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Da esquerda para a direita, o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, e o ministro José Múcio Monteiro, da Defesa, em sessão na Câmara. Foto de Pedro Ladeira / Folhapress.

A continuidade de Múcio no governo é insustentável

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Ministro da Defesa criticou o posicionamento diplomático brasileiro em relação ao holocausto em Gaza e à guerra na Ucrânia e ainda reclamou do investimento no Exército. Mas não é atribuição dos militares definir a política externa do país e a situação orçamentária das Forças Armadas estaria melhor se a "família militar" não se lambuzasse tanto com nababescas pensões vitalícias.

Num discurso ideologizado proferido em evento na Confederação Nacional da Indústria/CNI [8/10], o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disparou ataques e críticas ao governo. Nele, o ministro afrontou diretamente a autoridade do Presidente da República.

Múcio criticou o posicionamento diplomático brasileiro em relação ao holocausto em Gaza e à guerra na Ucrânia, como se definir a política externa do Brasil fosse uma atribuição dos militares. Reclamou que “a questão diplomática interfere na defesa”, como se a definição da estratégia de defesa nacional devesse ser prerrogativa dos militares e não uma atribuição do poder político e da sociedade civil com especialistas civis da área.

Ele exemplificou que “houve agora uma concorrência, uma licitação, venceram os judeus, o povo de Israel [sic]. Mas, por questões da guerra, do Hamas, dos grupos políticos, nós estamos com esta licitação pronta, mas por questões ideológicas nós não podemos aprovar”.

O ministro também acusou que por “embaraço diplomático” as Forças Armadas não puderam realizar “um grande negócio” de venda de munição à Alemanha, porque “senão o alemão [sic] vai mandar pra Ucrânia e a Ucrânia vai usar contra a Rússia e a Rússia vai mexer nos nossos acordos de fertilizantes”.

Múcio culpou, ainda, a área econômica do governo. Disse que “não temos previsibilidade orçamentária”, e por isso o país não consegue fazer investimentos em defesa. E acusou o governo de reduzir 47% dos investimentos das Forças Armadas “por componentes ideológicos, por queixas políticas, por variações programáticas”.

Esta afirmação, além de inverossímil, esconde o baixo padrão histórico de investimentos na modernização e aperfeiçoamento das Forças Armadas porque quase 90% do orçamento é sugado para pagar pessoal, sendo a maior rubrica o pagamento da “família militar” na reserva e as indecentes pensões vitalícias, que beneficiam inclusive filhas de militares pela vida inteira, deixando menos de 5% do orçamento para investimentos em tecnologias, equipamentos e capacidade de defesa.

“É sabido hoje que o Exército se dividiu e não avançou o golpe porque o governo dos EUA não autorizou as cúpulas militares a perpetrarem, novamente, outro ataque à democracia brasileira.”

Golpismo militar continua

No discurso, o ministro não esqueceu de atacar, também, a Constituição brasileira. Na visão dele, a Constituição proíbe, “por questões ideológicas”, a exploração do potássio – pretendida, presumivelmente, por grupos multinacionais em associação com militares vendilhões – que “está embaixo da terra dos índios [sic]”.

Múcio também agrediu a história do país. Ele disse: “Se muita gente debita às Forças Armadas o golpe de 64, precisava ter creditado às Forças Armadas não ter havido golpe em 2023. Foram as Forças Armadas que preservaram e seguraram a nossa democracia.”

Esta abordagem sobre o “heroísmo militar” no salvamento da democracia não é genuína do próprio Múcio. Na verdade, é a explicação falaciosa difundida pelas cúpulas partidarizadas das Forças Armadas.

É sabido hoje que o Alto Comando do Exército se dividiu e não avançou o golpe porque o governo dos EUA não autorizou as cúpulas militares a perpetrarem, novamente, outro ataque mortal à democracia brasileira, como em 1964.

Além disso, quando a voz de Múcio diz que “foram as Forças Armadas que preservaram e seguraram a nossa democracia”, na prática está reproduzindo a visão dos donos da voz dele, que desde o nascimento da República se atribuem como missão tutelar a democracia e o sistema político.

Múcio é um ventríloquo dos militares. O conteúdo do discurso dele na CNI segue fielmente o manual ideológico dos militares. E o momento do discurso, no imediato pós-eleição que consagrou a vitória da direita e a extrema-direita nas urnas, soa como aproveitamento duma conjuntura política desfavorável para o governo.

A continuidade do Múcio no ministério é insustentável. Mas é de se perguntar, contudo, se os ataques ao presidente Lula e ao governo não tinham exatamente o propósito de provocar sua demissão, para causar uma crise conveniente para os militares.

Sobre os autores

é jornalista, integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea) e ex-coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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Published in América do Sul, Análise, DESTAQUE, Extrema-direita, Ideologia and Militarismo

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