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Chumbawamba em 1998... uma classe e uma banda. Boff Whalley está atrás à esquerda (com cabelo vermelho), Dunstan Bruce na frente. Foto de Hayley Madden/Rex/Shutterstock

Na trilha sonora da mudança social

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Autor do recém-lançado Abalar a Cidade - música e capitalismo, espaço e tempo conversou com a gente sobre a inspiração do seu novo livro que resgata bandas clássicas antissistêmicas e autores como Mark Fisher, Guy Debord e Walter Benjamin e analisa as formas de exploração da industria musical contemporânea na era do streaming.

UMA ENTREVISTA DE

Arthur Dantas

O lançamento de Abalar a Cidade – Música e capitalismo, espaço e tempo (sobinfluencia, 2024) é um marco quando pensamos na relação entre música e transformação social. Seu autor, o estadunidense Alexander Billet, 42, autor de diversos artigos na revista Jacobina, é um escritor, artista e crítico cultural independente que lançou este livro originalmente em 2022 e que logo chamou a atenção de seus editores brasileiros. Em tempos de amplo domínio social de formas musicais atreladas à reação, parece saudável examinarmos como  a música pode voltar a ser um vetor de transformações sociais em nossa sociedade.

No prefácio da edição brasileira, Billet, que atualmente vive em Los Angeles, explica um pouco o contexto geral pós-pandêmico para a publicação da obra, originalmente em 2022, e como não houve muitas alterações desde então: “As pessoas estão mais hesitantes em acreditar numa saída, e mais propensas a desconfiar e ter medo. A atomização da vida cotidiana pelas big techs, o enfraquecimento do pouco que resta de trabalho coletivo pelo algoritmo onipresente; tudo isso é agora acelerado pela introdução de inteligências artificiais.” Ele ainda nos lembra do massacre em Gaza e da esperança um tanto frustrada no governo de Boric no Chile. E enfatiza que “estudo após estudo, em campos que vão da musicologia à saúde mental e ao planejamento urbano, conclui-se que a criação e execução coletiva de música nutre pensamentos e sentimentos de possibilidade, de autodeterminação e autonomia”.

Eu, como um crítico cultural também, fiquei bastante impressionado com o livro e pensei: como que ninguém teve essa ideia antes? O arcabouço teórico que Billet abre mão passa de Mark Fisher a Simon Reynolds, de Guy Debord até Walter Benjamin e Adorno. Ou seja: autores que também figuram na minha paisagem mental. No último mês, por e-mail, pude trocar ideia com o autor e o papo todo vocês acompanham a seguir. Recomendo ainda, com entusiasmo, a assinatura do boletim que Billet mantém no Substack.


AD

Você certamente compartilha um ponto de vista muito semelhante ao de Mark Fisher. E a Inglaterra nas primeiras décadas do milênio produziu muita teoria cultural crítica. Gostaria que você nos contasse um pouco sobre sua formação política e intelectual, qual foi o cenário intelectual que o moldou, etc.

AB

Suponho que minhas preocupações com a arte e a política radical se resumam a uma questão de timing. Cresci nos anos 1990. A Guerra Fria tinha acabado, o capitalismo estava triunfante, o império estadunidense estava, mais ou menos, sem oposição alguma. A ideia de que você poderia experimentar algo para além do mercado estava desaparecendo por completo. Foi uma época profundamente alienante e confusa para se crescer, mas se você tentasse entender essa alienação, a explicação que se dava era que você era uma pessoa irracional e louca. Isso foi anos antes de termos qualquer termo, como hoje existe “realismo capitalista”, para ajudar a explicar o que estava acontecendo. No entanto, havia rupturas, sinais de que algo estava começando a mudar política e culturalmente. Eu tive a sorte de descobrir minhas obsessões com a música e as artes performáticas bem na época de uma nova onda de ativismo contra o Banco Mundial, a OMC e a globalização corporativa.

As conexões e interações entre arte e política radical começaram a me fascinar. Levaria vários anos até que eu finalmente chegasse às teorias que iluminariam essas conexões. Walter Benjamin, John Berger, grande parte da Escola de Frankfurt, o movimento situacionista. Eu não tinha ninguém para me guiar por esses pensadores, então grande parte do meu treinamento intelectual (se é que podemos chamar assim) foi feita por tentativa e erro, buscando e vendo o que funcionava para mim. Naturalmente, muito do meu pensamento mudou ao longo do tempo. Quando lembro do que escrevi ou pensei há vinte anos, balanço a cabeça negativamente. O que me manteve fascinado, e por que continuo investigando essas conexões, é o fato de que continuamos fazendo arte.

