A controversa participação do Brasil durante a Conferência do Clima (COP 28), em Dubai, nos Emirados Árabes, levantou muitas questões a respeito do protagonismo do país na transição energética e na luta pela justiça ambiental. Quando chegou ao evento, Lula parecia trazer consigo a “luz no fim do túnel” ao anunciar o cumprimento de uma de suas principais promessas durante a sua campanha eleitoral: reduzir em 50% o desmatamento da Amazônia nos primeiros dez meses de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Tirando a trágica e negacionista administração bolsonarista, essa tem sido uma das principais frentes dos governos brasileiros quando se trata da criação de políticas públicas para diminuir o efeito estufa no planeta. O histórico de luta ambiental no Brasil sempre serviu de alicerce para que fosse possível cobrar de outros países uma postura mais firme com uma causa que deveria ser de todos. Se levarmos em consideração que no cenário global as emissões de carvão, petróleo e gás bateram todos os recordes em 2023, o quadro brasileiro se torna ainda mais importante.
Segundo o último relatório da Global Carbon Project, as emissões de gases com efeito estufa provenientes de combustíveis fósseis atingiram um novo patamar neste ano, com quase 41 bilhões de toneladas de dióxido de carbono liberadas na atmosfera. Outro dado alarmante está relacionado com a participação de aproximadamente 2.500 lobistas dos combustíveis fósseis durante as negociações climáticas das Nações Unidas, representando uma presença quase 4 vezes maior do que na Conferência da COP 27, realizada no ano passado em Sharm el-Sheikh, Egito.
E é justamente ao olhar para esses dados que a postura combativa do governo Lula se contradiz quando o presidente cobra dos países mais ricos a eliminação da dependência de combustíveis fósseis, mas, durante o seu discurso na alta cúpula da COP 28, confirma a união do país à OPEP Plus, grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Os mesmos que fazem vista grossa aos lobistas da indústria do fóssil para negociações em cimeiras do clima e que estão de olho, por exemplo, nas possíveis explorações de combustíveis fósseis na Margem Equatorial, mais conhecida como a região da Foz do Amazonas.
Essa decisão, além de contraditória, pode comprometer o futuro das políticas ambientais de transição energética propostas até o momento. A promessa de cumprir o acordo de Paris (que em 2015 propôs a descarbonização das economias mundiais para que a temperatura do planeta não ultrapasse os 1,5 ºC) também tem grandes chances de não se cumprir. Principalmente se pensarmos no objetivo traçado pelo próprio governo brasileiro naquele ano, quando comprometeu-se a elevar as fontes alternativas de energia para diminuir a emissão de gases de efeito estufa em até 37%, em comparação com o que foi queimado em 2005.
Estudos publicados pelo Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) confirmam que se o Brasil permitir a extração e queima de toda a quantidade de petróleo contida na Margem Equatorial, que abrange a faixa marítima entre os estados do Amapá e Rio Grande do Norte, as emissões de gases de efeito estufa no planeta anulariam todos os esforços garantidos com a redução do desmatamento da Amazônia.
Segundo cálculos da própria Petrobras, na região estariam disponíveis cerca de 10 a 30 bilhões de barris de petróleo, que, se queimados, emitiriam entre 4 a 13 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera. Números que chegam próximos do que os Estados Unidos (5,3 bilhões) e a China (12,3 bilhões) liberaram no planeta em 2020. E mesmo que a queima não aconteça em solo brasileiro, a exportação dessa quantidade de combustível fóssil para outros países não impediria a emissão de tais substâncias. Parece óbvio, mas é importante lembrar que todos nós habitamos esse mesmo planeta chamado Terra.
Contradições
O argumento de que a adesão do Brasil à OPEP Plus servirá como um “observador” forte dentro do grupo, não convenceu os ambientalistas e representantes da sociedade civil presentes na Conferência. O sentimento de frustração por parte de lideranças e estudiosos do meio ambiente pareceu inevitável.
Segundo Lula, a atuação no bloco das nações que controlam a produção e o preço dos barris de petróleo no mundo se faz necessária para discutir como esses representantes vão investir parte do seu dinheiro na ajuda aos países mais pobres do continente africano, latino-americano e asiático. O presidente também afirmou durante a sua participação na COP 28 que o propósito do governo brasileiro na OPEP Plus será o de pressionar essas lideranças para que elas financiem o desenvolvimento e a produção de etanol, biodiesel, energia eólica, energia solar e hidrogênio verde. Porém, não explicou exatamente como essa estratégia poderá se efetivar diante da correlação de forças e da alta dependência econômica dos países membros da OPEP ao petróleo.
É ousado se colocar como a grande liderança climática e, ao mesmo tempo, participar de um grupo que visa e depende do aumento da extração de combustíveis fósseis para sustentar suas economias.
