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O interior do Cadillac da General Motors durante um evento em Nova York em 27 de março de 2018. (Michael Noble Jr / Bloomberg via Getty Images)

Seu carro está te espionando

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Tradução
Sofia Schurig

A "Internet das coisas" está repleta de bisbilhoteiros e espiões automatizados. A coleta de dados, agora integrada as novas tecnologias dos carros, é mais invasiva do que nunca e está inaugurando um novo mundo de vigilância e conluio corporativo.

Apenas no caso de você pensar que a rede de vigilância capitalista imposta a nós por corporações pilantras e governos cúmplices não era distópica o suficiente, seu carro pode estar agora espionando você — e vendendo os dados que coleta para seguradoras via LexisNexis, uma empresa dos Estados Unidos de análise de dados.

Em março, o New York Times e outros veículos de imprensa reportaram que certos veículos da General Motors (GM) estavam coletando dados dos motoristas — em alguns casos, sem o conhecimento do proprietário — que as seguradoras poderiam, e realmente usaram, para ajustar (ou seja, aumentar) os prêmios.

O programa Smart Driver [Motorista Inteligente] da GM não é o único do tipo. Outros fabricantes de automóveis têm serviços similares, que podem parecer inofensivos (Wi-Fi no carro, incrível!), mas são de fato insidiosos, já que você acaba “consentindo” em ser espionado para o lucro do fabricante de automóveis.

O Widget de Espionagem do Aprendiz de Feiticeiro

Em 2023, a Fundação Mozilla divulgou uma pesquisa na qual afirmavam que os carros eram um “pesadelo de privacidade sobre rodas” e “a pior categoria oficial de produtos para privacidade”. Escrevendo no The Conversation, a professora de direito Katharine Kemp detalhou os extensos mecanismos de coleta de dados em veículos, incluindo “câmeras, microfones, sensores e telefones e aplicativos conectados”. Ela destacou a natureza em tempo real da coleta de dados e sua potencial integração com outras fontes, como outros produtos conectados à internet.

Kemp ofereceu uma lista extensa de como seu carro espiona você e o que ele coleta. Isso inclui “velocidade, direção, uso dos freios e acelerador, uso do cinto de segurança, configurações de entretenimento, contatos telefônicos, destinos de navegação, dados de voz, sua localização e arredores, e até imagens suas e de sua família fora do carro”. Ela também apontou que “Entre 2019 e 2022, funcionários da Tesla circularam internamente imagens íntimas coletadas nos carros particulares das pessoas para seu próprio divertimento, segundo relatos”.

A coleta corporativa de dados do consumidor não é nova, nem é a prática de ajustar prêmios de seguro com base no comportamento do motorista. Mas estender e ampliar a prática com o poder dos big data e escondê-la – intencionalmente ou não – por trás do que as empresas certamente sabem ser uma tendência humana de não mergulhar em termos de serviço arcanos é um passo audacioso rumo a um cenário de vigilância de ficção científica. Está em sintonia com todos os outros desenvolvimentos tecnológicos sobre os quais não há supervisão pública. E é mais um sinal de que estamos entrando em um tipo mais perigoso de distopia capitalista do qual não podemos escapar sem pressão coletiva e ação estatal.

Admiráveis novos pan-ópticos

Estamos cada vez mais cercados por produtos que nos tratam como inúmeros pontos de dados a serem coletados em nome do lucro, enquanto somos vigiados em público e em particular. Carros nos espionando são apenas o último de uma longa lista de produtos que servem a seus criadores corporativos em vez de seus consumidores.

No ano passado, a Amazon resolveu casos relacionados a abusos de sua campainha Ring e Alexa, incluindo violações dos direitos de privacidade de crianças ao manter gravações e permitir acesso aberto aos funcionários às imagens da campainha, o que levou à espionagem de clientes. Até este ano, a Ring também permitia que a polícia acessasse as imagens das campainhas dos consumidores, incluindo casos em que os proprietários não deram permissão.

Além das empresas espionarem ou compartilharem seus dados com o estado, também há risco de vazamento de dados. No outono de 2023, um vazamento da 23andMe — uma empresa de análise genética — expôs as informações genéticas de catorze milhões de pessoas. “O suposto hacker postou em um fórum online… oferecendo-se para vender os nomes, localizações e etnias de possivelmente milhões de usuários da 23andMe, mencionando especificamente pessoas judias”. A lista de grandes violações de dados corporativos é longa e inclui Adobe, Air Canada, Apple, Blizzard, CVS, Equifax, Facebook, Google, LexisNexis, Microsoft, Sony, TikTok, Twitch, Twitter e Yahoo.

A inclinação do capitalismo para o monopólio converge com a coleta de dados para formar uma realidade particularmente sombria. No sistema econômico de “escolha”, diversos mercados nos Estados Unidos e Canadá são dominados por um punhado de empresas, a maioria delas verdadeiros aspiradores de dados.

Supermercados, companhias aéreas, empresas de telecomunicações, bancos, fabricantes de automóveis e gigantes da tecnologia sufocam os concorrentes e deixam os consumidores e usuários com escolhas limitadas, forçando-os a aceitar preços altos, serviços ruins e práticas de coleta de dados totalmente irracionais. Na medida em que esses gigantes corporativos conspiram – ou “coordenam” – para estabelecer padrões, as pessoas ficam sem para onde recorrer.

Um pau nos olhos do Big Brother

Apesar da onipresença da coleta de dados e seu abuso em nome de enriquecer os ricos, a notícia de que seu carro pode estar espionando você para enriquecer ainda mais fabricantes de automóveis e seguradoras ainda deve nos chocar. Não devemos nos tornar insensíveis a essa realidade, nem devemos aceitá-la. Os fabricantes de automóveis estão contando com as pessoas não perceberem quais dados são coletados dos motoristas e como esses dados são usados. Esse é o manual em todas as indústrias.

Está bem estabelecido que as empresas coletam muitos dados e rotineiramente falham em mantê-los seguros. Também está bem estabelecido que os consumidores ou usuários rapidamente cedem seus dados, aceitam os termos de serviço, clicam em uma caixa e seguem em frente com seu dia. Mas o problema não está nos indivíduos, está nas empresas. Em um mercado em que a escolha de optar por não participar raramente é uma escolha de verdade, especialmente em uma situação de monopólio ou oligopólio, o que as pessoas devem fazer?

Primeiro, precisamos aceitar que, em última análise, precisamos que os governos estabeleçam padrões e punições melhores. Além disso, precisamos exigir, como regra, que as empresas coletem menos dados, sejam limitadas ou proibidas de compartilhá-los, e devam declarar expressamente e em termos simples o que está sendo coletado e como está sendo usado. Abusos na coleta de dados devem levar empresas à falência e devem acarretar pesadas responsabilidades para executivos e proprietários, incluindo penalidades criminais potenciais em casos extremos de negligência ou fraude.

Viver em uma distopia de vigilância capitalista não é inevitável. É nossa realidade atual, mas temos agência. Podemos exigir uma mudança, lutar por ela e desmantelar a rede por meio de ação estatal. Não precisamos ceder cada centímetro e momento de nossas vidas a empresas que transformam nossos dados em uma mercadoria e os usam para nos controlar e explorar. Podemos retomar nossas vidas e nossa privacidade, mesmo enquanto esses voyeuristas horripilantes nos observam fazer isso.

Sobre os autores

David Moscrop

é escritor e comentarista político. Ele apresenta o podcast Open to Debate e é o autor do livro Too Dumb For Democracy?

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Published in América do Norte, Análise, Capital, Ciência and Tecnologia

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