Vivemos num tempo do fim. O clima do planeta está nos expulsando e a sociedade está se comportando de acordo. Mas continuamos fazendo arte. Continuamos pintando, performando e criando música, independentemente de essas obras e gestos serem vistos por grandes audiências. Há algo em nossa existência que torna isso necessário. Não é fantasioso acreditar, como eu acredito, que há algo profundamente antropológico, mas também inevitavelmente utópico, nesse impulso.

AD

Você disse que cresceu nos anos 1990 nos Estados Unidos. O final daquela década viu muita música de protesto no mundo de língua inglesa e além (penso em nomes como Rage Against The Machine, Black Star, The Coup, Asian Dub Foundation, Chumbawamba, Levellers, Chris Liberator, Atari Teenage Riot, Manu Chao, entre outros). Qual foi a música daquele período que capturou sua imaginação?

AB

Muitos dos artistas que você mencionou foram influentes para mim. Na época em que estavam no auge, o Rage Against the Machine era um choque sonoro e político. A mistura de rap, metal e funk, o trabalho de guitarra de Tom Morello, as letras de Zach de la Rocha – tudo se combinava para soar uma visão de mundo insurrecional e as ideias que eles ali estavam colocando para fora. Isso era significativo porque, como eu disse, nos anos 1990, tornou-se muito difícil conceber como seria, soaria ou se sentiria uma revolução. O RATM respondeu a isso, pelo menos no departamento de som.

Hoje, no entanto, a música deles não tem a mesma ressonância. Talvez seja porque a banda seja considerada parte do “nu metal” e todo o constrangimento que vem com esse rótulo. Talvez seja porque eu estou mais velho agora. Mas às vezes fico surpreso com a diferença entre como o RATM podia ser vivido naquela época e como eles soam agora.

Chumbawamba, na verdade, é uma banda que, musical e politicamente, conseguiu capturar minha atenção por muito mais tempo, e não apenas porque continuaram fazendo música nova muito além dos anos 90. Isso muitas vezes confunde meus amigos britânicos; aprendi que boa parte da esquerda do Reino Unido, por alguma razão, acha o Chumbawamba incrivelmente irritante. Mas eles sempre estiveram dispostos a experimentar e explorar mais a interseção entre suas crenças e sua arte, olhando para trás e para frente, puxando de todas as influências possíveis, propondo novas fusões de rebeldia e dança, mesmo enquanto lutavam com a fama nos anos imediatamente após “Tubthumping”. Gostaria de pensar que a história, no fim das contas, os verá de uma maneira muito mais favorável.

Quando comecei a me identificar como socialista, eu estava principalmente interessado em punk e pós-punk. Ironicamente, a maioria desses grupos que moldaram minha política já havia se separado ou atingido seu auge vários anos antes de eu começar a ouvi-los. Não demorou muito para eu me interessar pelo hip-hop, no entanto: Jurassic 5, Black Star, Digable Planets, e também muito do rap que estava começando a sair do Reino Unido. E, a partir daí, era qualquer coisa com uma batida que se colocasse em oposição ou explorasse formas alternativas de pensar e ser. Quando descobri Tricky, Massive Attack e trip-hop, foi outra revelação para mim, outro passo para entender como som e conteúdo poderiam se fundir em algo que contasse uma história diferente da que somos ensinados a aceitar como certa. E sempre vou desejar ter estado por perto no auge da cena rave.

AD

Como pesquisador cultural e escritor, gosto de pensar em livros que, por afinidade, influência ou mesmo oposição dialética, formam uma gangue. Quais obras formariam uma boa gangue com Abalar a Cidade?

AB

Há, é claro, a maior parte do trabalho de Mark Fisher, e eu destacaria em particular Fantasmas da Minha Vida como uma grande influência no conteúdo deste livro. Também fui profundamente influenciado por Simon Reynolds, especialmente pelo seu livro Rip It Up and Start Again. Parte da minha afinidade com o trabalho deles se resume simplesmente ao gosto compartilhado. Assim como eles, sou apaixonado pela constelação de bandas e artistas que acabam sendo agrupados nessa categoria vaga chamada “pós-punk”, que Reynolds e Fisher argumentaram que poderia ser aplicada de forma ampla, englobando todos, desde Gang of Four e Siouxsie and the Banshees até o trabalho de ambient de Brian Eno. O trabalho de Reynolds sobre música eletrônica e a cena rave, em livros como Energy Flash, também foi uma grande influência para mim.

