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Cena do documentário, ‘Junho – O mês que abalou o Brasil’, de João Wainer (Reprodução)

A dialética de junho de 2013

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Mais um mês de junho com as ruas agitadas nos remete a 2013, cujo impacto mudou irreversivelmente o Brasil. Seu legado ainda é uma esfinge a nos interpelar com as importantes lições para a esquerda sobre a centralidade da estratégia leninista em tempos de crise e revolta.

Resenha do livro Sob o céu de junho: as manifestações de 2013 à luz do materialismo cultural, de Fábio Palácio (Autonomia Literária, 2023).


Junho de 2013 – ame-o ou odeie-o. Esse parece ser o sentimento geral quando se trata de tentar entender o que aconteceu no Brasil a partir das momentosas manifestações de rua iniciadas em junho daquele ano. Teriam sido novas formas de organização popular colaborativas, horizontais, radicalmente democráticas introduzidas por uma juventude que ascendia ao proscênio da política? Teriam sido mobilizações instrumentadas por forças ocultas, mas poderosas, visando interromper um ciclo político que reduzia as nossas seculares desigualdades sociais, ao mesmo tempo em que projetava o Brasil no mundo?

Nem tanto à terra, nem tanto ao mar, nos ensina Fábio Palácio. Sejamos dialéticos. Mais do que fatores conjunturalmente econômicos e de modo algum tecnologicamente determinados (pelas “redes sociais”), precisamos buscar os seus fundamentos culturais, até semióticos, para podermos bem compreender aquele momento e seus desdobramentos. Para tanto, Palácio nos leva de volta a Raymond Williams, Mikhail Bakhtin, Antonio Gramsci, entre outros pensadores marxistas da cultura. Ele, assim, nos exibe a face generosa das manifestações, mas também não deixa de iluminar, muito bem iluminado, o seu lado obscuro. Aponta suas potencialidades, mas não ignora seus limites, daí as indesejadas consequências. Expõe também as ilusões ideológicas de seus intérpretes mais entusiasmados, porém desarmados do melhor instrumental teórico: o materialismo dialético.

Palácio nos brinda com uma ampla e articulada descrição das muitas e díspares manifestações populares que marcaram as primeiras décadas do século XXI, desde o movimento zapatista no México às “revoluções coloridas” em países do antigo bloco soviético; desde as ocupações em Nova York, Praça Tahir ou Puerta del Sol às revoltas estudantis no Chile e aos protestos liderados pelo Movimento Passe Livre (MPL) no Brasil. Ao expor, com muitos dados objetivos, suas condições sociais de classe e suas bandeiras, conforme inscritas em cartazes, palavras de ordem ou entrevistas, ele nos oferece um amplo painel dos sentimentos e pertencimentos culturais que se puseram em movimento em todo o mundo, proporcionando uma visão totalizante e integrada de eventos que muitas vezes, sobretudo através do noticiário midiático, parecem-nos fragmentários, desconectados, sobretudo espontâneos. 

“Sublinhando o que há de novo, expressão dos tempos atuais, nesses movimentos, Palácio reconhece neles suas características emergentes.”

Palácio confirma-nos que, por um lado, não poucos desses movimentos contaram, ingenuamente ou não, com apoio material do capital financeiro. Outros, ao contrário, foram movidos exatamente pela reação, até repulsa, às misérias da financeirização global. Todos, porém, não vão muito além do imediatismo ou espontaneísmo, aquele que Vladmir Lênin já criticava nos movimentos anarquistas há mais de 100 anos.

Sublinhando o que há de novo, expressão dos tempos atuais, nesses movimentos, Palácio reconhece neles suas características emergentes. Essas características, não raro, produziram mútuo estranhamento entre as novas expressões de revolta e os movimentos oposicionistas clássicos. Num exemplo do feliz manejo de categorias como estruturas de sentimento, entre outras, Palácio discute essa ausência de melhor diálogo e interlocução entre as “ruas” e o “sistema político” como um caso de distanciamento entre a consciência real, aquela própria da experiência imediata dos indivíduos que acaba por deixá-los “indignados”, e a consciência possível, aquela a ser construída pelo pensamento de vanguarda em conexão com o movimento de massas, como já ensinava Lênin. É o que pode ter faltado.

Sob o céu de junho chegou em um momento muito oportuno, menos pela efeméride dos dez anos das manifestações de 2013, muito mais pela transição a construir, pelas forças progressistas, nestes anos imediatamente vindouros, em conexão com, mas dando direção consequente às expressões político-culturais rejuvenescidas do nosso novo século.

Sobre os autores

é professor titular (aposentado) da Escola de Comunicação da UFRJ. Autor (com Denise Moura, Gabriela Raulino, Larissa Ormay) de "O valor da informação: de como o capital se apropria do trabalho social na era do espetáculo e da internet" (Boitempo, 2022).

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Published in América do Sul, Cultura, Livros, Resenha and Sociologia

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