Setenta e cinco anos atrás, em 24 de outubro de 1944, Werner Seelenbinder foi decapitado com um machado – uma penalidade por traição contra o Estado nazista.
Na época, o forte ex-lutador olímpico pesava apenas 132 libras (cerca de 60 kg). Depois de preso por atividades de resistência, passou quase três anos e enfrentou semanas de tortura. A vida incrível de Seelenbinder, de oposição ao fascismo e defesa dos direitos dos trabalhadores, fez dele um herói nacional na ex-Alemanha Oriental.
Na República Federal da Alemanha, no entanto, seu legado foi deliberadamente enterrado, vítima do anticomunismo da Guerra Fria.
Nascido em Stettin – hoje Szczecin, Polônia – em 1904, Seelenbinder cresceu em Friedrichshain, um bairro operário no coração da “Berlim Vermelha“. Foi trabalhador em Friedrichshain e testemunhou as execuções em massa de trabalhadores e soldados revolucionários durante a greve geral de março de 1919; viu o desemprego em massa e a fome, mas também a auto-organização e resistência da classe trabalhadora.
Sua paixão era o esporte. Quando jovem, ele ingressou nas organizações esportivas da classe trabalhadora criadas pelos partidos operários e se tornou um lutador de luta livre. Em 1926, foi à União Soviética para participar da “Spartakiad” – a alternativa proletária às Olimpíadas – sendo por isso excluído da liga atlética e esportiva dominada pelos social-democratas alemães. Mesmo assim, ele fez parte de organizações esportivas do movimento operário alemão, ligando-se ao “Rotsport” (“Esporte Vermelho”) comunista.
Essa divisão se refletiu em outros níveis da organização, embora os comunistas exercessem pouco poder nos locais de trabalho. Em 1933, eles e os social-democratas sucumbiram ao nazismo, falhando em organizar a greve conjunta que haviam montado em 1920 diante de uma tentativa de golpe anterior, o “Kapp Putsch”. Diante da vitória de Adolf Hitler, Seelenbinder quis ir até as últimas consequências com outros camaradas para combater os nazistas. O partido, no entanto, o convenceu a ingressar em um clube esportivo burguês, para que ele pudesse retomar seu trabalho lá dentro.
A resistência olímpica
Em 1933, Seelenbinder foi campeão alemão de luta livre e, nas celebrações públicas, se recusou a saudar Hitler. Por isso, foi levado a um campo de concentração. Após sua libertação, foi readmitido no Campeonato Alemão de Luta Livre e se tornou campeão nacional em 1935. Contra a vontade do “Reichssportleitung” [“Liderança esportiva do Reich”], do regime nazista, ele foi autorizado a ir a Estocolmo e participar dos preparativos para os Jogos Olímpicos de 1936, que ocorreram em Berlim.
Após esmagar os partidos de oposição e a introdução de leis raciais anti-semitas, os nazistas queriam usar as Olimpíadas para apresentar a Alemanha como um país limpo e bom. Em resposta a isso, Seelenbinder e o próprio Partido Comunista, na ilegalidade, fizeram um plano para o recebimento da medalha – que permitiria a ele usar a cobertura ao vivo internacional e as entrevistas com os medalhistas para denunciar os campos de concentração na Alemanha e a perseguição contra comunistas, social-democratas, sindicalistas e judeus – mesmo que isso significasse tortura e morte. Mas esse plano fracassou, pois, Seelenbinder ficou em quarto lugar.
Seelenbinder continuou seu trabalho antifascista na resistência comunista aos nazistas. Ele se tornou parte do grupo de resistência Robert Uhrig, que tinha células comunistas ilegais em muitas fábricas em Berlim. Em 4 de fevereiro de 1942, o grupo foi traído e Seelenbinder e muitos outros foram presos. No momento de sua prisão, a lutadora da resistência comunista Erna Schmidt chegava ao seu apartamento, conforme combinado, com mais de 2.000 panfletos escondidos sob as roupas. Mas ela conseguiu convencer a Gestapo de que era apenas a faxineira e sobreviveu.
Após sua detenção, Seelenbinder foi arrastado por várias prisões da Gestapo e campos de concentração. Foi torturado por oito dias, mas resistiu e não falou. Foi então levado ao campo de trabalho de Berlim “Arbeitserziehungslager Wuhlheide”, onde o médico comunista Georg Benjamin – irmão do filósofo Walter Benjamin – estava preso. Foi aqui que Hilde Benjamin – esposa de Georg Benjamin e a primeira mulher alemã (oriental) a se tornar Secretária da Justiça – visitou secretamente Georg Benjamin, junto com seu filho Michael, que mais tarde se tornou uma das influências mais importantes no Die Linke.
Seelenbinder e outros comunistas formaram um comitê clandestino nos campos de concentração, mas seus planos de fuga foram frustrados e ele foi deportado para a prisão de Brandemburgo-Gören, onde Seelenbinder foi executado, decapitado, em 24 de outubro de 1944.
Na manhã de sua execução, Seelenbinder escreveu sua carta de despedida a sua família: “Querido pai, irmãos, cunhada e Friedel! Chegou a hora da despedida. Durante minha prisão, passei por tudo o que um ser humano pode passar. Doença, dor física e emocional – não fui poupado de nada. Eu adoraria curtir com vocês, meus amigos e companheiros de esporte, os prazeres e as alegrias que a vida após a guerra tem a oferecer, prazeres e alegrias que agora aprecio ainda mais. Após um período terrível de sofrimento, o destino decidiu agora o contrário. E, no entanto, sei que encontrei um lugar em seus corações e no coração de tantos camaradas esportivos, onde ficarei. Esse conhecimento me deixa orgulhoso e forte e, na minha última hora, não me encontrará enfraquecido.”
Ele foi desafiador até o fim: da sua cela, ele gritou para os outros prisioneiros: “Camaradas! Este é o Seelenbinder! Hoje ao meio dia seremos executados. Nós permanecemos fortes! … Hitler será derrotado. Vamos dar as boas-vindas ao Exército Vermelho!”
Um legado que vale a pena lembrar
Após a libertação do fascismo, muitas ruas e praças da Alemanha Oriental – e uma das maiores salas de reuniões públicas – receberam o nome de Seelenbinder. Em 1975 o Werner Seelenbinder Hall foi palco da Conferência Mundial das Mulheres das Nações Unidas, dirigida por figuras como Angela Davis, Hortensia Allende, Frida Braun e Valentina Tereshkova – a primeira mulher a ser enviada ao espaço. Em 1992, o salão foi demolido e seu nome e memória apagados de muitos locais. A Guerra Fria continuou – o Ocidente e o anticomunismo haviam triunfado.
No entanto, isso não durou muito – e o nome de Seelenbinder seria salvo do esquecimento. Em 2004, o Sport Park, em Berlim, onde ele treinou para as Olimpíadas de 1936, foi renomeado como “Werner-Seelenbinder-Sportpark” e, em 2008, foi introduzido no “Hall da Fama do Esporte Alemão”. Em 2017, a organização da sociedade civil “Allende District”, em Berlim, renovou um memorial que havia desaparecido após a unificação em 1990, elogiando “O corajoso lutador contra o fascismo, o imperialismo e a guerra: Werner Seelenbinder”.
Setenta e cinco anos após a sua morte, este memorial ao lutador e ao comunista fica em frente à sede do NPD neo-nazista, como se quisesse gritar o velho slogan: “Fascismo – nunca mais!”
Sobre os autores
é pesquisadora no Instituto de Análise Social Crítica da Fundação Rosa Luxemburgo, em Berlim.