Quando, há cerca de quatro décadas, Thatcher arrogantemente afirmou que “não há alternativa”, uma esquerda confiante poderia ter virado de ponta-cabeça essa declaração, ao acrescentar que “sim, de fato não há alternativa real – sob o capitalismo”. Só que essa esquerda não existia. A esquerda radical era pequena demais para ter importância, e os partidos social-democratas já haviam abandonado a defesa do socialismo como uma opção sistêmica. Ao longo das décadas que se seguiram, em geral – e apesar do advento de um vago “anticapitalismo” – os passos em direção a uma transformação radicalmente igualitária e democrática da sociedade retrocederam ainda mais.
Das duas tarefas centrais que a construção do socialismo exige – convencer uma população cética de que uma sociedade baseada na propriedade pública dos meios de produção, distribuição e comunicação poderia de fato funcionar, e agir para acabar com o domínio capitalista – a esmagadora maior parte do foco daqueles que ainda seguem comprometidos com o socialismo tem estado na batalha política para derrotar o capitalismo. O verdadeiro aspecto da sociedade no final do arco-íris, com algumas notáveis exceções, tendeu a receber atenção apenas retórica ou superficial. Porém, sob a triste sombra lançada pela marginalização do socialismo, a afirmação improvisada sobre os aspectos práticos do socialismo não será o suficiente. Conquistar as pessoas para um esforço complexo e prolongado para introduzir formas profundamente novas de produzir, viver e se relacionar com os outros exige um envolvimento muito mais profundo com as possibilidades reais do socialismo.
Para os socialistas, estabelecer a confiança popular na viabilidade de uma sociedade socialista é agora um desafio existencial. Sem uma crença renovada e bem fundamentada na possibilidade desse objetivo, é quase impossível imaginar como reviver e sustentar o projeto. É preciso enfatizar, não se trata de uma questão de provar que o socialismo é possível (o futuro não pode ser verificado) e nem de traçar um plano completo (como seria o caso com a tentativa de se projetar o capitalismo antes de sua chegada, tais detalhes não podem ser conhecidos) , mas de apresentar um quadro estrutural que contribua para a defesa da plausibilidade do socialismo.
Parte 1. Quando a esperança “soa estranha em nossos ouvidos”
A famosa reprimenda do Manifesto Comunista aos utópicos por gastarem seu tempo com “castelos no ar” ia além da tensão entre o sonhar e o fazer, embora, é claro, também falasse disso. Ao enfatizar que nossas visões e as ações que correspondem a elas precisam se basear em uma análise da sociedade e na identificação da agência social, Marx e Engels introduziram o que equivalia a uma exposição inicial do materialismo histórico. Sem uma lente histórica, argumentam eles, os utópicos simultaneamente ficavam para trás e, ainda assim, prematuramente corriam à frente da História: ficavam para trás, ao deixar de notar a importância de um novo ator revolucionário emergente, o proletariado; e precipitadamente se apressavam à frente, ao se deixar absorver no detalhamento de um mundo distante que naquele momento só poderia ser imaginado nos termos mais gerais e abstratos.
Esta crítica mais profunda ao utopismo desencorajou as futuras gerações de socialistas revolucionários de um engajamento a sério com a questão da viabilidade do socialismo – uma relutância que, como já observado, em grande parte ainda persiste. A orientação da política socialista se voltou para a análise da economia política do capitalismo, apreendendo sua dinâmica e contradições e para a facilitação da formação dos despossuídos em uma classe coerente com o potencial de refazer o mundo. Somente no processo de luta para transformar o capitalismo, insistiam os marxistas, poderiam surgir as capacidades coletivas para construir o socialismo, e somente no processo de enfrentamento aos novos dilemas levantados, poderiam vir à tona soluções institucionais.
Tal orientação é claramente indispensável ao projeto socialista, nossa intenção aqui certamente não é menosprezá-la. No entanto, ela não justifica, especialmente na conjuntura atual, o comum desdém marxista por contemplações utópicas. Na esteira da profunda derrota da esquerda socialista e do consequente fatalismo generalizado sobre alternativas transformadoras, não é suficiente se concentrar em chegar lá. Agora, é no mínimo tão importante quanto isso convencer socialistas em potencial de que realmente existe um “lá” para onde ir.
Em retrospecto, as advertências de Marx e Engels contra a fixação em um futuro desconhecido possuem um ar convincente. Naquela fase inicial do capitalismo, nem o carro – sem falar no avião, no computador eletrônico e na internet – ainda não havia sido inventado. Os sindicatos estavam apenas surgindo, o sufrágio universal ainda estava a uma época de distância, o Estado moderno ainda não seria reconhecível e, acima de tudo, a Revolução Russa e as novas questões que ela colocava ainda não haviam surgido no palco político. Debater naquelas condições como poderia ser a aparência do futuro socialista certamente, em retrospecto, confirma quão presunçoso teria sido dedicar atenção demais à operacionalidade de uma sociedade socialista.
Além disso, a relativa juventude do capitalismo na época do Manifesto tornava aquele período comparativamente mais aberto ao vislumbre de sua rejeição: as barreiras dos laços culturais, religiosos e familiares tradicionais bloqueavam o caminho para o domínio total do capitalismo e a absorção da classe trabalhadora no novo sistema social permanecia incompleta. Nas décadas após 1873, o ano em que Marx cunhou o bordão de chacota sobre “escrever receitas para as cozinhas do futuro”, o socialismo estava no ar de uma forma que não está mais atualmente. O socialismo era amplamente discutido entre os trabalhadores, e em Londres estava “na moda até mesmo para os jantares do West End [distrito central] simular o interesse e o conhecimento do tema.” [1] Partidos socialistas de massa estavam surgindo em toda a Europa e esses desenvolvimentos eram amplamente seguidos, com ansiedade ou esperança. Nos Estados Unidos, embora um partido socialista de massas nunca tenha se firmado, a segunda metade do século XIX marcou o início de uma “longa era de anticapitalismo” que incluia um “desejo de derrubar a nova ordem das coisas”. [2]
Essa abertura para o socialismo persistiu após a Primeira Guerra Mundial. Como observa o prefácio de uma obra de Karl Polanyi sobre contabilidade socialista, no início dos anos 1920 Polanyi era “apenas um dos muitos cientistas sociais que consideravam contabilidade, preços e socialismo o tópico mais excitante da época”. [3] Surpreendentemente, essa atitude existia mesmo dentro da economia neoclássica, que emergiu à sombra da Comuna de Paris essencialmente como uma oposição a Marx. [4] No final da década de 1920, o presidente da prestigiada Associação Econômica Americana (American Economic Association) começou sua palestra declarando que “como a maioria dos professores de teoria econômica, descobri que vale muito a pena passar algum tempo estudando qualquer problema específico a partir do ponto de vista de um Estado Socialista.” Continuando a palestra e abordando como uma sociedade sem propriedade privada dos meios de produção poderia determinar preços e alocar recursos, afirmava com segurança que suas autoridades “não teriam dificuldade em descobrir se a avaliação padrão de qualquer fator específico estaria muito alta ou muito baixa” e concluia que “com isso tendo sido aprendido, o resto seria fácil”. [5]
Mais tarde, Murray Rothbard, um discípulo vitalício do arqui-conservador Ludwig von Mises, lamentava que quando ele ingressou na pós-graduação, após a Segunda Guerra Mundial, “o establishment da Economia estava todo decidido, à esquerda, direita e centro, que […] os únicos problemas do socialismo, como poderia ser, eram políticos. Economicamente, o socialismo poderia funcionar tão bem quanto o capitalismo”. [6] Com o socialismo carregando tal grau de credibilidade econômica, a elaboração dos detalhes de uma sociedade socialista funcional parecia algo decididamente menos urgente para os socialistas do que desenvolver a política para alcançá-la.
Mas tais aberturas para um mundo diferente, por mais qualificadas que fossem, hoje se contraíram de maneira impressionante. Erik Olin Wright começa seu monumental tratado sobre “utopias reais” relembrando melancolicamente que “houve uma época, não muito tempo atrás, em que tanto os críticos quanto os defensores do capitalismo acreditavam que ‘outro mundo era possível’. Geralmente era chamado de ‘socialismo’.” Wright segue, lamentando que “a maioria das pessoas no mundo hoje, especialmente em suas regiões economicamente desenvolvidas, não acredita mais nessa possibilidade.” [7]
O frequentemente observado paradoxo de nosso tempo é que mesmo com a intensificação das frustrações populares com o capitalismo, a crença em alternativas transformadoras continua a definhar. Há claramente um apetite por mudança e o discurso de “anticapitalismo” permeia os protestos, mas a sublime linguagem de esperança em uma alternativa sistêmica “soa estranha em nossos ouvidos”. [8] A persistência e até mesmo o fortalecimento do capitalismo diante de grandes crises parecem confirmar ainda mais sua permanência. A fé do Manifesto nos “coveiros do capitalismo” se choca com a atomização dos trabalhadores, a profundidade de suas derrotas, sua integração multidimensional ao capitalismo e sua dolorosa incapacidade de defender os ganhos do passado – quem dirá falar em agendas radicais. A perspectiva avassaladora de assumir um capitalismo global que parece estar além do alcance de qualquer Estado em particular, aparentemente nos deixa sem um alvo tangível, reforçando o senso de que “não há alternativa”, agora difundido entre múltiplas gerações .
Se adicionarmos as traições da social-democracia da Terceira Via, o fatídico colapso da União Soviética, a via chinesa para o capitalismo, os fracassos de outras revoluções dos séculos XX e XXI que ocorreram em nome do socialismo e a recente reversões política na América Latina e na Europa (por um tempo, o corbynismo pareceu uma possível exceção), fica nítido que a “mudança radical” é hoje, na maioria das vezes, um cartão de visitas da direita. O atual zeitgeist de que nenhuma alternativa ao capitalismo seria possível parece, tirando alguns bolsões teimosos, algo estabelecido. A libertadora confiança que o Manifesto irradiava foi substituída por um ceticismo onipresente sobre possibilidades transformadoras.
Nestes tempos desanimadores, está explícita a necessidade de estruturas para organizar e mobilizar as lutas de maneira mais eficaz, mas para se transcender o pessimismo e reviver a esperança revolucionária também é preciso uma visão animadora, uma utopia que seja tanto sonho quanto uma realidade possível. [9] Um bom número de marxistas têm, na verdade, argumentado crescentemente que, longe de ver de maneira negativa (um desvio) a preocupação com alternativas, é a própria ausência de alternativas que contribui para a marginalização da esquerda. Isso os levou a vasculhar a economia política marxista em busca de sacadas sobre o “conceito de alternativas”. [10] No entanto, por mais perspicaz que seja esse trabalho, no contexto desanimador da atualidade ele permanece muito conceitual para ser capaz de reviver e difundir popularmente a ideia socialista. Ir além das frustrações e da desmoralização forjadas pelo capitalismo exige uma defesa mais ampla e convincente das possibilidades práticas do socialismo. Por mais válida possa ter sido na sua época a crítica histórica de Marx e Engel aos utópicos, há um argumento convincente – igualmente motivado historicamente – para que tomemos um rumo diferente em nossos tempos.
