Logo após os assassinatos em Christchurch, um militante do Partido Conservador, que havia postado fotos de si mesmo em campanha pelo partido, escreveu uma “piada” em um grupo de apoiadores do político Jacob Rees-Mogg. O trocadilho que ele usou, intraduzível para o português, aproveita o duplo sentido da expressão “I was going through a few magazines” que significa tanto “Estava folheando algumas revistas” e “Estava acabando com alguns cartuchos de balas”, para completar que o fazia “na mesquita local. Eu estava realmente me divertindo. Então o rifle emperrou”. Ele recebeu várias curtidas dos membros do grupo. Quando um repórter do Buzzfeed do Reino Unido apresentou evidências disso ao Partido Conservador, ele e outros 25 membros foram investigados – embora o partido tenha se recusado a divulgar quantos foram suspensos.
Há anos os conservadores têm negado que possuam um problema com a islamofobia, ou mesmo qualquer problema com o racismo como um todo. Os exemplos mais notáveis de racismo são tratados ocasionalmente quando expostos na mídia, mas são tratados como maçãs podres, pontuais e únicas, e que não representariam de alguma forma um problema estrutural de racismo.
Depois de passar dois anos fazendo campanha para que os conservadores reconheçam e combatam seu problema de islamofobia – tanto a maneira como os muçulmanos são tratados nele, quanto como outros membros falam e agem em relação aos muçulmanos – uma grande figura conservadora, a baronessa Sayeeda Warsi, finalmente pediu uma investigação formal em julho de 2018. Mesmo enquanto ela segue destacando o discurso de ódio de membros do partido no Twitter e criticando o silêncio das lideranças do partido na mídia, até recentemente ela tem sido ignorada. Brandon Lewis, líder do Partido Conservador, disse: “Eu contesto que [a islamofobia] seja um problema realmente existente” dentro do partido, e outros conservadores alegaram nunca ter testemunhado nenhum caso de racismo ou ter ouvido quaisquer preocupações sobre a islamofobia no partido.
Em março, Warsi disse a uma estação de rádio britânica que “a islamofobia dentro do Partido Conservador é, na melhor das hipóteses, uma indiferença com relação às preocupações dos muçulmanos britânicos e, na pior das hipóteses, uma estratégia política deliberada… mas não há dúvida de que o problema é institucional.” Apesar dela ter passado anos dedicando uma parte considerável de seu tempo chamando atenção para a islamofobia, o partido tem fingido que nem ela nem o problema existem.
O Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha foi inequívoco em sua condenação: “O Partido Conservador foi pego tentando encobrir quem ele decide suspender e os motivos para isso. Este é o mais recente de uma longa linha de incidentes que levaram a um colapso total da confiança no tratamento pessoal da crise por Brandon Lewis. Por um lado, recordamos sua afirmação de que o partido lida com as queixas rapidamente, embora os ativistas conservadores tenham dito que não é esse o caso; Por outro lado, lembramos as observações enganosas de Lewis, sugerindo que não há problema, apesar das evidências mostrarem o contrário. É preciso haver uma investigação independente para esclarecer essa questão. Qualquer ação menor do que isso não será boa o suficiente”.
Qualquer pessoa que aponte a disparidade entre o tratamento midiático da crise sobre antissemitismo no Partido Trabalhista e as questões de islamofobia dentro do Partido Conservador tem sido, em geral, ignorada ou acusada de que estariam desconversando. Em maio de 2018, na BBC, perguntei ao vice-presidente do partido Conservador se ele apoiaria uma investigação sobre a islamofobia conservadora. Ele insistiu que sim, mas nada aconteceu. No mesmo programa – um programa no horário nobre de uma grande emissora nacional – a colunista do Times Melanie Philips argumentou comigo que a islamofobia seria frequentemente justificada, enquanto o antissemitismo nunca o seria. Houve pouco ou nenhum protesto por os comentários dela.
A Grã-Bretanha é um país racista e o preconceito existe em todas as partes. Os trabalhistas têm tentado lidar com o antissemitismo em suas fileiras, nem sempre sendo muito competentes ou obtendo sucesso. Já os conservadores têm ignorado o problema. Afirmar que nenhum partido político deve abrigar racistas de qualquer tipo não é uma forma de desconversar sobre o problema. No entanto, os conservadores têm sido capazes de ignorar suas próprias questões e problemas internos, porque a islamofobia é mais amplamente aceita entre o público e na mídia.
Um narrativa comum dentro da mídia britânica insiste que o racismo seria uma característica da classe trabalhadora e que, portanto, deveria haver uma certa condescendência nas política de Westminster. Porém, uma pesquisa realizada esse ano pela organização não-governamental Protection Approaches descobriu que a prevalência de opiniões racistas era muito maior nos grupos mais ricos do que nos mais pobres. Por essência, os eleitores-alvo dos conservadores estão felizes em abrigar pensamentos extremistas sobre imigração, muçulmanos e qualquer pessoa diferente deles.
Isso naturalmente se aplica ao pessoal da mídia, o que, por sua vez, afeta o grau de responsabilidade e cobranças que se aplica aos partidos políticos. Com razão, o antissemitismo é condenado pelo público e pela mídia. Porém, aparentemente, a islamofobia recebe um passe-livre pela classe média, com uma piscadela e uma cutucada. Ele é tratado não como aquilo que é – racismo simples e direto, enraizado na medula de muitos eleitores e ativistas conservadores – mas como uma reação natural à imigração. Os muçulmanos permanecem como “os outros”, e, portanto, um jogo fácil para o racismo velado, ou em muitos casos, para o racismo nú e crú.
Até o momento, o Partido Conservador conseguiu ignorar o clamor de alguns membros sêniores, mas lentamente a mídia está despertando para o fato de que o racismo é endêmico no partido. O que envergonha é saber que eles nunca terão o mesmo nível de escrutínio que os trabalhistas, simplesmente porque muitos na mídia e no público em geral se sentem perfeitamente à vontade com a islamofobia.
Sobre os autores
é escritora da equipe jacobina, colunista do The Guardian e autora do livro "Lean Out".