Ontem, Israel iniciou o seu ataque, há muito tempo ameaçado, a Rafah, cidade do sul de Gaza, para onde 1,4 milhões de palestinos, na sua maioria mulheres e crianças, foram encurralados ao longo do último semestre, supondo que estariam a salvo dos ataques israelenses. Israel iniciou esta ofensiva pouco depois de os seus oficiais, de todos os quadrantes no espectro político, terem rejeitado um acordo de cessar-fogo proposto pelo Qatar e pelo Egito, poucas horas depois de o Hamas ter aceitado.
O acordo teria levado a libertação de reféns israelenses em troca do fim da guerra por tempo indeterminado, mas os oficiais israelenses consideraram que os seus termos estavam “longe” das suas “exigências obrigatórias”. Isto dois dias depois de o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu anonimamente dizer à imprensa no dia 4 de maio, que “Israel não aceitará, em circunstância alguma, acabar com a guerra como parte de um acordo para libertar os nossos raptados”. Agora, mesmo sem se esconder atrás do anonimato, Netanyahu declarou publicamente entrar em Rafah “com ou sem acordo”. Um oficial norte-americano disse à Reuters que os oficiais israelenses “não parecem ter tratado a última fase das negociações [com o Hamas] de boa fé”.
Estes são os fatos da situação:em cima da mesa estava um acordo que teria libertado os reféns israelenses, Hamas concordou com ele, mas os líderes israelenses o rejeitaram porque se opõem ao fim da guerra em quaisquer circunstâncias que não conduzam à destruição do Hamas, levando-o a atacar imediatamente Rafah.
Então, como alguns dos principais veículos dos Estados Unidos retrataram o que acabou de acontecer? Tendo em mente que uma grande parte dos consumidores de notícias lê apenas os títulos dos jornais, é seguro dizer que a maioria não faria ideia de nada disto.
De fato, a impressão que provavelmente ficariam ao ler as capas de alguns dos principais veículos de notícias do país é que o potencial acordo de cessar-fogo — cujos termos eram, por alguma razão pouco clara, inadequados — simplesmente se desfez, como estas coisas tendem a fazer, e que, enquanto isso, Israel continua a tentar obstinadamente e de boa-fé fazer funcionar um cessar-fogo enquanto embarca no seu ataque a Rafah.
Se quisermos uma manchete modelo que os meios de comunicação norte-americanos poderiam ter imitado para transmitir os fatos da situação, poderíamos fazer pior do que a notícia do jornal israelense Haaretz sobre o fato de Netanyahu ter desvalorizado anonimamente o acordo de cessar-fogo, em 4 de maio: “Hamas aceita acordo de cessar-fogo em Gaza; Oficiais israelenses rejeitam perspetiva de fim da guerra”.
Por outro lado, nos Estados Unidos, apenas um dos sete meios de comunicação que examinei se aproximou de descrever com precisão a situação para os leitores norte-americanos: o USA Today. “Hamas diz que aceita nova proposta de cessar-fogo; Israel prepara invasão”, era o título do jornal – não é perfeito, mas capta a realidade de forma sucinta e bastante eficaz, apesar dos limites da escrita de títulos.
Os três grandes jornais dos Estados Unidos, pelo contrário, foram menos claros. O Washington Post declarou que Israel estava avançando com o seu “ataque em Rafah enquanto negociava um possível acordo de cessar-fogo”. O título sugere falsamente que Israel está seriamente em busca de negociações para um cessar-fogo, em vez de insistir na exigência fundamentalmente paradoxal e contraditória de que um eventual acordo de cessar-fogo permita a Israel continuar a travar guerra.
Também não chega a insinuar que foi Israel quem rejeitou um acordo de cessar-fogo que teria permitido a libertação dos seus reféns. É particularmente decepcionante, uma vez que o corpo da reportagem do Post tem o cuidado de documentar a divisão fundamental no coração, envolvendo a insistência de Israel num cessar-fogo meramente temporário para poder continuar a guerra após uma pausa.
O New York Times, entretanto, informou os leitores: “A Casa Branca se esforça para manter as conversações de paz em Gaza em andamento”.
