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O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador na conferência matinal diária no Palácio Nacional na Cidade do México, México, 18 de maio de 2023. (Luis Barron / Eyepix Group / Future Publishing via Getty Images)

AMLO está desnudando a hipocrisia dos EUA na guerra contra as drogas

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Tradução
Sofia Schurig

O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador e a Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) estão envolvidos numa acalorada guerra após a revelação de operações secretas no país. Ao mesmo tempo, está sendo revelada uma extensa rede de corrupção dentro da agência.

Em uma coletiva de imprensa conjunta com a Drug Enforcement Administration (DEA) em 14 de abril, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou que estava abrindo acusações contra 28 membros do alto escalão do Cartel de Sinaloa, incluindo três filhos do ex-líder do cartel, Joaquín “El Chapo” Guzmán.

“Hoje, o Departamento de Justiça está anunciando ações de execução significativas contra a maior, mais violenta e mais prolífica operação de tráfico de fentanil do mundo — dirigida pelo Cartel de Sinaloa e alimentada por empresas químicas e farmacêuticas precursoras chinesas”, anunciou o procurador-geral dos EUA Merrick Garland.

Por sua vez, a diretora da DEA, Anne Milgram, pintou um quadro sinistro de um Cartel de Sinaloa “mais implacável, mais violento, mais mortal” sob os chamados “Chapitos”, cuja operação global de fentanil se irradia do México para a Ásia e América Central, controlando todas as fases do processo de produção e realizando atos gratuitos de violência contra os inimigos, incluindo eletrocussões, afogamento e alimentando tigres vivos com eles.

Assim, ao longo de um ano e meio, a agência “proativamente” se infiltrou no cartel, “obteve acesso sem precedentes aos níveis mais altos da organização e os seguiu em todo o mundo”.

“Chega de Simulações”

Por um lado, a exposição grandiosa e feita para a Netflix de Milgram foi curiosa, pois minou publicamente a própria estratégia chefe da agência de tentar desmantelar organizações criminosas escolhendo os principais líderes.

Qual era o sentido de colocar tanta energia na captura de El Chapo se o Cartel de Sinaloa é ainda mais violento e bem relacionado sob os Chapitos? E qual é o sentido de persegui-los se seus sucessores são ainda piores? E assim por diante em um futuro infinito de violência, enormes orçamentos de segurança e lucros garantidos para os fabricantes de armas.

Mas, por outro lado, a apresentação serviu a três propósitos claros.

  • Primeiro, mudou o foco da culpa pela epidemia de fentanil para um inimigo estrangeiro fácil de identificar. Como até mesmo o conservador Cato Institute concluiu, o fentanil é contrabandeado esmagadoramente por cidadãos americanos e para cidadãos americanos.
  • Segundo lugar, implicou convenientemente a China, inimiga dos Estados Unidos, identificando-a com os excessos macabros do crime organizado e mortes horríveis.
  • Terceiro, justificou a incursão clandestina de dezoito meses da agência em território mexicano, realizada em flagrante violação da Lei de Segurança Nacional de 2020 do país, que restringe significativamente as ações de agências de inteligência estrangeiras em solo mexicano.

Não é como o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (AMLO) estivesse acreditando nisso. Em sua entrevista coletiva matinal na segunda-feira seguinte, ele criticou a operação, chamando-a de “intromissão abusiva e arrogante que não deve ser aceita de forma alguma”. Ele continuou:

“Como podemos confiar cegamente nos agentes da DEA quando está provado que muitos deles… mantêm ou mantiveram vínculos com o crime organizado? Como aconteceu com o ex-chefe da DEA no México, Nicholas Palmieri, que foi descoberto tendo relações com representantes dos cartéis de drogas e foi removido de repente, deixando todos no escuro. Ou o caso do ex-secretário de segurança pública Genaro García Luna, onde eles definiram sua esfera de ação de forma limitada, como se não tivesse vínculos com agências internacionais, com o governo dos Estados Unidos e com o governo do México… Chega de simulações.”

Dois dias depois, como se cronometrado para corroborar as observações de AMLO, a Associated Press (AP) informou que a diretora da DEA, Milgram, estava sendo investigada por um órgão fiscalizador federal por supostamente conceder contratos sem licitação no valor de milhões a pelo menos uma dúzia de amigos e ex-associados, resultando em custos que excediam em muito os pagamentos de funcionários do governo dos EUA.

Isso incluía um contrato de quase u$ 400.000 para o ex-policial e amigo de Nova Jersey, José Cordero, U$ 4,7 milhões para serviços administrativos para um empreiteiro conhecido como Clearing — incluindo cobranças de U$ 257 por hora para uma ex-associada de Milgram, Lena Hackett.

Além disso, foram U$ 1,4 milhão pagos à firma de advocacia e lobby WilmerHale por uma revisão externa amplamente criticada das desastrosas operações no exterior da agência, que encobriu uma série de escândalos de corrupção de alto perfil. Esta era a mesma empresa, intimamente ligada à família Trump e à indústria de combustíveis fósseis, da qual emanava o atual embaixador dos EUA no México, Ken Salazar.