Existem e sempre existiram muitas características filosóficas e estéticas que aproximam esses artistas, mas o que mais me interessa é a crença de que a música pode desempenhar um papel ativo na reimaginação das formas e contornos físicos do mundo ao nosso redor. Entender que a assombrologia funciona como uma estrutura para compreender a música, como futuros perdidos são trazidos à tona em diferentes modos de som e espaço. Isso é uma parte central de Abalar a Cidade.

Eu também gostaria de pensar em Abalar a Cidade como estando em diálogo com a maioria dos escritos que o influenciam. O texto “Sobre o Conceito de História” de Benjamin, o trabalho de Henri Lefebvre sobre a produção do espaço e seu conceito de ritmanálise. Acredito que há muito trabalho recente que está tentando empurrar a esquerda para uma compreensão mais profunda das artes e da cultura, incluindo a música. Acabei de terminar o livro de Toby Manning, Mixing Pop and Politics: A Marxist History of Popular Music, que foi publicado recentemente pela Repeater Books. É um livro ambicioso e muito impressionante. Manning se propôs essencialmente a delinear uma compreensão marxista de como toda a música popular nos EUA e no Reino Unido evoluiu, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até hoje. Ele é muito flexível e minucioso com os pensadores que cita, a maioria deles, é claro, marxista. Como usar Gramsci para entender Fifty Cent? Ou Herbert Marcuse para entender a música de Kate Bush? É bastante impressionante em sua abrangência, e eu gostaria que Abalar a Cidade compartilhasse um continuum com ele.

AD

Em um ponto em Abalar a Cidade, você diz que a relação entre espaço e tempo, entre ser e se tornar, também é o principal locus entre música e protesto, e você usa especificamente o movimento Black Lives Matter como um exemplo disso. A partir da década de 1990, quais outros momentos no mundo de língua inglesa foram terreno fértil para essa relação?

AB

Acho que estamos apenas começando a entender o quão radicalmente o neoliberalismo mudou nossa relação com o tempo e o espaço. Existem, claro, aqueles que vêm estudando isso há muito tempo – “A condição pós-moderna” de David Harvey, por exemplo, em que ele disseca a forma como o capital financeiro reformulou o espaço público, foi publicado em 1989. Mas talvez só compreendamos totalmente a amplitude disso em retrospectiva.

Dito isso, não é particularmente surpreendente que as lutas pelo espaço público e pelo direito de existir nesse espaço tenham se tornado uma característica marcante nos últimos vinte anos ou mais. Grandes locais de trabalho centralizados, que no passado forneciam um foco de luta para os trabalhadores – fábricas, siderúrgicas, montadoras e semelhantes – são simplesmente menos prevalentes do que eram. Isso ocorre juntamente com o fechamento desses locais de trabalho, a precarização do trabalho em si e sua difusão por nossos espaços e vidas através da “economia de bicos” e do capitalismo de plataformas. Enquanto isso, a privatização constante de serviços que antes eram públicos, a crescente vigilância e o policiamento do espaço público se traduziram em um comum urbano que na verdade não é comum. É um espaço onde temos permissão nominal para existir, mas apenas nos termos do Capital.

No livro, recorro à ritmanálise de Lefebvre para ilustrar isso, porque, na maior parte do tempo, quando existimos nesse espaço, é na forma de sermos conduzidos por ele – a caminho do trabalho, voltando do trabalho, ou indo gastar dinheiro e consumir. Tudo isso exige que nos movamos pelo espaço em vez de realmente ocupá-lo em nossos próprios termos, individual ou coletivamente, e normalmente existem horários específicos durante o dia ou à noite em que devemos fazer isso. Se você observar o movimento Occupy no início dos anos 2010, que foi a primeira grande explosão de protesto após a crise financeira de 2008, esse foi um movimento que se recusou expressamente a estar nos espaços urbanos nos termos do Capital. Ocupando o Zuccotti Park, em Nova York, bem ali no distrito financeiro; isso expôs como aceitamos sem questionar as atuais configurações do espaço público. Isso nos convida a perguntar por que não existem outros usos para ele e em interesse de quem não aproveitamos essas alternativas. E, claro, quando a polícia aparece para expulsar os manifestantes, isso reforça ainda mais essas questões.

