é uma espécie de Mar Egeu, no qual uma miríade de povos acena às suas margens, como nos lembra José Roberto Aguilar. Povos que vivem há milênios ali, em um dos mais antigos assentamentos humanos do Brasil. Nessa área, que se estende até a cidade paraense de Santarém, incluindo a vila de Alter do Chão, temos um nodo de um caminho que vinha dos Andes para terminar na Ilha de Marajó, também no Pará – conforme registros de cerâmica milenar em ambos os polos dessa faixa.
As próprias seringueiras, das quais se extrai o látex, que servia de matéria-prima para a borracha, são nativas da Amazônia. Seu cultivo e a cultura do uso do látex para produzir artefatos também é costume antigo dos indígenas amazônicos, embora existam registros mais antigos ainda de produção da borracha na América Central, entre os Olmecas. Não dos europeus. A produção da borracha pelo povo Kambeba é atestada pelo naturalista francês Charles La Condamine, ainda no século xviii.
Se foram os franceses a iniciar a produção da borracha na Europa, foram os britânicos que levaram até as suas colônias asiáticas, na segunda metade do século xix, as sementes das seringueiras, em um dos maiores casos de biopirataria da história. Mas é também nesse período que se desenvolve o Ciclo de Borracha no Norte do Brasil, gerando ferrovias na floresta ou mesmo a construção do opulento teatro de ópera de Manaus.
Henry Ford, quando se lançou no empreendimento da construção de Fordlândia, voltava ao marco zero da história da borracha. E ele o fazia buscando uma alternativa ao entrave que o agônico imperialismo britânico tinha estabelecido sobre o ascendente capitalismo americano. Com a limitação das exportações de látex das colônias britânicas para a indústria americana, era necessário cultivar seringais em outras partes do mundo, uma vez que ainda não havia borracha sintética.
O autor dessa política de limitações era ninguém mais, ninguém menos, do que o futuro premiê britânico Winston Churchill, então no Partido Liberal, quando era secretário de Estado para as colônias de governo de David Lloyd George. O “cartel da borracha” enfurecia industriais estadunidenses, como o amigo de Ford, Harvey Firestone, e valia toda sorte de xingamento contra os britânicos, quase arruinados pela Grande Guerra.
Para os britânicos, negar acesso ao látex da Malásia à indústria estadunidense naqueles idos dos anos 1920 era um modo de conservar os preços altos, uma tentativa de se recuperar da guerra por meio de protecionismo. A jogada impetuosa de Ford era uma empreitada como a dos navegadores europeus, que barrados pelo bloqueio do Império Otamano à Rota da Seda, buscavam desesperadamente cruzar o Cabo da Boa Esperança. No caso, essa aventura levava os estadunidenses para aquela floresta que Ford via como assombrosa e detestável.
E é assim que em 1927, Ford lança seu ambicioso projeto tecnocapitalista em meio à floresta. O Brasil da decadente República Velha era, naturalmente, um locus propício para esse movimento, na medida em que trocava a dependência da Europa em declínio pela voracidade da jovem América – com seu imperialismo flexível, comercial, quase imperceptível em comparação ao grande empreendimento estatal dos europeus.
A luta
O norte do Brasil no qual Ford instalava seu maquinário nunca foi uma terra alheia a lutas. Em 1835, logo depois da Independência, o Brasil passava pela inquietação do período regencial. E na então província do Grão-Pará não era diferente. Administrado em separado do Brasil durante muito tempo, a independência impunha a sujeição da região a um Estado tirânico e centralizador, ironicamente, sem Imperador naquele momento, uma vez que Dom Pedro i havia partido para Portugal, e seu filho ainda não tinha idade para assumir o trono.
Os assim chamados cabanos, por viverem em cabanas à beira dos rios, se levantaram ao lado dos indígenas e negros para derrubar o governo da província. E obtiveram êxito por dez meses. Depois, com a tomada de Belém pelas tropas imperiais, os cabanos recuaram para as matas, na forma de guerrilha, resistindo ainda por mais cinco anos.
Apesar do extermínio que chegou a um terço da população paraense da época, ou até mais, as terras do oeste paraense terminaram povoadas pelos sobreviventes daquele levante. O Pará era feito de indígenas, brancos, negros e mestiços, nas cidades e nas florestas. Na luta da cabanagem, essa coalizão de trabalhadores estava junta, incorporando práticas e misturando vivências. Derrotada, mas não destruída, essa memória de lutas estava ainda presente nos anos 1920 como substrato de uma cultura revolucionária desse povo amazônico.
Ford irá passar boa parte dos anos 1920 enviando prospectores para lhes enviar relatórios e preparar Fordlândia. O projeto só saiu do papel em 1927, mas as dificuldades eram imensas. Destruir a floresta, plantar seringueiras, estabelecer técnicos dos Estados Unidos e, ainda, reduzir o povo amazônico ao trabalho industrial moderno era difícil. Ford ignorava essa memória de lutas, quase como uma expressão de seu desprezo, já na sua terra, por formas de resistência operárias. E
Em 1928, já havia o relato de um levante de trabalhadores, mas isso só foi se tornar um problema para os gestores da Fordlândia anos mais tarde. Em 1930, quando o crash da Bolsa já havia ocorrido, a Fordlândia estava a todo vapor, avançando sobre a floresta e tentando disciplinar seus trabalhadores – que trabalhavam doze horas e não oito como na matriz nos Estados Unidos e ainda tinham de se submeter à alimentação definida pelos gestores estadunidenses em um refeitório interno.