O desenvolvimento de uma consideração mais sistemática do possível funcionamento do socialismo, mesmo se aquilo que oferecemos permanece relativamente generalista, incompleto e até especulativo, tornou-se hoje um requisito para reviver a receptividade a utopias realizáveis e para a ação deliberada para alcançá-las. Como afirmou recentemente Robin Hahnel, sem uma alternativa plausível “não podemos esperar que as pessoas assumam os riscos necessários para mudar as coisas”, nem “forjar uma estratégia de como irmos daqui para lá.” [11] Uma alternativa elaborada institucionalmente é agora elementar para encorajar os movimentos sociais a pressionarem para além do protesto, para dar apoio aos socialistas que estão vacilando e para recrutar os recém-descontentes. Essa alternativa, na poética captura do desespero e da esperança por Ernst Bloch, torna-se um estímulo indispensável “para fazer o homem derrotado tentar o mundo novamente.” [12]
Contradições socialistas submersas
Nas ocasiões em que os marxistas se engajaram com a questão da natureza de uma futura sociedade socialista, com muita frequência se esquivaram de problematizar as dificuldades futuras, assegurando aos não convencidos de que as dificuldades envolvidas na construção de uma sociedade socialista têm sido enormemente exageradas. No entanto, os trabalhadores entendem muito bem, por sua experiência no capitalismo, que construir uma nova sociedade passará longe de ser algo simples. Envolver aqueles que esperamos que venham a liderar a construção do socialismo, enganando-os sobre as dificuldades envolvidas, é uma atitude paternalista e, em última análise, autodestrutiva. O que é necessário, em vez disso, é uma apresentação honesta dos riscos, custos e dilemas que o projeto socialista terá de enfrentar, ao lado de exemplos credíveis e indicações promissoras de como os problemas poderiam ser tratados de maneira criativa.
O dilema primário do socialismo reside em como manifestar concretamente a propriedade social dos meios de produção. Os trabalhadores poderão administrar seus locais de trabalho? Se a propriedade social for organizada por meio do Estado, onde se encaixa o controle pelos trabalhadores? Se a propriedade social for dividida entre coletivos de trabalhadores, como os interesses particulares de cada coletivo se mesclarão com o interesse social mais amplo? E esses coletivos fragmentados serão capazes de neutralizar o poder centralizado? Ou seja, será possível democratizar o poder concentrado que acompanha o planejamento abrangente?
Esses dilemas – “contradições” podem ser um termo mais adequado – não podem ser evitados pelo apelo ao aprofundamento do desenvolvimento das forças produtivas herdadas do capitalismo, quer isso envolva o “fim da escassez” ou a explosão do poder computacional, inteligência artificial e big data. Tampouco podem ser resolvidos por meio de expectativas de que a experiência da “práxis revolucionária” em curso no fim do capitalismo trará um nível de consciência socialista que de maneira semelhante eliminaria tais questões. Finalmente, também não se pode escapar da preocupação com a concentração de poder no plano central por meio da afirmação – com base em alguma combinação do fim da escassez, maior consciência social e, esperamos, democratização – do “desaparecimento do Estado”.
Fora de fantasias utópicas, a escassez – a necessidade de se fazer escolhas entre usos alternativos de tempo de trabalho e recursos – dificilmente chegará a um fim, porque as reivindicações populares, mesmo quando transformadas em demandas coletivas/socialistas, são notavelmente elásticas: elas podem continuar crescendo. Pense especialmente em melhores cuidados de saúde, mais educação e de melhor qualidade, maior cuidado com os idosos, a expansão da arte e dos espaços culturais – tudo isso exige tempo de trabalho e, geralmente, também bens materiais complementares. Ou seja, tudo isso exige escolhas.
Além do mais, o cálculo da escassez não pode, em particular, ignorar o tempo livre, que representa o “reino da liberdade”. Mesmo se produzíssemos o suficiente daquilo que queríamos, conquanto parte desse trabalho não fosse completamente voluntário, mas instrumental, então permaneceria a escassez efetiva de tempo de trabalho ou de bens/serviços. Os trabalhadores podem até gostar de seus empregos e vê-los como uma fonte de expressão criativa e de satisfação, mas enquanto periodicamente preferirem não aparecer ou sair mais cedo, algum incentivo adicional será necessário para compensar o sacrifício de fornecer essas horas de trabalho. Esse incentivo é uma medida da persistência da escassez efetiva. E uma vez que a escassez seja reconhecida como um quadro inerente e essencialmente permanente na reestruturação da sociedade, a questão de incentivos estruturados torna-se primordial. Não se trata apenas de motivar horas de trabalho adequadas, mas de afetar sua intensidade e qualidade e influenciar onde esse trabalho será melhor aplicado (ou seja, determinar a divisão geral do trabalho da sociedade).
Quanto à graça redentora do poder computacional, seu papel no controle de estoques e na logística da entrega just-in-time, bem como os potenciais de tirar o fôlego do big data e da inteligência artificial, sem dúvida ajudariam a resolver problemas de planejamento específicos. [13] Talvez ainda mais significativas sejam as emocionantes possibilidades de reconfigurar o poder computacional para que ele forneça informações descentralizadas para facilitar as decisões por coletivos de trabalhadores e que os vincule a outros locais de trabalho. [14] Todavia, não se pode depender dos computadores para resolver os problemas gerais do planejamento socialista. Isso vai além do debate sobre se as futuras conquistas na capacidade computacional serão ou não capazes de lidar com os volumosos dados envolvidos nas interações e vicissitudes simultâneas de uma sociedade viva. Também se trata do fato que os resultados que os computadores nos fornecem depende inteiramente da qualidade e integridade das informações que entram (se entra lixo, sai lixo), algo que computadores mais poderosos não podem resolver sozinhos. [15]
Não é um problema secundário. Uma disfunção comumente observada no planejamento de estilo soviético era a sistemática retenção de informações precisas tanto por gerentes quanto por trabalhadores. [16] Uma vez que a produção anual em qualquer ano influenciava a meta para o ano seguinte, e uma meta básica inferior permitia atingir mais facilmente os bônus subsequentes, os locais de trabalho conspiravam para ocultar os potenciais produtivos reais. Friedrich Hayek, o economista-filósofo e herói thatcherista, apontava para esses incentivos perversos para reforçar seus argumentos de que o socialismo simplesmente não tinha estruturas adequadas para gerar as informações e conhecimentos existentes e potenciais que são indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade complexa. E mesmo que isso fosse melhorado e que um plano coerente fosse estabelecido, ainda não significa que o plano seria implementado. No capitalismo, apesar de todos os seus problemas, por meio da competição a disciplina para seguir as regras está integrada nesse processo de coleta, disseminação e aplicação das informações. No socialismo, o centro pode, em nome do cumprimento do plano, instruir a administração ou os conselhos de trabalhadores a agir de acordo com certas diretrizes – mas e se eles decidirem não fazê-lo?
Níveis mais elevados de consciência parecem uma resposta óbvia. Nesse sentido, o impacto edificante da participação na derrota do capitalismo é indiscutivelmente central para a construção da nova sociedade. A fuga da resignação debilitante forjada pelo capitalismo e a estimulante descoberta de novas capacidades individuais e coletivas são claramente indispensáveis para o avanço na construção do socialismo. Porém, na ausência de estruturas de incentivo apropriadas e mecanismos relacionados que sejam totalmente capazes de acessar informações precisas, o momento inebriante da revolução não pode ser sustentado e extrapolado para consolidar uma sociedade socialista.
Para começar, há o problema geracional. Conforme o tempo passa, cada vez menos pessoas terão experimentado o élan estimulante da revolução. Depois, há a realidade de que as habilidades e orientações desenvolvidas no curso da mobilização política para derrotar um tipo de sociedade não necessariamente correspondem com os sentimentos democráticos e as habilidades de governança necessárias para se construir uma nova sociedade. Além disso, mesmo entre os participantes originais da revolução, a consciência elevada daquele momento não pode simplesmente ser projetada para o mundo subsequente, mais terreno, do atendimento às necessidades diárias. À medida que esses trabalhadores se tornam os novos administradores da sociedade, não se pode presumir que as questões da burocracia e do interesse próprio inevitavelmente desaparecerão como problemas de outra época anterior.
Christian Rakovsky, um participante da Revolução Russa e mais tarde um dissidente exilado internamente sob Stalin, observou com atenção essa corrosão do espírito revolucionário. “A psicologia daqueles que estão encarregados das diversas tarefas de direção na administração e na economia do Estado mudou a tal ponto que não apenas objetiva, mas subjetivamente, e não apenas materialmente mas também moralmente, eles deixaram de ser um parte desta mesma classe trabalhadora.” Isso, argumentou, era verdade apesar de um diretor de fábrica ser “um comunista, apesar de sua origem proletária, apesar de ter sido um operário de fábrica poucos anos atrás”. Concluiu, com certo desânimo, que “não exagero quando digo que o militante de 1917 teria dificuldade em se reconhecer no militante de 1928.” [17] Embora isso reflita as circunstâncias especiais da experiência russa, seria um erro ignorar a vulnerabilidade de todas as revoluções a tais regressões.
Crucialmente, mesmo com a heróica suposição de que a consciência socialista universal teria sido alcançada, permanece a questão de como os indivíduos ou coletivos nos espaços de trabalho, limitados por suas próprias localizações fragmentadas, poderiam descobrir qual seria a coisa certa a fazer, no geral. Os níveis mais elevados de consciência socialista não podem, por si próprios, responder a este dilema. Uma coisa é afirmar que os trabalhadores tomarão as decisões; mas como, por exemplo, os trabalhadores de uma fábrica de eletrodomésticos poderiam avaliar se deveriam aumentar o uso de alumínio, ao invés de deixar esse alumínio para fins sociais mais valiosos em outros lugares? Ou, ao decidir como alocar seu excedente de final de ano, quanto deveria ser reinvestido na sua própria empresa e quanto deveria ser investido em outras empresas? Ou, se um grupo de trabalhadores quisesse trocar parte da sua renda por menos horas de trabalho, como eles poderiam medir e comparar os benefícios para si mesmos contra a perda em produtos ou serviços para a sociedade?
Hayek defendia que boa parte desse conhecimento é conhecimento “tácito” ou latente – conhecimento informal sobre as preferências do consumidor e sobre os potenciais de produção que muitas vezes não são explicitamente apreciados mesmo pelos agentes sociais diretamente envolvidos. Esse conhecimento só surge na superfície por meio de reações a restrições institucionais, incentivos e oportunidades específicas como, nas palavras de Hayek, escolhas individuais feitas por meio de mercados e pressões pela maximização de lucros. Isso inclui “conhecimento descoberto” – informações apenas reveladas post hoc (posteriormente) através do processo de concorrência entre as empresas, por exemplo, quais seriam as superiores entre uma uma série de alternativas de bens, máquinas, serviços ou formas de organização. A força do capitalismo, afirmava Hayek, é que ele traz à tona esse conhecimento que de outra forma permaneceria oculto e internalizado, enquanto que o socialismo, não importa o quanto almeje planejar, não seria capaz de avaliar ou desenvolver efetivamente o conhecimento sobre o qual um planejamento bem-sucedido teria de se apoiar.
