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A cumplicidade brasileira com o genocídio dos palestinos tem de acabar

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Governo Lula precisa transformar palavras em ações mais efetivas em relação a Israel, país cuja atuação no massacre de Gaza, que segue em curso, viola completamente a ordem internacional e já matou milhares de civis inocentes.

Brasileiros de todo o país se levantaram recentemente para reivindicar que o Estado brasileiro corte relações militares com Israel, país responsável por executar um genocídio contra os palestinos em Gaza desde outubro de 2023. As atividades fizeram parte da Semana pelo Embargo Militar, campanha liderada por movimentos como BDS Brasil, MST, Frente Palestina e Vozes Judaicas por Libertação, além de partidos como Psol e PCdoB.

Em São Paulo, os manifestantes se reuniram em frente ao Comando Militar do Sudeste do II Exército, no último dia três de julho, para protestar contra a insistência das Forças Armadas em manter acordos e contratos com empresas israelenses. Atualmente, os militares são o maior obstáculo para a interrupção das relações de segurança entre Brasil e Israel. Diante das críticas que o presidente Lula tem feito ao genocídio israelenses, militares fizeram questão de informar a sua insatisfação a repórteres da grande mídia. Poucos dias depois, as Forças Armadas anunciaram que a companhia israelese Elbit Systems, uma das maiores do mundo, e que possui diversos contratos com o Brasil, ganhou um edital para fornecer obuseiros no valor de aproximadamente 1 bilhão de reais. Diante de pressão de parlamentares e da sociedade civil, o governo federal suspendeu a compra.

Contudo, a tímida ação de Lula para conter o genocídio contrasta com as suas críticas contundentes em relação as ações militares de Israel em Gaza.

Brasil cúmplice do genocídio?

A Palestinian grassroots Anti-Apartheid Wall Campaing, uma organização palestina sediada em Ramallah, na Cisjordânia, lançou nesta semana o relatório Brasil: Com ou contra o genocidio?. Nele, os militantes palestinos demonstram a contradição do governo Lula em relação ao genocídio israelense em curso em Gaza. Se por um lado, Lula tem demonstrado posicionamentos firmes contra o governo Benjamin Netanyahu e apoiou a ação da África do Sul contra Israel por crime de genocídio na Corte Internacional de Justiça (CIJ), o presidente tem contido ações práticas mais vigorosas.

Como demonstra o documento, o Brasil não respeita o direito internacional ao assumir essa posição. Isso porque a CIJ determina que os países-membros da corte, do qual o Brasil faz parte, devem fazer tudo ao seu alcance para conter o genocídio. E o Brasil está fazendo praticamente nada diante das capacidades que possui. Não é uma questão de escolha, mas de obrigação.

Isso mancha a imagem de um país que historicamente busca fazer do seu posicionamento moral de respeito ao direito internacional uma de suas principais formas de soft power. Embora o Brasil não seja um fornecedor das bombas que caem sobre as cabeças dos palestinos em Gaza, é importante parceiro militar e econômico de Israel.

Lula fez Brasil importador de armas israelense

Desde os anos 2000, o Brasil se tornou um importante importador de armas israelenses. Naquele momento, o Brasil de Lula almejava ascender globalmente como uma potência diferente. Por um lado, precisava fortalecer as suas capacidades militares para liderar a Missão de Paz no Haiti, apaziguar a relação com as Forças Armadas e receber megaeventos internacionais. 

Por outro lado, almejava tornar a aproximação econômica com Israel uma forma de construir confiança política para participar das questões de segurança do Oriente Médio. O resultado foi a assinatura de um Acordo de Livre Comércio Mercosul-Israel, que facilitou a importação de todo tipo de produtos israelenses, inclusive mercadorias produzidas em assentamentos localizados em territórios palestinos. Outra violação do direito internacional.

Embora o Brasil nunca tenha conseguido um assento em qualquer negociação da Questão Palestina, abriu as portas do mercado de segurança nacional para empresas israelenses. Consequentemente, as relações entre os países tem sido mantidas, principalmente, por mercadores de armas israelenses e militares e policias brasileiros.

