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(Foto cortesia da Firat News Agency)

Abdullah Öcalan: minha solução para a Turquia, Síria e os Curdos

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Tradução
Giuliana Almada

Há mais de duas décadas que o líder curdo, fundador do PKK, está detido na prisão turca na ilha de İmralı. Neste artigo, Öcalan clama por um “projeto de nação democrática feminista” capaz de unir cidadãos de diferentes origens étnicas e tradições culturais.

A modernidade capitalista é a crise civilizacional mais mortífera e infindável da história. A destruição geral dos últimos duzentos anos têm desestabilizado milhares de vínculos evolutivos no ambiente natural. É provável que ainda não estejamos plenamente conscientes da devastação que isto tem causado à flora e à fauna. Contudo, esses reinos, assim como a atmosfera, estão claramente emitindo sinais constantes de socorro.

Por quanto tempo a humanidade pode continuar suportando esta modernidade que inflige uma extensa devastação ambiental e que causa a desintegração da sociedade? Como a humanidade aliviará a dor e a agonia da guerra, do desemprego, da fome e da pobreza?

A alegação de que o Estado-nação protege a sociedade é uma vasta ilusão. Pelo contrário, a sociedade tem sido cada vez mais militarizada pelo Estado-nação e totalmente submersa em uma espécie de guerra. Eu chamo esta guerra de “sociedadecídio”, imposto de duas maneiras.

A primeira: o poder e o aparelho estatal controlam, oprimem e fiscalizam a sociedade.

A segunda: a tecnologia da informação (os monopólios midiáticos) dos últimos cinquenta anos substituiu a sociedade real por uma sociedade virtual. Como a sociedade pode ser defendida contra os golpes dogmáticos do nacionalismo, do religiosismo, do sexismo, do cientismo, das artes e da indústria do entretenimento (incluindo esportes, novelas, etc.) aplicados pela mídia 24 horas por dia, 7 dias por semana?

Tornou-se muito claro que o estatismo nacional no Oriente Médio é, de fato, uma das ferramentas de dominação da modernidade capitalista. O Tratado de Versalhes esteva para a Europa, assim como o Acordo Sykes-Picot, elaborado entre britânicos e franceses em 1916, está hoje para o Oriente Médio: “A paz para acabar com a paz”.

Os Estados-nação atuais denotam o mesmo significado na região que os governadores do Império Romano, mas são ainda mais colaboracionistas com a modernidade capitalista — e estão ainda mais afastados das tradições culturais regionais. Eles estão em guerra contra seus próprios povos internamente, e uns contra os outros externamente. A dissolução das sociedades tradicionais significa guerra contra os povos — e mapas traçados com uma régua são um convite para guerras entre Estados. E nenhuma das duas é adequada para superar esta crise profunda; aliás, sua existência só faz aprofundá-la.

A meu ver, uma terceira guerra mundial está acontecendo, e o Oriente Médio é seu centro de gravidade. Em termos de alcance e duração, esta guerra é mais profunda e mais longa do que as duas primeiras guerras mundiais. O resultado é a decadência e a desintegração. E ela só poderá terminar com a formação de um novo equilíbrio regional ou global. Eu diria que o destino da terceira guerra mundial da modernidade capitalista será determinado pelos desenvolvimentos no Curdistão. Isto se evidencia no que está acontecendo no Iraque e na Síria.

A existência de Estados-nação é uma anomalia na história do Oriente Médio — e insistir nessa existência leva a desastres. O Estado-nação turco acredita que se eternizará com um genocídio final dos curdos — finalmente tornando-se um Estado-nação integrado com seu próprio país e nação. Claramente, a menos que a Turquia abandone este paradigma, ela será uma mera coveira para os povos e culturas sociais da região — incluindo o próprio povo turco. Do mesmo modo, o futuro do Irã continua incerto tanto para o próprio Estado-nação, quanto para a região.

Mas a situação dos curdos — retalhados pelo estatismo nacional no Oriente Médio, impondo diferentes formas de aniquilação e assimilação em cada um dos seus pedaços — é uma catástrofe completa. Os curdos estão, por assim dizer, condenados a uma agonia mortal e de longo prazo.