Eu diria que essa relação entre espaço, Capital e protesto pode ser observada também dez anos antes. O maior protesto do movimento de justiça global no final dos anos 90 foi a Batalha de Seattle, quando a Organização Mundial do Comércio se reuniu em 1999 e foi recebida por cerca de 25 mil ativistas e sindicalistas. Seattle, como cidade, era notavelmente mais liminar antes dos anos 1990. Isso não é para romantizar, mas havia muito mais espaços onde você poderia existir e interagir se estivesse sem dinheiro ou nas margens da sociedade. Bares baratos e locais de música, parques onde a polícia não ia. Era exatamente o tipo de cidade que poderia dar origem a essas bandas indie estranhas que agora agrupamos no movimento grunge: pesadas, agressivas, cruas, mas musicalmente experimentais e extremamente revoltadas. Então, no final da década de 1990, Seattle se tornou o playground da Microsoft e da Starbucks. Portanto, existe, em última análise, uma conexão entre as instituições financeiras globais contra as quais o movimento de justiça global protestava e a homogeneização progressiva da cidade onde elas estavam se reunindo. Não é de se admirar que as janelas da Starbucks estivessem sendo quebradas.

AD

Quão prejudicial é a plataformização da música por aplicativos de streaming e como essa dinâmica atual, onde playlists são feitas de acordo com medidas algorítmicas, prejudica a relação entre música e rebelião?

AB

Acho que precisamos ter cuidado com isso, pois é fácil cair em uma postura tecnofóbica. O problema não é tanto o streaming em si, mas a maneira como o Capital moldou nossa experiência com ele. Essa é uma distinção difícil de fazer, porque o capitalismo tem sido a força motriz por trás da maioria das mudanças na forma como nos relacionamos com a cultura pelo menos no último século. Fones de ouvido, que essencialmente nos colocaram nesse caminho de mitigar a música como uma experiência social, tornaram-se disponíveis comercialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a transição da produção de guerra de uma tecnologia militar para a produção de consumo. A maioria das inovações em como interagimos com a música carrega a marca da sociedade que as produziu.

Isso é certamente verdade com o streaming. Recentemente, todos aprendemos como o algoritmo das redes sociais pode ser tóxico, pois é projetado para gerar tráfego com base em indignação, acrimônia, controvérsia e, mais importante, na simplificação e achatamento do conteúdo. Você poderia argumentar que o algoritmo está simplesmente seguindo a lógica de como um certo estilo, gênero ou tema soa ao compilar essas playlists, mas quem determina o padrão de como um estilo ou gênero “deveria” soar? E como a maioria dos serviços de streaming paga quase nada aos artistas, entrar em uma playlist pode fazer uma grande diferença. Os estilos e as músicas dos próprios artistas estão sendo moldados pela mesma lógica de comercialização que sempre guiou a indústria da música, só que agora em um nível muito mais granular, e até mesmo imposto a artistas que podem estar bem além do alcance de qualquer uma das grandes gravadoras.

O que isso faz com a produção artística já se tornou quase um clichê. O espaço para experimentação, diferença e variação é reduzido com o tempo. Isso aconteceu mais notavelmente no Spotify, e essa influência se espalhou para outras plataformas de streaming. É uma versão acelerada do que Theodor Adorno descreveu como a padronização da música em seu famoso ensaio “Sobre a música popular”. Embora eu não ache que Adorno acerte em tudo nesse ensaio – por exemplo, discordo fortemente da afirmação de que toda possibilidade de dissidência sonora é eliminada na música popular – acredito que ele acertou nesse aspecto mais do que ele próprio poderia ter previsto na época.

O que isso significa para a forma como nos relacionamos com o mundo? A interação do ritmo de uma música com o ritmo do espaço público – conforme sistematizado por Lefebvre – é uma preocupação minha. Quando a música é tocada ou amplificada em qualquer espaço, ela tende a transformar a maneira como o experimentamos. A música tem o potencial de expandir nossas imaginações em relação ao ambiente em que é ouvida. Mas o Capital moldou nossa experiência generalizada com a música de duas formas que mitigam essa participação imaginativa. Primeiro, tornou possível ouvir música sem a participação de ninguém ao nosso redor, especificamente através da ubiquidade dos fones de ouvido. Em segundo lugar, essa padronização da produção musical empobrece a paleta da nossa imaginação. A ironia é que, embora agora seja possível atravessar espaços compartilhados e/ou públicos – praças, estações de trem ou ônibus, ruas, parques, playgrounds, escritórios, locais de trabalho – com toda a história do som gravado ao nosso alcance, a maneira como interagimos com esse vasto catálogo na verdade auxilia nossa atomização dentro desse espaço, diminuindo nosso impulso de transformá-lo.

Certamente não acho que todo streaming precise ser assim, e alguns artistas estão tentando inventar modelos alternativos, mas se quisermos transformar completamente o streaming de música, isso também significa transformar a música e a maneira como interagimos com ela. Isso, por sua vez, exige uma transformação da nossa relação com nossos ambientes construídos e, eu argumentaria, com o próprio tempo.