Apesar de todos os seus preconceitos ideológicos e de classe inerentes, essa crítica não pode ser ignorada. Hayek não pode ser contestado apenas pela argumentação de que os próprios capitalistas planejam. Além do fato de que a escala envolvida na organização de toda uma sociedade em uma forma não baseada no mercado estar em uma ordem de magnitude diferente do que a operação de uma única corporação, mesmo que vasta, no capitalismo os cálculos corporativos internos contam com uma vantagem que o planejamento socialista centralizado não teria: preços de mercado externo e padrões orientados pelo mercado pelos quais podem se avaliar. Mais fundamentalmente, o planejamento corporativo se baseia em estruturas que dão à administração a flexibilidade e autoridade para alocar e empregar a mão de obra. Planejar de uma maneira baseada no controle pelos trabalhadores envolve uma força produtiva completamente nova – a capacidade de administrar e coordenar democraticamente os locais de trabalho.
As expectativas de abundância plena ou quase plena, somadas às de consciência social perfeita ou quase perfeita, têm uma consequência adicional: elas implicam em uma diminuição dramática, se não no fim, de conflitos sociais substantivos e, assim, eliminam qualquer necessidade de um Estado “externo”. Esse fenecimento do Estado também está enraizado na maneira como entendemos a natureza dos Estados. Se os Estados forem reduzidos a apenas instituições opressoras, então a democratização do Estado, por definição, traz o esvanecimento do Estado (um “Estado totalmente democrático” torna-se um oxímoro) . [18] Por outro lado, se o Estado for visto como um conjunto de instituições especializadas que não apenas medeiam as diferenças sociais e supervisionam a disciplina judicial, mas que também dirigem a substituição da hegemonia de classes e dos mercados competitivos pelo planejamento democrático da economia, então o Estado provavelmente terá um papel ainda maior sob o socialismo.
Trata-se de uma questão que vai além da semântica. Uma orientação para o desaparecimento do Estado tende a perpassar toda uma gama de questões: a eficácia do Estado; equilibrar o poder estatal com maior participação a partir das bases; como iniciar experiências e aprendizagens que não repousassem muito pesadamente sobre a práxis original de introdução do socialismo, mas que constituíssem uma práxis constante de fomento à educação, consciência e a cultura socialistas. [19] Por outro lado, aceitar a persistência do Estado muda o foco para a transformação do Estado capitalista herdado em um Estado especificamente socialista e democrático que seja central para o repensar criativo de todas as instituições. Mesmo onde o processo de democratização inclui a descentralização de algumas funções estatais, o avanço do socialismo pós-revolucionário pode também incluir (como veremos) a necessidade de um aumento nas outras funções do Estado.
Em suma, uma coisa é construir a partir do alicerce das forças produtivas herdadas do capitalismo e da consciência desenvolvida na transição para o socialismo, outra muito diferente é depositar sobre elas esperanças socialistas infladas – enxergar o capitalismo como o possibilitador dialético do socialismo. Até que ponto as conquistas produtivas e administrativas do capitalismo podem ser reproduzidas, adaptadas e aplicadas por não especialistas em uma forma democrática e socializada é uma questão a ser colocada, e não presumida de maneira mecânica. [20] É para a concretização desse desafio que nos voltaremos agora.
Parte 2: Estabelecendo a estrutura do socialismo
Socialismo e mercados
No cerne da busca por uma maneira de manifestar a propriedade social está a tensão entre planejamento e mercados. Nesta seção, insistiremos que não se trata de planejamento versus mercados, mas de descobrir mecanismos institucionais criativos que estruturem o lugar adequado para o planejamento e para os mercados. Marx estava correto em argumentar que elogiar a natureza voluntária e eficiente dos mercados, sem levar em consideração as relações sociais subjacentes nas quais eles estão inseridos, é uma atitude que fetichiza os mercados. Porém, os mercados também são fetichizados quando são rejeitados em absoluto e tratados como se tivessem uma vida própria, independente dessas relações subjacentes. O lugar dos mercados no socialismo é uma questão tanto de princípio quanto de praticidade – e de como lidar criativamente com as contradições entre os dois. Alguns mercados serão banidos sob o socialismo; alguns serão bem-vindos e outros serão aceitos com relutância, mas com restrições em suas tendências centrífugas anti-sociais.
Rejeitar os mercados em favor de deixar a tomada de decisões para os planejadores centrais se choca com o fato de que, como observou o planejador central soviético Yakov Kronrod na década de 1970, a vida econômica e social é simplesmente diversa demais, dinâmica demais e imprevisível demais para ser completamente planejada a partir de cima. Não importa o tamanho, nenhuma capacidade de planejamento será capaz de antecipar totalmente as mudanças contínuas encorajadas pelo socialismo entre grupos locais semi-autônomos, e nem – dado que muitas dessas mudanças ocorrem simultaneamente com repercussões e mais repercussões nos locais de trabalho e nas comunidades – responder a elas sem atrasos pronunciados e perturbadores. Colocar uma carga grande demais no planejamento central pode, portanto, ser contraproducente; os planos funcionam melhor quando se concentram em um número limitado de variáveis-chave e não ficam sobrecarregados demais com detalhes. [21]
Além do que, a mão pesada do “vasto e complexo sistema administrativo de alocação” carrega a ameaça, como ilustrado pela antiga URSS, de uma cristalização entre aqueles que ocupam os altos comandos da economia – planejadores centrais, chefes de ministério, gerentes de local de trabalho – naquilo que Kronrod chamou de uma “oligarquia social” que se auto-reproduz. À medida que essa oligarquia pressiona pelo cumprimento de seus planos rígidos, ela também faz crescer o autoritarismo e a burocratização (Kronrod não estava sozinho nesse argumento, mas era especialmente insistente nele). Se a mão pesada for tornada mais leve pela definição de “parâmetros” a serem cumpridos, isso significa bônus por conformidade e penalidades por baixo desempenho. Esses incentivos trazem problemas semelhantes aos do mercado em uma forma diferente, que pode nem mesmo incluir algumas das vantagens de mercados formais.
De maneira semelhante, Albert e Hahnel rejeitam os mercados, mas se voltam para o planejamento administrado de baixo para cima. [22] Seu modelo criativo e meticuloso se baseia em representantes eleitos nos coletivos dos locais de trabalho que se reúnem com representantes de fornecedores, clientes e da comunidade afetada. A comunidade deve estar presente porque ela tem interesse nas decisões do local de trabalho não só pelo lado do consumo, mas também por causa do impacto dessas decisões nas estradas, tráfego, moradia, condições ambientais, etc. Juntas, essas partes interessadas desenvolvem planos sob mútuo acordo e, como esses planos provavelmente não corresponderão imediatamente às condições de oferta e demanda em um nível mais abrangente da economia, um processo iterativo de repetidas reuniões para se chegar mais perto do equilíbrio poderia, argumentam eles, fechar as lacunas em última instância.
Isso pode funcionar em casos específicos e talvez se torne mais significativo com o tempo, conforme sejam aprendidos atalhos, inovações em computação agilizem os procedimentos e sejam construídas relações sociais. Todavia, como solução geral, é simplesmente inviável. O contexto de escassez, vários interesses e nenhum árbitro externo de qualquer tipo provavelmente levará a um conflito interminável, em vez de um confortável consenso mútuo. Dadas as maiores interdependências de produção e consumo envolvidas, juntamente de suas implicações para uma infinidade de decisões sendo tomadas e revisadas simultaneamente, não apenas em sequência, e cada uma com consequências em cascata, tal processo não poderia evitar de levar a uma opressiva tirania de reuniões.
Os mercados serão necessários no socialismo. Contudo, certos tipos de mercado devem ser rejeitados de maneira inequívoca. Isso é especialmente verdade para os mercados de trabalho, de mão de obra tornada mercadoria. O argumento é o seguinte: o planejamento – a capacidade de conceber aquilo que está para ser construído – é uma característica universal do trabalho humano: “O que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas é que o arquiteto ergue sua estrutura na imaginação antes de construí-la na realidade.” [23] Uma crítica central ao capitalismo é sobre como a mercadorização da força de trabalho priva os trabalhadores dessa capacidade humana. Os capitalistas individuais planejam, os Estados capitalistas planejam e os trabalhadores como consumidores também planejam. Ainda assim, ao vender sua força de trabalho para conseguir meios de vida, os trabalhadores, no papel de produtores, renunciam a suas capacidades de planejamento e ao seu potencial humano para criar. Este pecado original do capitalismo é a base para as degradações sociais e políticas mais abrangentes enfrentadas pela classe trabalhadora sob o capitalismo.
No entanto, permanece a questão da realocação da mão de obra, se os trabalhadores terão o direito de aceitar ou rejeitar onde trabalhar – e isso implica em alguma espécie de mercado de trabalho, mas seria um mercado de trabalho de um tipo muito específico, limitado e desmercadorizado. Com base na necessidade de atrair trabalhadores para novos setores ou regiões, o conselho de planejamento central definiria salários mais altos (ou moradias e amenidades sociais mais favoráveis), os ajustando conforme necessário se a força de trabalho fosse insuficiente. Dentro da estrutura salarial definida pelo plano central, os conselhos setoriais poderiam, da mesma forma, aumentar os salários para alocar os trabalhadores entre os locais de trabalho ou para novos espaços de trabalho. Os trabalhadores não poderiam, no entanto, ser demitidos nem perder o emprego devido ao fechamento dos locais de trabalho como consequência de concorrência e, caso houvesse uma escassez geral de demanda em relação à oferta, a demanda poderia ser estimulada ou o tempo de trabalho reduzido como alternativa à criação de um exército de reserva para disciplinar os trabalhadores.
Assim como os mercados de mão de obra mercadorizada devem estar fora dos limites, os mercados de capital também devem ser proibidos. As escolhas sobre para onde vai o investimento são escolhas sobre a estruturação de cada faceta de nossas vidas e definem as nossas metas e opções futuras. Índices econômicos podem ser usados para tomar tais decisões, mas a racionalidade comum a tais índices – sua capacidade de comparar alternativas com base em uma gama muito estreita de critérios econômicos monetários – é compensada pelas complexidades não quantificáveis de avaliar o que deve ser valorizado. E embora vá existir o crédito no socialismo, em termos do fornecimento de crédito para consumidores, fundos para empresas individuais ou pequenas cooperativas em fase de incubação, ou coletivos de ambiente de trabalho lidando com lacunas entre compras e vendas, os mercados financeiros baseados na criação de mercadorias financeiras não teriam lugar.
Por outro lado, quem pode imaginar um socialismo no qual não exista um mercado de cafeterias e padarias, pequenos restaurantes e variedades de pubs, bares, lojas de roupas, de artesanato e de música? Se forem estabelecidas as condições subjacentes de igualdade,de forma que esses mercados tratem de preferências pessoais e não de expressões de poder, não há razão para ficar na defensiva em relação a acolhê-los. É quando nos voltamos para as atividades comerciais dos coletivos dos ambientes de trabalho que o papel dos mercados assume seu maior significado, e também o mais controverso.