A luta curda

Contudo, as condições já amadureceram — e os curdos, por meio da sua luta, podem sair do movimento rumo ao genocídio. Isto só é possível através do projeto de uma nação democrática — uma nação baseada em cidadãos livres e iguais, existindo juntos em solidariedade, englobando todas as realidades culturais e religiosas. Este é, portanto, um projeto concebido para ser forjado em conjunto com os outros povos da região. A metodologia para alcançar esse objetivo está presentemente sendo desenvolvida, passo a passo.

Rojava e toda a Síria do Norte e Leste — dirigida por uma administração autônoma, multiétnica e multirreligiosa, baseada na liberdade das mulheres — está ascendendo como um bastião de esperança. Trata-se de uma solução modelo tanto para os povos quanto para os Estados-nação do Oriente Médio. O modelo não propõe a negação dos Estados-nação, mas propõe que eles estejam vinculados a uma solução democrática e constitucional, o que garantirá a existência e a autonomia tanto da “nação estatal” — a nação construída pelo Estado — quanto da nação democrática.

A herança das entidades étnicas, religiosas e denominacionais e suas culturas só podem ser mantidas juntas na região através desta mentalidade de nação democrática — uma mentalidade que fomenta a paz, a igualdade, a liberdade e a democracia. Cada cultura, por um lado, se autoconstrói como um grupo nacional democrático. E assim, elas podem viver em um nível superior de união nacional democrática com outras culturas com as quais já convivem.

A solução da nação democrática proposta pelos curdos permitiu afastar o Estado Islâmico — o resultado do monoteísmo religioso — em nome de toda a humanidade. Este é sem dúvida o resultado do nosso paradigma baseado na liberdade da mulher, que se tornou um modelo em todo o mundo.

Lutando pelo futuro

Os desenvolvimentos no Norte e Leste da Síria alcançaram um ponto decisivo. O reconhecimento da administração do Norte e Leste da Síria e da democracia local que ela representa para os povos árabes, curdos, armênios, assírios e outros será muito importante tanto para a Síria quanto para o Oriente Médio em geral. Nosso apelo para que as pessoas retornem da Europa, da Turquia e de outros lugares será possível quando uma Constituição Democrática da Síria for declarada.

Nossa visão sobre o conflito curdo-turco que se prolonga há quase um século é clara. Temos desenvolvido uma solução democrática para a questão curda desde 1993. Nossa posição — como vimos nas negociações de 2013 com o Estado-nação turco, realizadas em İmralı — expressa na Declaração de Newroz, quando entramos no processo de diálogo, é hoje mais importante do que nunca. Reforçamos tal posição na declaração de sete pontos que apresentamos em 2019. Insistimos na necessidade de reconciliação social e de uma negociação democrática, para substituir a cultura da polarização e do conflito.

Hoje em dia, os problemas podem ser resolvidos sem a necessidade de usar ferramentas físicas de violência, mas com soft power [poder de influência]. Sob condições favoráveis, eu poderia preparar os movimentos para a eliminação do conflito dentro de uma semana. Quanto ao Estado turco, ele se encontra em uma encruzilhada. Ele pode continuar em seu caminho de dissolução como outros Estados-nação da região, ou estabelecer uma paz digna e uma solução democrática significativa.

Em última análise, tudo será determinado pela luta entre as partes. O sucesso da luta travada pelos curdos por meio da política de paz e da política democrática determinará o resultado final. E a liberdade prevalecerá.


Abdullah Öcalan é fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um dos mais importantes representantes políticos curdos e um dos seus principais estrategistas. Desde seu sequestro do Quênia em 1999 e subsequente julgamento e pena de morte — reduzida a prisão perpétua sem condicional — ele tem sido mantido em total isolamento na ilha İmralı, onde foi o único prisioneiro durante quase onze anos.

Öcalan escreve extensivamente sobre história, filosofia e política, e é considerado uma figura chave para uma solução política da questão curda. Como o autor tem sido mantido totalmente incomunicável e sem poder consultar seus advogados ou receber visitas regulares há muitos anos, este artigo de opinião foi editado a partir de seus escritos e declarações recentes na prisão. Seus trabalhos recentes incluem The Sociology of Freedom (2020) e The Political Thought of Abdullah Öcalan (2017).

Sobre os autores

é fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

Cierre

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Published in Análise, Antifascismo, Fronteiras & Migração, Oriente Médio and Política

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