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Por último, é difícil não perguntar: o Brasil ser o primeiro país a traduzir seu livro deve ter sido uma surpresa e tanto, não é mesmo? A quem se destina seu livro e mais: o que você espera do público brasileiro para um diálogo ativo com a obra?

AB

Certamente foi uma surpresa quando a sobinfluencia entrou em contato comigo. Estou honrado e empolgado por ter meu trabalho diante de olhos que talvez não o vissem de outra forma, e sou muito grato à equipe da sobinfluencia pela paixão, inteligência e sensibilidade que trouxeram à tradução. Esta é uma pergunta difícil para mim, e venho refletindo sobre ela há algum tempo, simplesmente porque não estou muito familiarizado com a realidade do Brasil. Conheço as informações gerais das coisas e sei de que lado estou. Sei que vocês acabaram de sair de anos enfrentando o Bolsonaro, aquele brutamontes de extrema-direita, e que a ameaça do fascismo está longe de ser pacificada. Quando Marielle Franco foi assassinada há seis anos, fiquei profundamente impactado. Tive a sorte, ao longo do meu tempo na esquerda, de conversar com alguns sindicalistas e socialistas, embora essas conversas tenham sido breves. Mas, em termos de saber exatamente quem precisa ouvir os argumentos deste livro, não posso dizer com precisão. Neste caso, estou confiando e seguindo muito a orientação dos meus editores, que sem dúvida têm uma compreensão mais sólida de onde está o público de esquerda no Brasil.

Ao mesmo tempo, acho que sei quem eu gostaria que lesse Abalar a Cidade, porque acredito que, de certo modo, esse público existe em todos os lugares. Toda cidade tem um contingente de pessoas descontentes e em dificuldades, jovens trabalhando em empregos que alimentam seus corpos apenas o suficiente e pouco alimentam suas mentes. São essas as pessoas que deveriam estar tornando a cidade vibrante e interessante e que o farão se tiverem espaço e recursos para criar, para tornar suas ideias reais. A organização atual da cidade – da privatização do espaço ao alto custo de vida, especialmente do aluguel – torna isso mais difícil do que nunca, e praticamente impossível para muitos. Não é apenas que nossas vidas são mais entediantes e alienadas do que nunca, mas há uma correlação direta entre isso e o nível de exploração que somos obrigados a suportar.

Como sempre, são essas as pessoas com maior potencial para mudar esse cenário sombrio. Em Abalar a Cidade, falo sobre os protestos em massa no Reino Unido em 2010 e 2011 contra a reforma educacional. Dado que essas reformas tornaram o ensino superior inacessível para uma grande parte dos pobres e da classe trabalhadora, faz sentido que jovens das periferias, em sua maioria negros, desempenhassem um papel fundamental e frequentemente de liderança nesses protestos. Foram também essas pessoas que, no auge dos protestos, transformaram a Parliament Square em algo parecido com uma rave. Eles tocaram dubstep nos alto-falantes e transformaram um dos espaços públicos mais controlados de Londres em um local de catarse coletiva, mesmo com policiais os cercando. Foi temporário, mas poderoso.

O que aprendemos com isso? Acima de tudo, que os ritmos da música produzida em massa e da cidade neoliberal não se resumem apenas à dominação e à repressão da criatividade. Eles não são meramente uma confirmação do que Adorno escreveu sobre a música popular ajudar a estender a exploração ao tempo de lazer. Parece assim na superfície, e por quanto mais tempo o capitalismo segue dominante, mais difícil é encontrarmos essa resistência, mas toda manifestação de exploração também contém potencial de libertação, desde que seja aproveitada pelas massas de pessoas diretamente exploradas por ela. Isso é tão verdadeiro para os trabalhadores da economia de bicos quanto para aqueles da indústria pesada, para os trabalhadores da indústria cultural tanto quanto para as pessoas sobrecarregadas pelo aluguel. Esses momentos nos dão a chance de vislumbrar uma organização fundamentalmente diferente de nossos espaços construídos, de nossas cidades e de nossas vidas.

Sobre os autores

é formado em Letras, Pedagogia e Gestão Ambiental. Começou a mexer com a palavra escrita por meio do fanzine Velotrol, que editou de 1995 a 1999, e hoje já passou por várias redações do país. Escreveu para as revistas MTV, Cooperifa e Vice, entre outras. Vive em Pouso Alegre (MG).

é escritor, artista e crítico cultural que mora em Los Angeles. Seus escritos apareceram em Jacobin, In These Times, Chicago Review e outros meios de comunicação. Ele é editor da Locust Review e blogs da To Whom It May Concern.

Cierre

Arquivado como

Published in América do Norte, América do Sul, Cidades, Cultura, DESTAQUE, Entrevista, Livros and Música

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