Para abordar os dilemas envolvidos em coletivos de trabalhadores que operam através de mercados, é útil começar com um rápido esboço sobre um trabalhador em um coletivo de ambiente de trabalho no socialismo. Fora do trabalho autônomo e das cooperativas com apenas um punhado de trabalhadores prestando serviços locais, os trabalhadores controlariam seus locais de trabalho, mas não seriam proprietários deles. Os locais de trabalho seriam propriedade social; a sua propriedade residiria em órgãos estatais municipais, regionais ou nacionais. Os trabalhadores não possuiriam ações negociáveis em mercado baseadas no seu local de trabalho que pudessem vender ou repassar para suas famílias – não haveria retornos privados sobre capital no socialismo. Embora os trabalhadores individuais pudessem deixar seus empregos e procurar trabalho em outro lugar, os coletivos dos ambientes de trabalho não poderiam decidir fechar seus locais de trabalho, uma vez que não seriam seus. Se a demanda pelos bens ou serviços produzidos enfraquecesse, o coletivo seria parte integrante dos planos de conversão para outras atividades.
Os trabalhadores não trabalharão para “outros”, mas organizarão coletivamente sua força de trabalho, com o excedente líquido posterior aos impostos sendo compartilhado entre eles. A renda não seria baseada em receber “os frutos do seu próprio trabalho (privado)”, uma vez que o trabalho é uma atividade coletiva, não privada. Os que trabalham serão remunerados com base nas horas trabalhadas e na intensidade ou no quão desagradável é o trabalho. Todos, empregados ou não, compartilham de um salário social – os serviços coletivos universalmente gratuitos ou quase gratuitos, distribuídos de acordo com as necessidades (por exemplo, saúde, educação, creche, transporte), bem como moradia e cultura subsidiadas. Aqueles que não fizerem parte da força de trabalho remunerada receberão um estipêndio de consumo, estabelecido em um nível que permita às pessoas viver com dignidade, e a distribuição do excedente líquido pós-impostos de cada coletivo seria realizada na forma serviços coletivos adicionais e/ou bônus individuais. [24]
Na ausência de renda do capital, e com o salário social carregando um grande peso em relação ao consumo individual, a variação efetiva nas condições dos trabalhadores se situará em uma faixa relativamente estreita e igualitária. [25] Nesse contexto, haverá a preocupação de que os preços reflitam custos sociais, como impactos ambientais, mas, para além disso, parece haver poucos motivos para uma angústia socialista em relação aos trabalhadores usarem seus ganhos individuais para escolher quais bens ou serviços específicos preferem. Também não há muitos motivos para se preocupar com a existência de crédito. Com as necessidades básicas essencialmente gratuitas, moradia subsidiada e pensões adequadas na aposentadoria, as pressões para economizar ou pedir emprestado seriam amplamente limitadas a diferentes preferências temporais ao longo do ciclo de vida (por exemplo, economizar para uma viagem na aposentadoria ou querer um eletrodoméstico agora). Como tal, as cooperativas de crédito nos locais de trabalho ou comunitárias, ou, para esse uso, um banco de poupança nacional podem, sob condições e taxas de juros supervisionadas em nível nacional, mediar os fluxos de crédito entre credores e devedores, sem que isso represente ameaça aos ideais socialistas.
No entanto, embora a autoritária disciplina de mercado imposta pelo capitalismo já não existisse, os coletivos nos ambientes de trabalho em geral ainda operariam em um contexto de mercado para compra de insumos e venda de seus bens e serviços ou, se seu produto final não tiver preço de mercado, de metas de produção mensuráveis. Consequentemente, incentivos para que ajam de maneiras socialmente sensíveis (como operar de maneira eficiente) continuarão a ser necessários. Isso assumiria a forma de uma parte do excedente gerado pelo coletivo indo para seus membros como bens coletivos (moradia, esporte, cultura) ou como renda para consumo privado. Isso oferece um mecanismo para trazer para a tomada de decisão os custos de oportunidade, como o quão valioso seria um insumo se usado em outro lugar e o quanto as outras pessoas consideram o produto final.
Isso no entanto também reintroduz o lado negativo dos mercados: os incentivos envolvidos implicam em competição, o que implica vencedores e perdedores e, portanto, resultados não igualitários. Além disso, se os locais de trabalho que ganham um excedente maior optassem por investir mais, suas vantagens competitivas seriam reproduzidas. Especialmente significativo, as pressões externas para maximizar o excedente ganho ou para superar os padrões estabelecidos pelo Estado afetam as estruturas internas e os relacionamentos dentro do coletivo, minando o significado substantivo de “controle pelos trabalhadores”. A ênfase na obtenção de grandes excedentes como objetivo principal tende, por exemplo, a favorecer a replicação das divisões de trabalho “mais eficientes” de outrora e – pelas mesmas razões – deferência à expertise e tolerância às hierarquias no ambiente de trabalho. Com isso, vem a degradação de outras prioridades: um ritmo de trabalho, condições de saúde e segurança toleráveis, cooperação solidária, participação democrática.
Embora o fim da propriedade privada dos meios de produção aborde a crítica às relações interclasses subjacentes aos mercados (sem mais patrões), o que permanece é o conflito intraclasse entre coletivos de ambientes de trabalho conectados por meio de mercados competitivos. No extremo, a competitividade promovida torna-se uma porta dos fundos para pressões no estilo dos mercados de trabalho sobre os trabalhadores para que se conformem com padrões competitivos. [26] Passaremos, na próxima seção, à questão sobre se o uso de mercados pode, por meio de inovações institucionais, ser adaptado para limitar esses seus impulsos negativos.
Conselhos setoriais
Apesar do planejamento e do controle pelos trabalhadores serem os pilares do socialismo, o planejamento excessivamente ambicioso (o caso soviético) e locais de trabalho excessivamente autônomos (o caso iugoslavo) fracassaram como modelos de socialismo. Reformas moderadas a esses modelos, sejam elas imaginários ou aplicados, também não soam muito inspiradoras. Com o planejamento que engloba tudo não sendo eficaz nem desejável, e a descentralização para os coletivos do espaço de trabalho resultando em estruturas economicamente fragmentadas demais para que identifiquem o interesse social e politicamente fragmentadas demais para que influenciem o plano, o desafio é: quais transformações no Estado, no plano, nos locais de trabalho, e nas relações entre eles podem resolver este dilema?
As unidades operacionais do capitalismo e do socialismo são locais de trabalho. No capitalismo, eles fazem parte de unidades de capital em concorrência, as estruturas primárias que dão ao capitalismo seu nome. No socialismo, com a exclusão de tais unidades privadas voltadas à auto-expansão, os coletivos de local de trabalho seriam, em vez disso, incorporados em “setores” constituídos de forma pragmática, definidos vagamente em termos de tecnologias, produtos, serviços comuns ou simplesmente história passada. Esses setores representariam, com efeito, as mais importantes unidades de planejamento econômico e geralmente estariam alojados em ministérios ou departamentos estatais como Mineração, Maquinário, Saúde, Educação ou Serviços de Transporte. Esses poderosos ministérios consolidariam o poder estatal centralizado e seu conselho de planejamento central. Quer esta configuração institucional tente ou não favorecer as necessidades dos trabalhadores, ela não traz o controle pelos trabalhadores defendido pelos socialistas. Adicionar as liberdades políticas liberais (transparência, liberdade de imprensa, liberdade de associação, habeas corpus, eleições disputadas) certamente seria positivo; pode-se até argumentar que as instituições liberais deveriam florescer melhor no solo igualitário do socialismo – mas, assim como no capitalismo, essas liberdades liberais são fracas demais para representar um contrapeso ao poder econômico centralizado. Quanto aos coletivos nos locais de trabalho, eles são fragmentados demais para preencher esse vazio. Além do mais, como observado anteriormente, as diretivas de cima ou as pressões do mercado competitivo limitam o controle substantivo pelos trabalhadores, mesmo no interior dos coletivos.
Uma inovação radical que isso convida é a devolução da autoridade e das capacidades de planejamento dos ministérios fora do Estado, para a sociedade civil. Os antigos ministérios seriam então reorganizados como “conselhos setoriais” – estruturas sancionadas constitucionalmente, mas fora do Estado e governadas por representantes dos trabalhadores eleitos em cada local de trabalho no respectivo setor. O conselho central de planejamento ainda alocaria fundos para cada setor de acordo com as prioridades nacionais, mas a consolidação do poder dos locais de trabalho em níveis setoriais teria duas consequências dramáticas. Em primeiro lugar, diferente de reformas liberais ou de pressões de locais de trabalho fragmentados, tal mudança no equilíbrio de poder entre o Estado e os trabalhadores (o plano e os coletivos de trabalhadores) carrega o potencial material para que os trabalhadores consigam modificar, se não inibir, o poder que a oligarquia social possui por virtude de sua influência material sobre o aparato de planejamento, desde a coleta de informações até a implementação, bem como os privilégios que eles ganham para si próprios. Em segundo lugar, os conselhos setoriais teriam a capacidade e autoridade dos locais de trabalho em sua jurisdição para lidar com o “problema do mercado” de maneiras mais consistentes com o socialismo.
Fundamental aqui é um equilíbrio específico entre incentivos, que aumentam a desigualdade, e um viés igualitário no investimento. Conforme observado anteriormente, os excedentes obtidos por cada coletivo de ambiente de trabalho podem ser usados para aumentar seu consumo comunal ou individual, mas esses excedentes não podem ser usados para reinvestimento. As prioridades nacionais seriam estabelecidas no nível do plano central por meio de processos e pressões democráticas (mais sobre isso mais a frente) e seriam traduzidas em alocações de investimento por setor. Os conselhos setoriais, então, distribuiriam os recursos para investimento entre os coletivos de espaços de trabalho que supervisionassem – porém, ao contrário das decisões baseadas no mercado, os critérios dominantes não seriam o favorecimento aos locais de trabalho que foram mais produtivos, o que serviria para reproduzir disparidades permanentes e crescentes entre os locais de trabalho. Em vez disso, a estratégia de investimento se basearia na busca por trazer a produtividade dos bens ou serviços dos coletivos mais fracos para mais perto daqueles com melhor desempenho (bem como outros critérios sociais, como a absorção de novos ingressantes na força de trabalho e o apoio ao desenvolvimento em certas comunidades ou regiões).
Essa parcialidade pela equalização das condições por todo o setor sem dúvida levaria à resistência de alguns locais de trabalho. Crucialmente, seria apoiada pelo plano central e pelas condições que vêm com as alocações de investimento do centro para os setores. A tensão entre a necessidade de incentivos e o compromisso com ideais igualitários refletiria realidades práticas, e estaria condicionada pela extensão em que os ideais socialistas teriam permeado os coletivos de trabalho e conselhos setoriais, e pelo interesse próprio de alguns locais de trabalho que se opusessem à competição intensiva. No entanto, isso seria equilibrado por preocupações constantes sobre eficiência e crescimento. Com o tempo, na medida em que a orientação ideológica fosse fortalecida e os padrões materiais aumentassem, espera-se que isso facilite um maior favorecimento da igualdade.