Desde então, já foram bilhões de reais gastos em drones, veículos e metralhadoras israelenses usadas na repressão de populações negras e periféricas brasileiras. Isto é, foi traçada uma relação direta entre a repressão e o genocídio de palestinos e brasileiros. 

Lula, portanto, foi central para construir essa aliança militar entre os países. Relatos de bastidores dão conta que os militares brasileiros possuem relações muito boas com os empresários israelenses. Essa proximidade explica parcialmente o protagonismo que Israel teve durante o governo do capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro.

Bolsonaro

Como ficou evidente acima, o governo Bolsonaro não construiu do zero a relação com Israel. Mas o ex-militar foi responsável por aprofundar a relação entre os países. Em sua primeira viagem ao exterior, em abril de 2019, Bolsonaro firmou diversos acordos de cooperação militar com Israel. Estes acordos facilitam a importação de técnicas e práticas israelenses para ser empregadas na segurança pública brasileira.

Um novo elemento na balança comercial entre os países foi introduzido após a Guerra da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022. O conflito afastou Israel da Rússia apesar da boa relação entre Netanyahu e Vladimir Putin.

Os israelenses deixaram de importar petróleo russo e passaram a comprar óleo bruto brasileiro. Segundo pesquisa da Oil Change International, o Brasil é atualmente o terceiro maior fornecedor de petróleo para as refinarias israelenses que abastacem os tanques, aviões e veículos militares envolvidos no genocídio em Gaza.

Sindicalistas brasileiros têm feito mobilizações para impedir a exportação de petróleo e outros produtos brasileiros para Israel. Em diversos locais do mundo, manifestações desse tipo tem sido bem sucedidas em isolar economicamente Israel. A decisão da Turquia de proibir a exportação de petróleo para Israel tornou ainda mais fundamental o óleo brasileiro. Pelo portos turcos passam o petróleo oriundo do Azerbaijão, de onde Israel importa 40% do seu óleo bruto.

Conclusão

As informações que chegaram do Palácio do Planalto dizem que Lula não estaria disposto a cortar as relações diplomáticas com Israel. A grande presença de brasileiros no país seria a principal razão.

Mas isso não deveria servir de impedimento para mudar o conteúdo dessa relação. O Brasil não deveria ser cúmplice da violação de direitos humanos palestinos ao importar armas e exportar petróleo para Israel durante o genocídio.

Os embargos econômicos trariam uma reação contundente de Israel, que tem falado grosso com o governo brasileiro. Quando Lula comparou o genocídio em Gaza com os crimes nazistas contra judeus na IIGM, Israel declarou Lula persona non grata e convocou o embaixador brasileiro em Tel Aviv.

O resultado foi o retorno do diplomata brasileiro e uma chuva de críticas na mídia. Os embargos trariam uma nova onda de críticas num momento que o governo está emparedado pelos meios de comunicação e o Congresso.

Contudo, a decisão de cortar relações militares e energéticas com Israel significaria um fortalecimento da posição brasileira entre nações do Sul Global e os brasileiros que tem defendido posições mais contudentes para conter o genocídio dos palestinos em Gaza. E permitiria Lula a agir de forma coerente em relações aos seus discursos e também conforme o direito internacional sem interromper completamente o diálogo com o Estado e a sociedade israelenses.

Nentanyahu tem ficado contra a negociação de um cessar-fogo em Gaza e para a resolução da Questão Palestina. A parcela da sociedade israelense que está contra o genocídio tem se mostrado incapaz de mudar a situação de dentro. Nos Estados Unidos, o governo Joe Biden não está disposto a aumentar a pressão sobre Israel.

Uma posição contudente do Brasil seria uma sinalização desde uma liderança do Sul Global que seria capaz de viabilizar o diálogo na região, se não pela mediação, mas pela pressão. E sinalizaria aos palestinos que o Brasil é um aliado fundamental na sua luta por libertação e dignidade.

Sobre os autores

Bruno Huberman

é professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP. Doutor e mestre em Relações Internacionais pelo programa Santiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP). Integrante do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) e do Instituto Nacional para Estudos dos Estados Unidos (INCT/INEU)

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Published in América do Sul, Análise, DESTAQUE, Guerra e imperialismo, História, Militarismo and Oriente Médio

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