Em 27 de abril, durante uma audiência perante o Comitê de Apropriações da Câmara, Milgram se recusou a responder a perguntas sobre a investigação de contratos sem licitação. Ela encontrou tempo de sobra, no entanto, para criticar o governo AMLO, dizendo: “queremos que os mexicanos trabalhem conosco e queremos que eles façam mais”, bem como para lançar uma ameaça velada: “Iremos onde quer que as evidências e os fatos nos levem.”

É notável a ousadia de uma funcionária que está sendo investigada e cujas operações secretas violaram a lei mexicana.

O relatório da WilmerHale não é o único a encobrir os delitos da DEA: a cobertura da imprensa nos Estados Unidos tem sido irregular e, na mídia mexicana, praticamente inexistente. Isso inclui o caso do ex-chefe mexicano Nicholas Palmieri, transferido e posteriormente autorizado a renunciar devido a seu relacionamento social amigável com o advogado de Miami David Macey, que representou réus proeminentes no mundo das drogas, como o colombiano Diego Marín. Embora Palmieri tenha deixado a agência em 2022, o caso sigiloso só foi divulgado pela AP em janeiro deste ano.

Ou o caso do agente John Costanzo, Jr, acusado de fornecer informações confidenciais ao intermediário e ex-agente Manny Recio, que por sua vez trabalhava para – sim – advogados de defesa de Miami. Ou o caso do agente Chad Scott, condenado a treze anos por “roubar dinheiro de suspeitos, falsificar registros do governo e cometer perjúrio durante um julgamento federal”. Ou o caso do agente Nathan Koen, condenado a onze anos por aceitar subornos de milhares de dólares do narcotraficante californiano Francisco González Benítez. Ou o caso do agente Fernando Gómez, condenado a quatro anos por ajudar uma quadrilha de narcotraficantes a evitar a detecção pela polícia.

O caso mais marcante é o do agente José Irizarry, condenado a 12 anos por liderar uma extensa operação de lavagem de dinheiro que envolvia, segundo ele, agentes federais, promotores, informantes e contrabandistas de cartel, todos eles fazendo parte de uma viagem por três continentes conhecida como “Time América”, que escolhia cidades para coletas de lavagem de dinheiro principalmente para fins de diversão ou para coincidir com eventos de futebol do Real Madrid ou partidas de tênis de Rafael Nadal.

Isso incluiu paradas ao longo do caminho em salas VIP de bares de strip caribenhos, no distrito da luz vermelha de Amsterdã e a bordo de um iate colombiano que partiu com muita bebida e mais de uma dúzia de prostitutas. E quem, segundo Irizarry, lhe ensinou as ferramentas do ofício? O próprio Rei do Contrabando, Diego Marín, defendido pelo amigo de Nicholas Palmieri em Miami, David Macey. Assim, o círculo se fecha.

Um remédio mais forte

A guerra às drogas, segundo Irizarry, era “um jogo muito divertido que estávamos jogando”. Mas também, e fundamentalmente, fútil. “Você não pode vencer uma guerra invencível”, acrescentou ele em uma entrevista. “A DEA sabe disso e os agentes sabem disso.”

O resultado da cobertura desequilibrada em ambos os países dessa longa série de escândalos é perpetuar a impressão de que a corrupção e o conluio relacionados às drogas só podem ser encontrados no lado mexicano da fronteira. Isso é altamente conveniente, entre outros, para uma campanha do Partido Republicano e de Trump, que já estão planejando batalhas literais contra o México se forem reeleitos.

Na semana seguinte à audiência do Comitê de Apropriações da Câmara, AMLO voltou a abordar o assunto. “É muito claro”, disse ele, “que existe uma campanha internacional contra o governo e as instituições mexicanas. É evidente que estamos agindo corretamente porque, se não fosse assim, eles não iriam nos atacar dessa maneira.” Ao mesmo tempo, ele pediu ao presidente Joe Biden que “investigue e limpe” a DEA.

As respostas da mídia e dos políticos norte-americanos ao recente escândalo da DEA mostram mais uma vez a hipocrisia, a manipulação política e a falta de responsabilidade em relação a um dos temas mais graves de nossos tempos. Mas é também um teste para os próprios mexicanos: é hora de decidir se permanecerão passivos diante de uma série de mentiras e insultos sem fim.

É hora de exigir que o governo de Biden cumpra suas promessas de mudança e transparência. É preciso insistir que os Estados Unidos investiguem e corrijam os abusos de sua própria agência.

Sobre os autores

é escritor, dramaturgo, jornalista freelance e cofundador do projeto de mídia independente “MexElects”. Atualmente, ele é co-autor de um livro sobre as eleições mexicanas de 2018.

Cierre

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Published in América do Norte, Análise, Fronteiras & Migração and Política

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