O fechamento da lacuna de desempenho entre os coletivos de local de trabalho seria especialmente reforçado pela centralização significativa da pesquisa e desenvolvimento (embora parte dela ainda pudesse ser específica de locais de trabalho) e pelo compartilhamento do conhecimento por todo o setor, em vez de vê-lo como um ativo privado e fonte de privilégio. Da mesma forma, conferências setoriais regulares sobre produção seriam realizadas para compartilhar técnicas e inovações, trocas entre locais de trabalho seriam facilitadas para se aprender as melhores práticas e equipes de “consertadores”, incluindo engenheiros e trabalhadores, estariam à disposição para solucionar problemas específicos e gargalos nos locais de trabalho e entre os fornecedores.
O que distingue o local de trabalho socialista de sua contraparte capitalista, portanto, não é apenas a ausência de um proprietário privado e de uma delegação de gerentes, mas que os trabalhadores não viveriam sob a ameaça externa de competir ou morrer. Não haveria ameaças onipresentes de perda de emprego e dispensas, o alto nível de benefícios universais deixaria as pessoas muito menos dependentes da renda do trabalho e os conselhos setoriais regulariam as disparidades entre os locais de trabalho. Seria apenas em um contexto assim, onde fossem aliviadas as pressões competitivas para se conformar aos padrões de maximização do excedente, que a autonomia e o controle pelos trabalhadores poderiam ter um significado substantivo e não apenas formal.
Sem empregadores pressionando os trabalhadores para que maximizem os excedentes e/ou reduzam os custos, e com significativo apagamento das pressões de mercado para que os trabalhadores se policiem, seria estabelecido o espaço para os trabalhadores fazerem escolhas que pudessem demonstrar poderia realmente significar no dia a dia controle pelos trabalhadores e a desmercadificação. [27] No interior do local de trabalho reencarnado, os direitos básicos não desapareceriam quando fosse cruzada a fronteira de entrada. A rígida divisão de trabalho, incluindo a rigidez construída pelo próprio trabalho organizado em sua autodefesa, se tornaria um campo aberto para experimentação e cooperação. Hierarquias poderiam ser achatadas – não descartando a importância daqueles com habilidades especiais, mas os integrando como mentores (ou “especialistas vermelhos”) comprometidos com a democratização do conhecimento e em tornar compreensíveis questões complexas. Com os trabalhadores tendo tempo, informações e habilidades para participar regularmente durante o horário de trabalho no planejamento da produção e na resolução de problemas, se tornaria possível finalmente imaginar um decisivo desvanecimento da separação histórica entre trabalho intelectual e manual.
A cultura de direitos e responsabilidades que poderia surgir neste contexto, especialmente a nova autoconfiança das pessoas que passariam a se considerar mais do que “apenas trabalhadores”, não poderia ficar confinada ao local de trabalho. Ela fluiria para a comunidade local e além, aumentando as expectativas democráticas de todas as instituições, especialmente do Estado socialista. Essa nova autoridade social da classe trabalhadora, reforçada materialmente pelo peso dos conselhos setoriais dirigidos pelos trabalhadores sobre a influência e implementação do plano nacional, corrigiria um controle e contrapeso anteriormente ausente sobre os planejadores centrais e estabeleceria as bases para iniciativas assertivas de baixo para cima. Nesse mundo sem capital ou mercados de trabalho, com fortes restrições institucionais e contramedidas contra a submissão da força de trabalho à disciplina da competição, pode-se argumentar de maneira crível que a mercadorização da força de trabalho seria efetivamente eliminada.
Camadas de planejamento
A introdução de conselhos setoriais eleitos pelos trabalhadores como novas instituições poderosas fora do Estado sugere uma reformulação de como pensamos sobre o planejamento socialista. Debater “o plano” versus “descentralização” não é tão útil. A descentralização envolvida na formação de conselhos setoriais também inclui a consolidação ou centralização dos locais de trabalho em setores. Além disso, como veremos, embora haja um grau em que o plano central estará compartilhando seu poder com outras estruturas, isso não significa necessariamente uma perda em sua eficácia como órgão de planejamento. Portanto, torna-se mais útil contemplar um sistema baseado em “camadas de planejamento”. Essas camadas interdependentes incluem o conselho de planejamento central, é claro, e os conselhos setoriais; também incluem os mercados como uma forma indireta de planejamento e, com o papel fundamental dos conselhos setoriais na restrição do autoritarismo do mercado, o planejamento também se estende às relações internas do ambiente de trabalho, além de incluir uma dimensão espacial que complementa a ênfase setorial.
A ansiedade dominante quanto a organização das condições materiais de vida e o fato prático de que grande parte da interação social ocorre por meio do trabalho (ainda mais se os trabalhadores estiverem intimamente envolvidos no planejamento desse trabalho) conferirão um peso especial dentro das camadas de planejamento para a economia. No entanto, a importância do social e do cultural, do urbano e de sua relação com o suburbano e o rural, exigem uma camada espacial de planejamento. Há, a esse respeito, uma história de experimentos sucessivamente iniciados e abandonados na ex-União Soviética com a descentralização regional. A devolução do espacial para o regional e sub-regional, assim como a devolução dos ministérios para setores controlados pelos trabalhadores, permitiria que o centro antes sobrecarregado pudesse se concentrasse em suas próprias tarefas mais importantes e aproximasse o planejamento daqueles mais afetados, e mais familiarizados com as condições locais. Ao longo do caminho, isso multiplicaria imensamente o número de pessoas potencialmente capazes de participar ativamente do planejamento.
Essa distinção entre o lado da produção e o lado referente ao espacial/consumo no planejamento provavelmente traria novas tensões, não apenas entre diferentes grupos institucionais, mas até mesmo entre os indivíduos, uma vez que esses indivíduos são sempre trabalhadores, consumidores e participantes da vida comunitária. Parte dessas tensões poderia ser aliviada com a inclusão de representantes da comunidade nos mecanismos de planejamento setorial e dos locais de trabalho. No setor de serviços especificamente, e até certo ponto também no caso de algumas manufaturas locais, a “municipalização” da propriedade de hospitais, escolas, serviços públicos, distribuição de energia, transporte, moradia e comunicações abre outra possibilidade. A criação, nesses casos, de “conselhos comunitários” locais poderia facilitar a ponte entre as tensões cotidianas entre as várias dimensões da vida das pessoas. À medida que o socialismo amadurecesse e a produtividade crescentemente se expressasse na redução da jornada de trabalho e no aumento do tempo livre, o papel de tais conselhos – com sua ênfase em repensar a paisagem urbana e a arquitetura da cidade; na expansão da oferta de serviços diários; no desenvolvimento da sociabilidade; no incentivo à arte e à expansividade cultural – espera-se, em consonância com os objetivos finais do socialismo, que ganhem em proeminência comparativa em relação às demandas mais estreitas da organização econômica.
Essas transformações na relação entre o plano central e o resto da economia/sociedade trariam tanto apoio quanto controles e validações mútuos entre as camadas de planejamento que se estendem por coletivos de ambientes de trabalho, conselhos setoriais, conselhos regionais, mercados e o conselho de planejamento central modificado. A isso seria adicionado o papel de mecanismos políticos para estabelecer objetivos nacionais: debates contínuos em todos os níveis, atividades de lobby e negociação entre os níveis, e eleições disputadas em torno da direção futura que – devido à sua importância e genuína abertura à direção pública – esperamos trazer a mais ampla participação popular.
Essa descentralização de poder e aumento dos espaços para participação seriam um poderoso freio aos “oligarcas sociais” que Kronrod e outros têm se preocupado em limitar, mas isso não significaria necessariamente um enfraquecimento da importância do mecanismo de planejamento central. No espírito da crítica de Kronrod ao planejamento excessivo, isso poderia deixar o planejamento menos intrusivo, mas mais eficaz – e a própria dispersão do poder torna a importância de um corpo de coordenação, mesmo que menos diretamente atuante, ainda mais crítica. De fato, mesmo que o conselho de planejamento assista a algumas de suas funções serem deslocadas para outros lugares, isso pode fazer com que o conselho tenha que assumir certas novas funções, como monitoramento e regulação de mercados, introdução de novos mecanismos para geração de receita no desconhecido mundo de mercados estendidos, e transformação dos currículos educacionais para incorporar o desenvolvimento das capacidades populares essenciais para a explosão da participação democrática ativa no planejamento. Provavelmente também será o caso de que, uma vez que o conselho de planejamento central ainda controlará a alocação de recursos de investimento para os conselhos setoriais e regiões, ele será capaz de alavancar as capacidades administrativas existentes fora do Estado formal para ajudar a implementar os planos centrais .
Refletindo as prioridades estabelecidas democraticamente, uma lista das funções de um conselho de planejamento central reformado poderia envolver o seguinte:
- Garantir o pleno emprego, o acesso universal aos serviços essenciais e uma renda de sustento.
- Estabelecer a relação entre consumo presente e futuro por meio da determinação da parcela do PIB a ser alocada para investimento e crescimento.
- Alocar investimentos aos setores e regiões, que por sua vez os realocariam dentro de suas respectivas jurisdições.
- Gerar a receita para suas atividades.
- Limitar os obstáculos às metas de solidariedade e igualdade da sociedade, não apenas entre indivíduos/famílias, mas também entre coletivos de espaços de trabalho, setores e regiões.
- O desenvolvimento constante, por meio de instituições educacionais e no trabalho, das habilidades funcionais populares e das capacidades democráticas e culturais.
- Governar o ritmo de desmercadificação por meio da distribuição das despesas entre consumo coletivo e individual.
- Regular o equilíbrio entre produção e lazer, por meio da influência sobre a parcela da produtividade que vai para se produzir mais, versus produzir o mesmo com menos horas de trabalho.
- Reforçar o cumprimento rigoroso das normas ambientais, com a propriedade estatal e a precificação dos recursos, bem como a alocação do investimento, sendo fundamentais nesse ponto.
- Navegar o relacionamento com aquilo que provavelmente ainda será uma economia global predominantemente capitalista. [28]
Parte 3: Eficiência socialista
O socialismo pode ser tão eficiente quanto o capitalismo?
Ninguém prestou maior homenagem econômica ao capitalismo do que os autores do Manifesto Comunista, que se admiraram sobre como o capitalismo “realizou maravilhas que ultrapassaram em muito as pirâmides egípcias, aquedutos romanos e catedrais góticas”. [29] Ainda assim, longe de verem esse ponto como o pináculo da História, Marx e Engels o identificaram como uma possibilidade nova e mais ampla: o capitalismo foi “o primeiro a mostrar o que a atividade do homem pode realizar”. A tarefa era desenvolver esse potencial por meio da socialização e reorganização explícitas das forças produtivas.
Em contraste, para Hayek e seu antigo mentor, von Mises, o capitalismo era o clímax teleológico da sociedade, o ponto final histórico da tendência da humanidade para a troca. Hayek considerava um truísmo que sem propriedade privada e sem mercados de trabalho e de capital, não haveria maneira de acessar o conhecimento latente da população e, sem acesso generalizado a tais informações, qualquer economia iria enroscar, ficar à deriva e desperdiçar talentos e recursos. Von Mises, depois que seu argumento de que o socialismo seria essencialmente impossível foi definitivamente posto de lado, voltou seu foco para o gênio do capitalismo para o empreendedorismo e a eficiência dinâmica e constante inovação trazidos por ele.