“A enxurrada de ações resalta a fluidez da situação, enquanto o Presidente Biden e a sua equipe tentam pôr fim à guerra que devastou o enclave”, dizia o subtítulo do Times, que, juntamente com o título, resumia a abordagem que caracteriza a escrita de títulos do jornal sobre a guerra ao longo deste último semestre: acontecimentos que ocorrem e se movem ao acaso, como o turbilhão do cosmos, e em relação aos quais os Estados Unidos são pouco mais do que um espectador infeliz.
O jornal teve o cuidado de registar que o Hamas “concordou com um plano de cessar-fogo”, mas acrescentou “que Israel disse que não satisfazia as suas exigências” — uma afirmação israelense sobre a qual é aparentemente impossível fazer um veredito independente, por exemplo, analisando as declarações dos próprios oficiais israelenses sobre o assunto. Este foi, segundo o jornal, apenas “o último de uma longa série de tropeços nas negociações”: acidentes e contratempos que acontecem sem razão aparente.
Entretanto, uma menção especial deve ser feita ao Wall Street Journal, que atingiu novos patamares de ofuscação com os seus títulos de primeira página. “Ruptura entre EUA e Israel alarga-se por causa de Rafah”, anunciava, acrescentando que “um cessar-fogo parece ser difícil”, sem qualquer razão especial, supostamente, para além de ser simplesmente a vida.
A situação piora quando nos voltamos para as notícias televisivas. A CNN foi a melhor de todas, com uma manchete que anunciava o ataque israelense a Rafah “já que o acordo de cessar-fogo fica aquém do esperado” e observando que “o grupo militante [Hamas]” tinha “aceitado” a proposta, mas citava as afirmações israelenses de que “ainda estaria ‘longe’ de satisfazer as exigências”. A partir desta descrição, o leitor não faria ideia de que a razão pela qual o acordo está “longe” e “fica aquém” é porque as “exigências” de Israel eram fundamentalmente impossíveis.
A Fox e a MSNBC, no entanto, mal se deram ao trabalho de informar os leitores de que tudo isso estava acontecendo. A MSNBC, pelo menos, declarou em um título colocado ao lado da página que “Hamas aceita um acordo que inclui troca de reféns e prisioneiros”.
A maioria, porém, olhando para a primeira página da MSNBC, nunca saberia que havia algo acontecendo no mundo para além do julgamento de Donald Trump por suborno e uma série de outros assuntos relacionados com o ex-presidente. Trump foi o tema de quase todas as principais matérias da MSNBC, incluindo três vídeos separados de “recapitulações do julgamento de Trump”.
As duas únicas excepções foram uma matéria sobre a história por detrás do código de vestuário da Met Gala deste ano e uma história de um ano atrás sobre o infame pedido de desemprego de um diretor-executivo para humilhar os trabalhadores que se tinham tornado “arrogantes” devido à pandemia.
Mas é a Fox News que realmente leva a melhor.
Este jornal estava preocupado com o julgamento de Trump, juntamente com um prato cheio de clickbait conservador: um vídeo de Bill Maher falando sobre como reagiria à vitória de Trump, o horror de um repórter da CNN ao jantar com apoiadores do Trump, o confronto da polícia de Nova Iorque com uma “multidão” pró-palestina. Não havia qualquer menção a um cessar-fogo em qualquer parte da primeira página, para além de uma matéria de uma semana sobre um vereador muçulmano da cidade de Boston, incluindo linguagem que acusava Israel de apartheid e genocídio (uma “mensagem antissemita”, nas palavras da Fox) num rascunho de resolução do cessar-fogo.
No fim da página, uma manchete da Fox informava os leitores de que Israel tinha começado “‘ataques seletivos’ contra o Hamas em Rafah”, ataques que, nessa altura, já tinham matado palestinos inocentes.
Ao longo da guerra de Israel, temos visto que, dependendo de onde se obtêm as notícias — em particular aqueles que mais dependem da televisão a cabo e dos noticiários tradicionais —, pode-se acabar vivendo em uma realidade completamente diferente do público norte-americano que procura outro lugar para se informar.
À medida que a guerra avança para o que poderá ser a sua fase mais sangrenta até agora, os líderes israelenses deixam mais claro do que nunca que não vão parar o massacre a não ser que sejam forçados pelos Estados Unidos, a grande imprensa está falhando na sua tarefa de informar o público.
Sobre os autores
é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.