Torna-se fundamental cobrar dos países ricos uma postura de comprometimento com políticas ambientais, mas também é necessário pensarmos em nossa atual política interna que libera milhões de créditos a juros baixos ao agronegócio, um dos setores responsáveis por parte significativa da degradação ambiental no Brasil, mais precisamente no Pantanal e na Amazônia. Também há incoerência em manter ou conceder a administração e a exploração de territórios florestais e empresas estatais de energia à iniciativa privada e estimular a indústria automobilística através do corte de impostos para a compra de carros populares em um momento onde o investimento em mobilidade urbana e transporte público se faz urgente.
Sem contar no escândalo que é a privatização de presídios no Brasil, pauta que sequer foi discutida durante o governo do golpista ou pela administração genocida de Jair Bolsonaro. Uma medida que vai na contramão de tudo que o presidente brasileiro propôs durante as suas visitas aos países que um dia foram colonizadores da nossa gente.
A conta que não fecha
“Eu confesso a vocês que saio da Alemanha muito mais orgulhoso. Eu já fui presidente por 8 anos e acho que foi a melhor reunião que o Brasil já fez com o governo alemão. Nós não vamos jogar fora as oportunidades do século 21 que nós jogamos fora no século 20.” Foi com essa afirmação que o presidente Lula encerrou sua visita a Berlim na última terça-feira, 5 de dezembro, a convite do Chanceler Olaf Scholz. Depois de deixar a COP 28, o presidente brasileiro cumpriu três dias de agenda na capital alemã após oito anos sem que os dois países se reunissem oficialmente a fim de debaterem apropriadamente questões políticas e econômicas.
Entre os 19 acordos assinados, estão declarações, memorandos e contratos entre as áreas de meio ambiente, mudança climática, agricultura e tecnologia. Considerada como a terceira maior economia do mundo, a Alemanha mantém fortes laços comerciais e de investimento com o Brasil, especialmente no setor industrial. Hoje, são mais de mil empresas alemãs operando em solo brasileiro.
“O rompimento da mina da Braskem no bairro do Mutange, na capital Maceió, pode impactar a lagoa Mundaú, principal fonte de renda para pescadores da região.”
Contudo, quando pensamos em empresas estrangeiras atuando não só em território nacional, mas também na América Latina, os resultados não são tão positivos quando o assunto é a luta contra a degradação do meio ambiente. Entre os exemplos mais recentes, está o caso da Braskem, um conglomerado petroquímico global com unidades industriais localizadas no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha e no México. Considerada uma das maiores produtoras de resinas termoplásticas e líder na produção de biopolímeros, a empresa está protagonizando uma das maiores tragédias ambientais da história do Estado de Alagoas e, possivelmente, de todo o Brasil.
O rompimento da mina da Braskem no bairro do Mutange, na capital Maceió, pode impactar a lagoa Mundaú, principal fonte de renda para pescadores da região. A velocidade da movimentação da terra está oscilando constantemente e o possível colapso pode abrir uma cratera no local. Até o fechamento deste artigo, o solo já tinha afundado 2,35 metros. A mina que está em risco é uma das 35 que a empresa mantém sob a lagoa para a extração de sal-gema, minério utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. A ruptura, além de provocar a salinização da região, pode ainda contaminar a água do município, já que o esgoto que é despejado na lagoa contém um índice elevado de agrotóxicos e substâncias cancerígenas. A Braskem já foi multada pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) em mais de 72 milhões por conta do afundamento do solo durante suas atividades de mineração.
Tudo isso para chegarmos em outro ponto de contradição do governo Lula, que vai até a Alemanha firmar contratos com empresas europeias que se dizem comprometidas em utilizarem bioenergias sustentáveis através do investimento e desenvolvimento de tecnologias limpas nas indústrias, só que, na prática, não cumprem com os seus acordos e colocam o lucro à frente das questões ambientais, comprometendo assim a vida humana.
O histórico de financiamento de bancos alemães em mineradoras e empresas que contribuem com a deterioração do território brasileiro, além dos inúmeros acidentes ambientais envolvendo indústrias com investimento europeu, deveriam servir como alerta para um governo que se propõe a deixar um legado positivo na luta pela mitigação das alterações climáticas através do desenvolvimento tecnológico para a produção de energia limpa e pela proteção dos povos das florestas nativas do Brasil, como afirma a própria Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Participar de conferências globais e cobrar uma postura anti-armamentista de potências mundiais, enquanto não ficamos em alerta com as medidas neoliberais impostas através de escolhas políticas que esse mesmo governo tem corroborado no momento, é negar alguns fatos importantes na busca por alternativas econômicas sustentáveis.
É necessário criticar os países ricos que investem em guerra ao invés de lutarem pelas questões ambientais e pela erradicação da fome e desigualdade social no mundo, mas também é imprescindível colocar o discurso em ação, olhando para o desenvolvimento do Brasil sem abrir mão do debate a respeito de um crise climática que é real e que está acontecendo agora. A classe trabalhadora precisa estar incluída nessas discussões. Afinal, a prática também deveria ser um dos critérios dessa verdade.
Sobre os autores
Stefani Costa
é jornalista e imigrante brasileira em Portugal. É fundadora da Hedflow, escreve no Portal Sapo e correspondente internacional na revista O Sabiá.