Apesar das afirmações de Hayek, na verdade é o capitalismo que sistematicamente bloqueia o compartilhamento de informações. Um corolário da propriedade privada e da maximização do lucro é que a informação é um ativo competitivo que deve ser mantido escondido dos outros. Já para o socialismo, o compartilhamento ativo de informações seria essencial para o seu funcionamento, algo institucionalizado nas responsabilidades dos conselhos setoriais. Além do mais, como argumentou Hilary Wainwright de maneira poderosa, o individualismo míope da posição de Hayek ignora a sabedoria que vem do diálogo coletivo informal, muitas vezes ocorrendo fora dos mercados em discussões e debates entre grupos e movimentos abordando seu trabalho e comunidades. [30]
Mais importante, o arcabouço de Hayek apresenta um condescendente viés de classe – ele está preocupado apenas com o conhecimento que reside na classe empresarial. O conhecimento dos trabalhadores, a grande maioria da população e daqueles com experiência mais direta nos processos de trabalho, não lhe interessa. Ele não dá atenção à possibilidade de que os trabalhadores frequentemente tenham boas razões para esconder seus conhecimentos dos empregadores, uma vez que transmiti-los pode não ajudar suas condições e pode até ter consequências negativas (por exemplo, o endurecimento dos padrões de trabalho) . Em contraste, um propósito primordial do socialismo é liberar e aprofundar o desenvolvimento dos potenciais criativos dos trabalhadores e isso inclui o máximo de compartilhamento mútuo de informações.
Os seguidores de von Mises também excluíram a possibilidade de que o empreendedorismo possa ocorrer em uma variedade de ambientes institucionais. Porém, mesmo no capitalismo, a história dos avanços tecnológicos sempre foi mais do que uma série de pensadores isolados que repentinamente viram lâmpadas se acendendo acima de suas cabeças. Como demonstrou Mariana Mazzucato em seu estudo detalhado sobre algumas das mais importantes inovações estadunidenses, na verdade é o Estado que está “disposto a correr os riscos que as empresas não correrrão” e que “provou ser transformador, criando mercados e setores inteiramente novos, incluindo a internet, nanotecnologia, biotecnologia e energia limpa.” [31]
Isso não significa que um Estado socialista será inevitavelmente tão inovador quanto o Estado estadunidense tem sido, mas sim que a ganância não precisa ser o único motor da inovação. A eficiência dinâmica também pode vir de cientistas e engenheiros com preocupações sociais que recebam os recursos e a oportunidade para atender às necessidades da sociedade, bem como a partir da cooperação mútua dentro dos coletivos de trabalhadores e das interações dos comitês dos ambientes de trabalho com seus fornecedores e clientes. Ainda mais importante, o socialismo pode introduzir um empreendedorismo social florescente e muito mais amplo, focado em inovações em como vivemos e nos governamos em todos os níveis da sociedade.
Uma observação empírica parece apropriada neste ponto. Durante as últimas três décadas, a produção por trabalhador dos EUA cresceu cerca de 2% ao ano (na última década, muito mais devagar que isso). Um pouco menos da metade disso é atribuído pelas estatísticas do Escritório da Mão de Obra dos EUA (US Bureau of Labor) ao “aprofundamento do capital” (mais investimento) e cerca de 0,8% à produtividade multifatorial (definida aproximadamente como o aumento na produção após o impacto de mais mão de obra e insumos de capital já terem sido contabilizados); o resto é explicado por mudanças na chamada “qualidade da mão de obra”. [32] Não há razão para esperar que o socialismo fique atrás do capitalismo no aprofundamento de capital, não quando as corporações estão sentadas sobre hordas de dinheiro que não está sendo investido e quando uma redistribuição radical da renda existente potencialmente liberaria enormes recursos para reinvestimento. Além disso, provavelmente seria de se esperar que o socialismo aumentasse o crescimento da qualidade do trabalho, pois priorizaria o desenvolvimento de habilidades e capacidades populares. Vamos supor, apenas para fins de argumentação, que o socialismo se iguale ao capitalismo em taxas de investimento e de qualidade de trabalho, mas seja capaz de atender apenas à metade do padrão capitalista para produtividade multifatorial (0,4% vs 0,8%). Isso significaria um crescimento médio da produtividade de cerca de 1,6% para o socialismo, em vez dos 2% do capitalismo.
Em um ambiente capitalista competitivo, as empresas cuja produtividade seja baixa correm o risco de ser expulsas do mercado; já em um contexto socialista, ficar para trás em produtividade implica num crescimento mais lento, mas isso não é necessariamente catastrófico. Enquanto a taxa de crescimento capitalista (2%) geraria um aumento composto de 17% ao longo de 8 anos neste exemplo, a sociedade socialista levaria 10 anos para chegar lá – dificilmente uma diferença definitiva em relação às ambições sociais muito maiores do socialismo. Essa lacuna seria ainda menor se permitirmos os potenciais ganhos de produtividade de trabalhadores cooperando para superar os problemas, e o significado muitas vezes não reconhecido para melhorias de produtividade da dispersão sistemática do conhecimento existente – que, como já observado, pode vir a se realizar, uma vez que a barreira da propriedade privada tenha sido removida. [33]
Crescentemente nos últimos tempos, os economistas têm vindo a admitir alguns dos problemas na glorificação dos mercados; os problemas eram óbvios demais para serem ignorados. A concessão crucial foi que os mercados não lidam muito bem com “externalidades”, uma referência a trocas que afetam pessoas que não faziam parte da troca, geralmente de maneira negativa. A resposta dos economistas a tais “exceções” é propor modificações em impostos e subsídios para que a totalidade dos custos reais envolvidos nessas exceções à norma sejam internalizados. A dificuldade nisso é que as chamadas externalidades em jogo incluem coisas como o meio-ambiente e o impacto dos mercados sobre a desigualdade, as capacidades populares e uma democracia substantiva – resultados que são a própria essência da vida. Isso surgiu mais popularmente no caso da crise ambiental, com seus desafios à cultura do consumismo e a mercadorização da natureza subjacentes aos mercados capitalistas e a preocupação prática de introduzir um planejamento abrangente para enfrentar a escala das ameaças ambientais.
A questão aqui não é defender, como Marx pareceu fazer no seu prefácio à sua Contribuição à Crítica da Economia Política de 1859, que com as relações sociais capitalistas tendo se tornado “grilhões” sobre as forças produtivas, a transformação nas relações sociais permitiria ao socialismo continuar o desenvolvimento das forças produtivas e ultrapassar o capitalismo, mesmo nos seus próprios termos. [34] Esse pode ou não ser o caso, mas sua afirmação não é convincente e nem necessária. Intuitivamente, é um exagero afirmar que um sistema social com um amplo leque de objetivos, dentre os quais o desenvolvimento das forças produtivas é apenas um deles, superará uma sociedade consumida pela singularidade desse objetivo. A tensão entre incentivos e igualdade destaca esse equilíbrio entre escolhas. Além disso, se aceitarmos que o caminho para o socialismo envolverá sacrifícios e escolhas ao longo de todo o caminho, incluindo em sua construção, então conquistar as pessoas para a causa socialista e mantê-las nela terá que se basear no desejo delas por algo diferente, ao invés da questionável promessa do socialismo trazer não apenas mais justiça, mais democracia, mais controle no local de trabalho, mas também mais crescimento.
A questão é que a noção de “eficiência” é um terreno em disputa. Para o capital, o desemprego é uma arma funcional para impor disciplina à classe trabalhadora; para os socialistas, representa um desperdício inequívoco. Acelerar o ritmo de trabalho é um ponto positivo para a eficiência corporativa e um ponto negativo para os trabalhadores. O tempo gasto em deliberações democráticas é um custo sem valor agregado para os empregadores capitalistas, mas uma prioridade para os socialistas. Reduzir as horas da jornada de trabalho para os trabalhadores de tempo integral é, para os empregadores capitalistas, uma caixa de Pandora que jamais deveria ser aberta; para os trabalhadores, é uma razão primordial de porquê melhorar a produtividade. O que a defesa do socialismo exige não são comparações de eficiência com o capitalismo, e sim se uma sociedade estruturada para abordar o potencial completo e variado de todos os seus habitantes pode, em seus próprios termos, também ser razoavelmente eficiente na coordenação de suas atividades; promover o desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e formas de organização/administração democrática; e liberar a capacidade da mão de obra, para que ela possa ser aplicada a outras atividades humanas.
Socialismo como processo
O sistema de camadas distintas mas sobrepostas de planejamento edificado neste artigo envolveria uma variedade de mecanismos de planejamento: administrativo direto, consultivo, negociações iterativas, decisões através de órgãos delegados, cooperação direta, mercados com graus de liberdade amplamente diferentes. E, ao contrário da elegância do chamado equilíbrio de mercado e dos algoritmos e modelos de computador de planos centrais imaginários, isso inevitavelmente viria com algo que é um anátema para os defensores ortodoxos do planejamento – um grau significativo de “bagunça”.
Os locais de trabalho poderiam, por exemplo, encontrar-se em mais de um setor. As fronteiras entre os setores seriam freqüentemente borradas e instáveis, sendo afetadas por mudanças tecnológicas e prioridades sociais. No interior de qualquer camada, pode haver não um, mas muitos mecanismos de planejamento. O equilíbrio entre centralização e descentralização será fluido. Permitir a flexibilidade descentralizada de que os trabalhadores e os órgãos regionais com conhecimento específico e localizado precisam para realizar ajustes improvisados constantemente pode ser positivo e perturbador (os planejadores também precisarão de um certo grau de flexibilidade). As relações entre locais de trabalho e comunidades específicos podem envolver interesses conflitantes – conflitos internalizados até mesmo nas mesmas famílias e indivíduos. As tendências para a burocratização e a expressão de interesses velados não desaparecerão completamente. As interações com a economia internacional serão incertas e, na melhor das hipóteses, semi-planejadas. A preferência socialista pela ênfase em bens coletivos gratuitos pode ser contestada democraticamente a partir de baixo (e de cima).