Mas o fantasma da crise de 1929, no entanto, fez os estadunidenses decidirem que era hora de deduzir a alimentação dos salários e enquadrar mais ainda seus funcionários. Eis aí que ocorre um levante no qual Fordlândia é quase inteiramente destruída por trabalhadores enfurecidos que, segundo o relato de Grandin, cantavam “O Brasil para os brasileiros. Matem todos os americanos” revoltados pela maneira como um diretor profundamente impopular, Kaj Ostenfeld, debochou da indignação de um operário:“Com a fuga de Ostenfeld, a multidão ensandeceu. Depois de demolir o refeitório, destruíram ‘tudo de quebrável que estivesse no caminho, o que os levou ao prédio do escritório, à usina de força, à serraria, à garagem, à estação de rádio e ao prédio da recepção’. Cortaram as luzes da plantação, destruíram janelas, atiraram uma carga de carne no rio e inutilizaram medidores de pressão”.
A recém-implantada Fordlândia convulsionou. James Kennedy, o imediato de Ford na administração da cidadela, sabia bem quais eram as ordens de Detroit: jamais se deixar dobrar por trabalhadores ou qualquer coisa que cheirasse a sindicalismo. Ainda mais uma revolta. E assim o fez, enquanto muitos dos seus homens fugiram de barco ou se embrenharam na mata.
Kennedy conta com a ajuda das tropas brasileiras para reprimir a greve com soldados bem armados e uma onda de demissões. Mas Fordlândia jamais seria a mesma, porque 1930 deixaria uma atmosfera de medo nos administradores estadunidenses de Ford.
Os retornos possíveis pela borracha compensariam a reconstrução de Fordlândia, e o contínuo e grande investimento de Ford, apesar da Grande Depressão. No mais, o cientista soviético Serguei Lebedev tinha descoberto como produzir borracha sintética, mas estadunidenses e europeus permaneceram céticos com a inovação que, outra vez, não partiu do seu engenho. A chegada de Getúlio Vargas ao poder no Brasil, ao contrário de significar uma desgraça para o empreendimento estrangeiro de Ford, resultou na sedimentação da concessão das terras de Fordlândia e, ainda, em uma preciosa isenção tributária.
Pragas, pestidades tropicais e levantes contínuos iriam atormentar a vida dos gerentes estadunidenses dali em diante, apesar da reconstrução bem-sucedida. Depois da queda do valor da borracha e a crise nos Estados Unidos, que a um só tempo levam ao New Deal de Roosevelt, a uma maior intervenção estatal e uma ascensão dos sindicatos, nem a passagem dos seringais para a vizinha Belterra iria resolver a decadência do sonho despótico de Ford na Amazônia.
Com a invasão japonesa nas colônias europeias da Ásia, a Amazônia brasileira voltou a ter importância na produção da borracha. E isso se tornou parte do esforço de guerra aliado. Mas quem conduziu a tarefa dessa vez foram os governos do Brasil e dos Estados Unidos, sem intermediários.
Assim que terminou a guerra, os estadunidenses abandonaram a toque de caixa Fordlândia, deixando suas casas e até bens pessoais para trás. Com a derrota japonesa havia muita oferta de látex no mercado mundial. Enquanto isso, a borracha sintética, descoberta pelos soviéticos anos antes – negada por inventores estadunidenses como Thomas Edison – se tornava uma realidade depois dos avanços tecnológicos trazidos pela guerra e a aliança saudita-americana para exploração do petróleo.
No fundo, para além da geopolítica, a insubmissão da máquina amazônica, seu clima e suas gentes conduziram a um quadro no qual os gerentes estadunidenses sempre estiveram em xeque, principalmente de 1930 em diante. E, uma vez surgida a oportunidade, a fuga foi empreendida.
São esses trabalhadores que junto dos povos originários representam a linha de frente naquele que é, ainda, um dos maiores e derradeiros campos de batalha para o capitalismo internacional. A última fronteira – como nos lembra Chico Mendes (1944-1988) no vizinho Acre, também ele um seringueiro, cruelmente assassinado enquanto lutava por uma luta comum entre os direitos dos trabalhadores e a proteção do meio ambiente.
A digressão termina, mas os escombros persistem. Em uma pousada em Fordlândia, bolsonaristas comemoram efusivamente as políticas do presidente que liberou geral a destruição, das queimadas à monocultura da soja como um dos fatores impulsionadores do desmatamento. No meio de 2021, o inefável ministro do meio ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, caiu ao ser implicado em um escândalo internacional de tráfico de madeira rara amazônica para os Estados Unidos.
Hoje, a Detroit de Ford segue decadente, com direito até a decrescimento populacional, mas continua votando contra os republicanos e ansiando por um New Deal. Seus votos não foram suficientes para levar Donald Trump a perder em todo o estado do Michigan em 2016, mas isso mudou em 2020, quando o mundo assistia com a respiração presa sua contagem – que definiria, como definiu, todos os votos do Michigan dessa vez contra Trump, com quem Ford certamente se identificaria.
Biden, contudo, não ajuda e segue firmando parcerias com Bolsonaro na Amazônia. Como disse, certa vez, a essa Jacobin Ailton Krenak “A História também pode se repetir como tragédia”. Da visão das ruínas de Fordlândia em sua imensidão, impossível não ouvir ao fundo a icônica fala de Benjy, o idiota de O som e fúria de Faulkner, declamando o Macbeth, de Shakespeare:
A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator
Que se pavoneia e se aflige sobre o palco – Faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz.
É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria
E vazia de significado.
O nosso futuro próximo e a memória dessas lutas, a suprema inventividade do povo amazônico e tudo mais, entretanto, não nos permite pessimismo, porque aquele povo se provou capaz de inventar, se reinventar e resistir a toda prova. O vazio de significado é o próprio regime capitalista no seu estágio superior – e ele em sua mais sofisticada forma, é bom que se saiba, foi devorado por uma aliança entre os povos da floresta e a classe trabalhadora.