26 de fevereiro de 2021 foi um dia de dissonância cognitiva. O presidente Joe Biden, após um mês de seu mandato, deu luz verde à primeira ação militar de seu governo. Os ataques aéreos na Síria, afirma o governo, não demandaram votação do Congresso pois se deram em razão de “autodefesa”, embora a ação tenha sido uma resposta ao ataque às forças de ocupação dos Estados Unidos no Iraque e na Síria.
Os ataques aéreos em si não devem ser uma surpresa para ninguém que seguiu a longa carreira de Biden como um falcão de política externa, embora um falcão agindo sob o disfarce do “intervencionismo liberal“. A Síria é um exemplo perfeito: usar o ultraje legítimo contra as políticas genocidas de Bashar al-Assad para, assim, justificar uma intervenção que só leva a mais sofrimento humano e mais presença geopolítica dos militares norte-americanos no mundo.
Mas a velocidade com que Biden ordenou os ataques aéreos na Síria contrasta, fortemente, com as outras grandes notícias do dia: que Biden se submeteria à orientação técnica da secretaria geral da Mesa do Senado, que interpretou ontem que um aumento do salário mínimo não deveria ser incluído no projeto de combate ao coronavírus. O governo Biden anunciou que não usaria o poder do vice-presidente Kamala Harris como presidente do Senado para desconsiderar a indicação.
Em outras palavras, quando uma política incrivelmente popular que ajudaria milhões de trabalhadores de baixa renda está em questão, ela é deixada para definhar no purgatório do processo legislativo. Quando uma ação militar agressiva está sobre a mesa, ela avança a todo vapor — e que se dane a autoridade do Congresso.
Acontece que a razão pela qual os democratas estão apostando no processo de reconciliação do orçamento em primeiro lugar — que faz com que determinada legislação seja aprovada pelo Senado por maioria simples — é que eles se recusaram a lutar pela abolição da obstrução — que permite que à minoria parlamentar simplesmente trave a discussão orçamentária. Mesmo tendo o controle da maioria na Câmara e no Senado, os democratas estão permitindo que um funcionário não eleito — a secretária geral da Mesa Diretora — decida quais partes de um projeto de lei podem ou não ser postas em votação.
Não é que a opinião pública esteja impedindo os democratas. O aumento do salário mínimo é extremamente popular, apoiado por uma maioria de republicanos e democratas. Na eleição de 2020 na Flórida, junto à eleição de presidencial, foi aprovada em plebiscito com 61% dos votos uma proposta para aumentar o salário mínimo para 15 dólares por hora até 2026, mesmo com Biden perdendo para Trump no estado.
Por tabela, acabamos caindo em uma realidade distópica: o governo Biden atropela barreiras processuais para bombardear um país, enquanto se rende ao primeiro sinal de resistência parlamentar para aumentar o salário mínimo federal, lamentavelmente baixo, que não é reajustado desde 2009.
Os trabalhadores de baixa renda continuarão a sofrer o duplo abuso de arriscar sua saúde em empregos, em geral, de contato direto com o público para receber remunerações miseráveis. Ao redor do mundo, o povo da Síria e de outros lugares continuará a temer o poder dos militares norte-americanos, enquanto o governo dos Estados Unidos poderia estar exercendo seu imenso e conhecido poder para, digamos, forçar as empresas farmacêuticas a distribuir vacinas equitativamente em todo o mundo.
Mas, ei, pelo menos estamos recebendo nossas Leis de volta.
Sobre os autores
é uma ativista e socialista em Nova York e autora de "A People's Guide to Capitalism: An Introduction to Marxist Economics". Ela tweeta em @HadasThier.