Esse grau de desarranjo reflete em parte as realidades de qualquer organismo social complexo, como fica autoevidente quando nos afastamos da metódica disposição de papeis dos mercados e dos planos centrais. Mas há algo mais aqui. A desordem no interior do socialismo é também uma expressão de suas aspirações mais amplas e multifacetadas: sua recusa em limitar tudo a indicadores fáceis (como aqueles que se encaixam tão perfeitamente com lucros e competitividade); a insistência em desenvolver a mais ampla gama de capacidades humanas para construir, criar e desfrutar; o compromisso de criar a democracia mais genuína. Tudo isso pode produzir uma confusão desconcertante, mas ela seria melhor apreciada como uma manifestação do fato de que, como William Morris colocou em sua crítica à utopia de Bellamy, “a variedade de vida é tanto um objetivo do verdadeiro comunismo quanto a igualdade de condições, e que nada além de uma união desses dois objetivos trará a verdadeira liberdade.” [35]
Fundamental aqui é a natureza do socialismo como um processo. Wlodzimierz Brus, ponderando a experiência com o socialismo na Europa Oriental, advertiu que “a socialização dos meios de produção é um processo e não um evento único”, e que ela pode não tender “automaticamente para uma direção específica … [e] pode inclusive ser regressiva.” [36] Em certo nível, essa ênfase no “processo” pode parecer banal – não seria tudo um processo? Mas insistir nisso é um lembrete da escala e da ambição daquilo que estamos abordando, com todas as incertezas de tentar introduzir algo que nunca foi alcançado com sucesso anteriormente. Não é apenas sobre como sem dúvidas o socialismo enfrentará todo tipo de dificuldades em seus primeiros dias pós-revolucionários e que as insuficiências podem continuar por um longo período de transição. É sobre como a construção do socialismo deve ser entendida como permanentemente em um estado incerto de devir. Longe de oferecer o nirvana, o que o socialismo oferece é que, tendo removido as barreiras capitalistas para ativamente tornar a vida qualitativamente melhor e mais rica, a humanidade pode então começar a “fazer a [sua] própria história de maneira cada vez mais consciente”. [37]
Esses começos dependerão de uma série de contingências na condução rumo à transformação socialista (contingências essas que farão com que cada transição seja distinta e, portanto, não redutível a um único modelo): Quão destrutiva em termos do capital físico foi a transição para o socialismo (incluindo greves de investimento e a fuga de capitais)? Quão decisiva foi a derrota da classe capitalista? Quão desenvolvida foi a classe trabalhadora que chegou ao poder – por exemplo, ela chegou ao poder por meio de uma longa marcha ou após o colapso repentino do sistema? Quão desigual era a distribuição de moradia entre os trabalhadores e como isso será resolvido? Quão favorável ou antagônico estará o contexto internacional? E, talvez o mais preocupante, qual será a escala da crise ambiental herdada?
Essas contingências continuarão mesmo depois que as velhas bases de poder tenham sido efetivamente tratadas. Em parte, porque as diferenças entre os indivíduos persistirão devido a (por exemplo) variações de idade e gênero, preferências pessoais conflitantes, a influência de funções sociais distintas. Haverá quem defenda mais incentivos e uma reversão do crescimento dos bens coletivos gratuitos em relação ao consumo individual. Haverá apelos para reviver a influência dos “especialistas” contra o domínio democrático daqueles que “não sabem tanto quanto eles”. Uma região será favorecida em comparação com outra e assim por diante. E tudo isso estará ocorrendo em um contexto em que o melhor caminho a seguir simplesmente não é conhecido de maneira definitiva. “A arte do planejamento socialista”, observou Trotsky, “não cai do céu e nem é apresentada plenamente desenvolvida às mãos de alguém com a conquista do poder”. Ela só pode ser descoberta e dominada “por meio da luta, passo a passo, não por alguns, mas por milhões de pessoas, como parte integrante da nova economia e da nova cultura”. [38]
Essa sensibilidade paciente deve infundir todas as discussões sobre os blocos de construção do socialismo, mas sua ênfase democrática não deve ser tomada para negar a importância da liderança (obviamente, dado quem foi Trotsky). À luz das contingências, imperfeições, bagunça e fragilidades do socialismo, a liderança será especialmente importante para facilitar a mais criativa participação democrática. Essa liderança não pode vir da fusão do partido revolucionário com o Estado; o socialismo democrático e o monopólio do partido não são compatíveis. Mas a política partidária disputará essa liderança e o papel pós-revolucionário do partido revolucionário será crítico. A democracia por si só não garante que o socialismo não seja paralisado ou revertido. Seu avanço continuará a depender do papel de um partido ou partidos – no governo ou fora dele – que estejam comprometidos com os mais ambiciosos objetivos igualitários, participativos e de desenvolvimento do socialismo no longo prazo. [39]
Conclusão
Este ensaio insistiu que abordar como será o aspecto do socialismo e como poderemos lidar com seus dilemas é parte integrante de como ganhar as pessoas para o socialismo. Até onde isso exige que entremos em detalhes sobre o funcionamento do socialismo “depende”, porque os problemas específicos que as sociedades socialistas enfrentarão são inseparáveis do tipo de revolução que tiver lhes dado origem e porque só podemos conhecer até certo ponto a forma como o socialismo irá evoluir, independentemente da dialética do fazer. Tudo o que podemos afirmar é que o socialismo é essencial para avançarmos no sentido de satisfazer as necessidades e potenciais individuais e coletivos da humanidade, e que ser socialista significa viver nossas vidas como se o socialismo não fosse apenas necessário, mas também possível. [40]
O problema, evidentemente, é que, mesmo que o “quem me dera” possa sustentar aqueles que já estão comprometidos com o socialismo, para a grande maioria das pessoas isso não é bom o bastante; é essencial que ofereçamos mais que isso. O que propusemos neste ensaio é um “mais que isso, só que contido”, um conjunto de arranjos institucionais e relações sociais ilustrativos – um arcabouço ou estrutura – que possam promover a credibilidade do socialismo. Os elementos dessa estrutura podem ser resumidos nos seguintes pontos.
- Coletivos nos locais de trabalho: o controle pelos trabalhadores sobre seus locais de trabalho é fundamental para o socialismo. Porém, esse controle fragmentado força as questões de como os interesses particulares dos trabalhadores podem ser mediados com o interesse social e de como manter a autonomia do trabalhador contra as diretivas vindas de cima. É essencial para lidar com isso demarcar um papel para os mercados.
- Mercados: Mercados que simplesmente acomodem escolhas são bem-vindos ao projeto socialista, mas os mercados de trabalho e de capital, que minam princípios socialistas primários, devem ser proibidos. Os mercados comerciais nos quais estarão inseridos os coletivos de locais de trabalho são necessidades práticas, mas, uma vez que também trazem concorrência, eles ameaçam objetivos igualitários.
- Conselhos Setoriais: A conversão de ministérios estatais em conselhos setoriais de trabalhadores, constituídos por delegados de cada coletivo de locais de trabalho no setor, atende a dois propósitos críticos. Traz uma grande mudança no equilíbrio de poder entre os trabalhadores e o Estado (entre os coletivos de trabalhadores e o plano central) e fornece aos conselhos setoriais a capacidade e a autoridade para regular os mercados, a fim de diminuir as lacunas produtivas entre os locais de trabalho.
- Devolução espacial: A devolução regional do planejamento destaca a importância da reestruturação urbana, dos serviços, comunidade e cultura locais. Ela aproxima o planejamento daqueles que são afetados por ele e multiplica o número de participantes nos processos de planejamento. E, ao passo em que o socialismo for cumprindo a promessa de redução do tempo de trabalho, sinalizando a maior proeminência do social, a importância do planejamento espacial-comunitário aumentará em relação ao peso anterior dado à solução dos dilemas mais estreitos da organização da produção.
- Camadas de planejamento: a proteção à autonomia dos coletivos dos locais de trabalho e o maior papel dos setores, regiões e mercados sugerem uma mudança da dicotomia plano-mercado para um paradigma baseado em “camadas de planejamento”. Ao reduzir o poder concentrado dos planejadores, espalhando de maneira ampla as capacidades de planejamento e introduzindo controles e contrapesos mútuos nas várias camadas, a democracia socialista será aprofundada crucialmente.
- Conselho Central de Planejamento: Embora a mudança para camadas de planejamento enfraqueça o poder da oligarquia social, não necessariamente enfraquece a capacidade do Conselho Central de Planejamento. Não mais sobrecarregado, o conselho pode se tornar mais eficaz; as novas capacidades setoriais e regionais podem se tornar veículos úteis para a realização dos principais planos do centro; e, à medida em que o conselho central de planejamento abre mão de algumas funções, outras podem se tornar ainda mais importantes e outras novas podem se tornar necessárias.
- A Transformação do Estado: O Estado não se funde com o partido revolucionário e nem fenece. Em vez disso, é transformado em termos de seu papel de planejamento e superintendência, na democratização do planejamento, no relacionamento com as várias camadas de planejamento e nas novas capacidades que o Estado deve encorajar, incluindo a “competência e compromisso vermelhos” que ele deve desenvolver entre os funcionários públicos .
- Liberdades Políticas Liberais: as liberdades políticas liberais, incluindo a disputa de eleições, envolvendo partidos políticos capazes de afetar o ritmo e a direção das mudanças, são um aspecto fundamental para a democracia socialista.
- A “bagunça” do Socialismo: Contra as noções da capacidade onipotente do socialismo de planejar o que está por vir, é provável que ele venha a ser uma forma especialmente “bagunçada” de organização social. Isso não deve ser entendido como uma calúnia; pelo contrário, essa “bagunça” resulta de tudo aquilo que há de inspirador no socialismo: sua contingência como um processo em disputa, de experimentação, descoberta e aprendizado; seus objetivos democráticos e igualitários mais ambiciosos; sua abertura para a participação criativa na grande “variedade da vida”.
Notas
[1] William Morris, “Bellamy’s Looking Backward,” Commonweal, Junho de 1889.
[2] Steve Fraser, “The Age of Acquiescence: The Life and Death of American Resistance to Organized Wealth and Power” (“A Era do Consentimento: Vida e Morte da Resistência Americana à Riqueza e Poder Organizados ”) (New York: Little, Brown and Company, 2016), 152, 178.
[3] Johanna Bockman, Ariane Fischer, David Woodruff, “Socialist accounting” (“Contabilidade Socialista”) de Karl Polanyi; com o prefácio “Socialism and the embedded economy”, de Johanna Bockman, Theory and Society 45, no. 5 (October 2016): 385– 427.
[4] O proeminente economista estadunidense Wesley Mitchell observou que as obras neoclássicas não podiam ser lidas “sem sentir que eles estão interessados em desenvolver o conceito de maximização da utilidade em grande parte porque pensaram que ele respondia à crítica socialista de Marx da organização econômica moderna.” Citado em István Mészáros, Para Além do Capital (p. 80 na edição de Londres: Merlin, 1995). Sobre a fascinante história do desenvolvimento da economia neoclássica e sua relação com os modelos teóricos do socialismo, ver o Capítulo 1 do livro de Johanna Bockman, “Markets in the Name of Socialism: The Left-Wing Origins of Neoliberalism” (“Mercados em Nome do Socialismo: As Origens de Esquerda do Neoliberalismo”) (Stanford: Stanford University Press, 2011).
[5] Fred M. Taylor, “The Guidance of Production in a Socialist State,” (“A Orientação da Produção em um Estado Socialista”) American Economic Review 19, no. 1 (Março de 1929): 1–8.
[6] Murray Rothbard, “The End of Socialism and the Calculation Debate Revisited,” [“O Fim do Socialismo e o Debate sobre o Cálculo Revisitado”], Review of Austrian Economics 5, no. 2 (1991): 51.
[7] Erik Olin Wright, “Envisioning Real Utopias” (“Divisando Utopias Reais”) (Londres: Verso, 2010), 1. O próprio Wright reflete uma redução das expectativas da esquerda, na medida em que recua do ponto de partida clássico da socialização plena dos meios de produção.
[8] Fraser, The Age of Acquiescence, p. 162.
[9] Ver Leo Panitch e Sam Gindin, “Transcending Pessimism, Rekindling Socialist Imagination” (“Transcendendo o Pessimismo e Reacendendo a Imaginação Socialista”), em Leo Panitch and Colin Leys, ed., “Socialist Register: Necessary and Unnecessary Utopias” (“Registro Socialista: Utopias Necessárias e Desnecessárias”) (Londres: Merlin Press, 2000).
[10] Michael Albert e Robin Hahnel têm evangelizado sobre a necessidade de alternativas desde o início dos anos noventa. Ver o seu “Looking Forward: Participatory Economics for the Twenty First Century” (“Olhando em Frente: Economia Participatória para o Século XXI”) (Boston: South End Press, 1990). Mais recentemente, Peter Hudis observou que “uma das maiores barreiras no caminho de uma ação anticapitalista eficaz é uma alternativa a uma sociedade dominada pelo poder onipresente do capital”. Peter Hudis, “Marx’s Concept of the Alternative to Capitalism” (“O Conceito Marxiano de Alternativa ao Capitalismo”) (Chicago: Haymarket, 2013). Ver também Hugo Radice, “Utopian Socialism and the Marxist Critique of Political Economy” (“Socialismo Utópico e a Crítica Marxiana à Economia Política”) Utopian Studies Society (Europe), International Conference, Julho de 2013.
[11] Robin Hahnel, “Of the People, By the People” (“Do Povo, Pelo Povo”) (Chico, CA: AK Press, 2012), 7.
[12] Ernst Bloch, “The Principle of Hope” (“O Princípio Esperança”), Volume 1 (Cambridge, Ma: MIT Press, 1996), 198.
[13] Leigh Phillips e Michal Rozworski, embora escrevendo na tradição da espera de que o capitalismo vai promover involuntariamente as capacidades para o socialismo, trazem contribuições muito ponderadas sobre, entre outras coisas, o desenvolvimento de novas tecnologias corporativas e capacidades administrativas. Ver o seu “The People’s Republic of Wal-Mart: How the World’s Biggest Corporations Are Laying the Foundation for Socialism” (“República Popular do Walmart: Como as Maiores Corporações estão Estabelecendo as Bases para o Socialismo”), (New York: Verso, 2019 – no Brasil deve ser publicado em 2021 pela Autonomia Literária).
[14] Uma experiência inicial e fascinante na aplicação dos potenciais democráticos da informatização a uma sociedade socialista surgiu no Chile, mas terminou com a contra-revolução de Pinochet. Este experimento não se limitava à universalização do acesso aos computadores, por mais importante que isso seja, mas também a facilitar o planejamento ativo de baixo para cima. Ver Eden Medina, “Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’ s Chile” (“Revolucionários Cibernéticos: Tecnologia e Política no Chile de Allende”) (Cambridge, MA: MIT Press, 2011).
[15] É revelador que, enquanto o economista político polonês Oskar Lange estava enfatizando os potenciais dos computadores na década de 1960 – os mercados, sugeriu Lange, “podem ser considerados um dispositivo de computação da era pré-eletrônica” – o que estava recebendo o ouvido de planejadores centrais práticos era o apelo dos reformadores liberais pelo aumento do papel dos mercados. Ver Oskar Lange, ‘The Computer and the Market’ (escrito originalmente em 1967), em Alec Nove e D. M. Nuti, eds., “Socialist Economics” (“Economia Socialista”) (Middlesex, UK: Penguin Books, 1973), 401.
[16] Para um resumo, ver Michael Lebowitz, “The Contradictions of Real Socialism” (“As Contradições do Socialismo Real”) (New York: MRP, 2012), Capítulo 1.
[17] Christian Rakovsky, “The ‘Professional Dangers’ of Power,” (“Os Perigos Profissionais do Poder”) Bulletin of the Opposition, Agosto de 1928.
[18] Essa é a fundamentação sobre a qual Ernest Mandel afirma que o “Estado proletário… é o primeiro Estado que começa a definhar no momento de seu aparecimento”. Ernest Mandel, “The Marxist Theory of the State” (“A Teoria Marxista do Estado”) (Londres: Pathfinder Press, 1971). Lebowitz respondeu acertadamente que “não importa se eles preferem chamar esses conselhos articulados de não-Estado ou ‘Desestado’, contanto que todos concordem que o socialismo como um sistema orgânico exige essas instituições e práticas para ser real.” Michael A. Lebowitz, “What Is Socialism for the Twenty-First Century?,” (“O Que é o Socialismo Para o Século XXI”) Monthly Review, (Outubro de 2016): fn. 30.
[19] Paul Auerbach coloca a questão da educação e do desenvolvimento humano constante no centro de sua alternativa socialista. Ver o seu “Socialist Optimism: An Alternative Political Economy for the Twenty-First Century” (“Otimismo Socialista: Uma Política Econômica Alternativa para o Século XXI”) (New York: Pelgrave, 2016).
[20] Às vésperas da Revolução Russa, Lenin também expressou tal otimismo declarando que a “contabilidade e controle necessários [para a administração nos locais de trabalho e do Estado] foram simplificados ao máximo pelo capitalismo e reduzidos a operações extraordinariamente simples – que qualquer pessoa alfabetizada pode realizar – de supervisão e registro, conhecimento das quatro regras da aritmética e emissão de recibos apropriados.” Em V.I. Lenin, “O Estado e a Revolução” (p.361 em “State and Revolution, Selected Works, Volume 2 – Moscow: Progress Publishers, 1970). Quer isso representasse ou não apenas um reflexo da hipérbole que acompanha a tentativa de inspirar confiança revolucionária, sua ilusão logo seria revelada de maneira devastadora. Kautsky, mais tarde se questionando sobre “Que formas assumirá a economia socialista?”, iniciou sua resposta com “certamente não formará uma fábrica única, como pensava Lenin.” (O próprio Lênin logo qualificou sua posição). Karl Kautsky, “The Labour Revolution” (“A Revolução do Trabalhador”) (1925).
[21] O “livro de gaveta” de Kronrod, assim chamado porque ele esperava que os censores o impediriam de jamais tirá-lo de sua gaveta, só alcançou os olhos do público após a queda da União Soviética. Este trabalho pioneiro foi admiravelmente escavado por David Mandel em “Democracy, Plan, and Market: Yakov Kronrod’s Political Economy of Socialism“ (“Democracia, Plano e Mercado: a Economia Política Socialista de Yakov Kronrod”) (Alemanha: ibidem Press, 2017).
[22] Albert e Hahnel, “Looking Forward”.
[23] Karl Marx, O Capital, Volume 1 (p. 284 da edição de Londres: Penguin, 1976).
[24] O emprego traria salários mais altos, mas, dependendo das condições e da política pós-revolucionárias, o salário social mais uma renda vital tornaria o trabalho autônomo ou o trabalho em uma pequena cooperativa opções práticas.
[25] On reasonable assumptions the value of the social wage — free health care, education, transit, childcare, and subsidized housing and culture — would be at least three times that of individual consumption.
[26] Para críticas poderosas ao socialismo de mercado, consultar Ernest Mandel, “The Myth of Market Socialism” (“O Mito do Socialismo de Mercado”), New Left Review (I / 169, maio-junho de 1988) e David McNally, “Against the Market: Political Economy, Market Socialism and the Marxist Critique” (“Contra o Mercado: Economia Politica, Socialismo de Mercado e Crítica Marxista”) ( Nova York: Verso, 1993).
[27] Para uma visão estimulante das possibilidades relacionadas à divisão do trabalho, ver Albert e Hahnel, “Looking Forward”, 15–26.
[28] As relações internacionais trazem à tona uma série de questões não tratadas aqui, que vão desde as relações complexas com os países capitalistas, às relações de solidariedade com o Sul Global (repasse de tecnologia e habilidades e pagamento de “preços justos”), e a negociação de relações planejadas com outros países socialistas.
[29] O Manifesto Comunista, pág. 5.
[30] Hilary Wainwright, “Arguments for a New Left: Answering the Free Market Right” (“Argumentos por uma Nova Esquerda: Respondendo à Direita do Livre-Mercado”) (Oxford: Blackwell, 1994). O viés individualista hayekiano se estende também à natureza dos bens considerados importantes. Tirando serviços difíceis de privatizar como as forças armadas, a perspectiva de Hayek estava em geral restrita a bens adquiridos individualmente que vinham com compensação individual, com pouca apreciação da gama de bens públicos tão vitais em qualquer avaliação da vida social.
[31] Mariana Mazzucato, “O Estado Empreendedor” (pág. 3 na edição de Londres: Anthem, 2013).
[32] “Multifactor Productivity Trends – 2017” (“Tendências de Produtividade Multifatorial”), US Bureau of Labor Statistics (“Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA”) (Março de 2018): pág. 2, Chart 2.
[33] Ver Paul Auerbach, “Productivity Panics – Polemics and Realities,” (“Pânicos de Produtividade – Polêmicas e Realidades”) (não publicado – disponível a partir de contato com o autor: [email protected].
[33] “Em um certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes… De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações se tornam em grilhões sobre elas. Nesse ponto se inicia uma era de revolução social.” Karl Marx, “Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política”. Ver também o Manifesto Comunista.
[34] Morris, “Bellamy’s Looking Backward.”
[35] Wlodzimierz Brus, “The Economics and Politics of Socialism” (“A Economia e a Política do Socialismo”) (Londres: Routledge, 1973), 89-91. Aijaz Ahmed, em uma entrevista recente, fez uma afirmação semelhante: “A revolução socialista”, frisou, “não é um evento, não é nem mesmo uma série de eventos, ou etapas que podemos identificar. Em vez disso, é um processo contínuo. ” Entrevista de Aijaz Ahmed em Rahnema, The Transition, pág. 29.
[36] Friedrich Engels, “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” (pág. 153 na edição Marx/Engels Selected Works, Volume 1 – Moscow: Foreign Languages Publishing House, 1962).
[37] Leon Trotsky, “The Soviet Economy in Danger” ( “A Economia Soviética em Perigo” ), the Militant, Outubro de 1932.
[38] Ver Leo Panitch e Sam Gindin, “The Challenge of Socialism Today, Syriza, Sanders, Corbyn” (“O Desafio do Socialismo Hoje: Syriza, Sanders, Corbyn”) (London: Merlin Press, 2018), Capítulos 5 e 6.
[39] Esse sentimento vem de Daniel Bensaid, “On a Recent book by John Holloway” (“Sobre um Livro Recente de John Holloway”), Historical Materialism 13, no. 4 (2005)
Sobre os autores
passou a maior parte de sua vida profissional como diretor de pesquisa do Sindicato de Trabalhadores Automotivos do Canadá (agora Unifor) e é co-autor, com Leo Panitch, de The Making of Global Capitalism: The Political Economy of American Empire (“A Construção do Capitalismo Global: A Política Econômica do Império Americano”) e The Socialist Challenge: Syriza, Sanders e Corbyn (“O Desafio Socialista: Syriza, Sanders e Corbyn”).
[…] do West End [distrito central] simular o interesse e o conhecimento do tema.” [1] Partidos socialistas de massa estavam surgindo em toda a Europa e esses desenvolvimentos eram […]