UMA ENTREVISTA DE
Sarah LazareA pressão do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu para anexar à força até 30% da Cisjordânia ocupada está expondo a violência inerente à imposição de um Estado étnico judeu sobre uma população palestina indígena. Embora o plano esteja atrasado por enquanto, a organização de direitos humanos B’Tselem relata que, em preparação para a anexação, Israel já aumentou as demolições de casas palestinas na Cisjordânia em junho, destruindo trinta naquele mês, um número que não inclui as demolições em Jerusalém Oriental.
O roubo e a destruição de casas palestinas, no entanto, é apenas uma peça de um projeto colonial muito maior – e mais antigo. Como escreve a palestina Sandra Tamari, “os palestinos foram forçados a suportar as políticas de expulsão e apropriação de terras de Israel por mais de 70 anos”. Hoje, essa realidade evoluiu para um sistema de apartheid aberto: os palestinos em Israel são cidadãos de segunda classe, com Israel agora codificando oficialmente que a autodeterminação é apenas para judeus. Os palestinos na Cisjordânia e em Gaza estão sujeitos à ocupação militar, cerco, bloqueio e lei marcial – um sistema de dominação violenta possibilitado pelo apoio político e financeiro dos EUA.
Os anti-sionistas argumentam que essa realidade brutal não é apenas produto de um governo de direita ou do fracasso em obter uma solução de dois Estados. Em vez disso, ela se origina do próprio projeto sionista moderno, estabelecido em um contexto colonial e fundamentalmente dependente da limpeza étnica e da dominação violenta do povo palestino. Judeus ao redor do mundo estão entre aqueles que se autodenominam anti-sionistas, e que se opõem veementemente à alegação de que o Estado de Israel representa a vontade – ou interesses – do povo judeu.
Sarah Lazare conversou com Benjamin Balthaser, professor associado de literatura multiétnica da Universidade de Indiana em South Bend. Seu artigo recente, “Quando o antissionismo era judeu: subjetividade racial judaica e a esquerda literária anti-imperialista da Grande Depressão à Guerra Fria“, examina a história apagada do anti-sionismo entre a esquerda judaica da classe trabalhadora nos anos 1930 e 1940. Balthaser é o autor de um livro de poemas sobre a velha esquerda judaica chamado Dedicação, e uma monografia acadêmica intitulada Modernismo Anti-imperialista. Ele está trabalhando em um livro sobre judeus marxistas, pensamento socialista e anti-sionismo no século XX.
Ele conversou com Lazare sobre as origens coloniais do sionismo moderno, e a disputa da esquerda judaica, com o fundamento de que é uma forma de nacionalismo de direita que se opõe fundamentalmente ao internacionalismo da classe trabalhadora, sendo uma forma de imperialismo. De acordo com Balthaser, essa tradição política enfraquece a afirmação de que o sionismo reflete a vontade de todo o povo judeu e oferece sinais para os dias atuais. “Para os judeus nos EUA que estão tentando pensar sobre sua relação não apenas com a Palestina, mas também sobre seu próprio lugar no mundo como uma minoria étnico-cultural diaspórica historicamente perseguida, temos que pensar de que lado estamos, e com as quais forças globais queremos nos alinhar”, diz ele. “Se não quisermos ficar do lado dos algozes de extrema direita, do colonialismo e do racismo, há uma fonte cultural judaico e político ao qual podemos recorrer”.
SL
Você pode explicar qual a ideologia do sionismo? Quem a criou e quando?
BB
Algumas coisas precisam ser elucidadas. Antes de tudo, há uma longa história judaica que precede a ideologia do sionismo e que olha para Jerusalém, o antigo reino da Judéia, como um local de anseio cultural, religioso e, pode-se dizer, messiânico. Se você conhece a liturgia judaica, existem referências que remontam a milhares de anos à terra de Sião, a Jerusalém, o antigo reino que os romanos destruíram.
Houve tentativas desastrosas ao longo da história judaica, de “retornar” à terra da Palestina, a mais famosa foi a Sabbatai Zevi, no século XVII. Mas na maior parte, ao longo da história judaica, “Israel” foi entendido como uma espécie de local cultural e messiânico, mas não havia nenhum desejo de realmente se mudar fisicamente para lá, fora de pequenas comunidades religiosas em Jerusalém e, é claro, o pequeno número de judeus que continuaram a viver na Palestina sob o Império Otomano – cerca de 5% da população.
O sionismo contemporâneo, particularmente o sionismo político, utiliza esse grande desejo cultural e texto religioso para se legitimar, e é aí que vem a confusão.
O sionismo moderno surgiu no final do século XIX como um movimento nacionalista europeu. Eu acho que essa é a maneira de se entender isso. Foi um desses muitos movimentos nacionalistas europeus de minorias oprimidas que tentaram construir a partir das diversas culturas da Europa Ocidental e Oriental, Estados-nação etnicamente homogêneos. E havia muitos nacionalismos judaicos no final do século XIX e no início do século XX, dos quais o sionismo era apenas um.
Houve o Bund judeu, que foi um movimento socialista de esquerda que ganhou destaque no início do século XX, articulando um nacionalismo desterritorializado na Europa Oriental. Eles sentiam que seu lugar era a Europa Oriental, sua terra era a Europa Oriental, sua língua era o iídiche. E eles queriam lutar pela liberdade na Europa, onde realmente viviam. E eles sentiram que sua luta pela libertação era contra governos capitalistas opressores na Europa. Se o Holocausto não tivesse destruído o Bund e outros grupos de socialistas judeus na Europa Oriental, poderíamos estar falando sobre o nacionalismo judaico em um contexto muito diferente hoje.
Claro, houve experimentos soviéticos, provavelmente mais famosos em Birobidjã, mas também um muito breve na Ucrânia, para criar zonas autônomas judaicas dentro dos territórios em que os judeus viviam, ou em outro lugar dentro da União Soviética, enraizado na ideia iídiche de doykait, hereditariedade diaspórica e de língua e cultura iídiche.
O sionismo foi um desses movimentos nacionalistas culturais. O que o fez ser diferente foi que ele se enxertou no colonialismo britânico, uma relação explicitada com a Declaração de Balfour em 1917, e realmente tentou criar um país a partir de uma colônia britânica – o Mandato Palestina – e usar o colonialismo britânico como uma forma de ajudar a se estabelecer no Oriente Médio. A Declaração Balfour foi essencialmente uma forma de usar o Império Britânico para seus próprios fins. Em algum nível, você poderia dizer que o sionismo é uma mistura tóxica de nacionalismo europeu e imperialismo britânico enxertado em um reservatório cultural de tropos e mitologias judaicas que vêm da liturgia e cultura judaica.
SL
Um dos fundamentos do sionismo moderno é que ele é uma ideologia que representa a vontade de todos os judeus. Mas em seu artigo, você argumenta que a crítica ao sionismo era bastante comum na esquerda judaica nas décadas de 1930 e 40, e que essa história foi totalmente apagada. Você pode falar sobre mais sobre essas críticas e quem as fez?
BB
A parte engraçada sobre os EUA, e eu diria que isso é um consenso na Europa, é que antes do fim da Segunda Guerra Mundial, e mesmo um pouco depois, a maioria dos judeus menosprezava os sionistas. E não importava se você fosse um comunista, não importava se você fosse um judeu reformista, o sionismo não era popular. Haviam muitos motivos diferentes para os judeus estadunidenses não gostarem do sionismo antes dos anos 1940.
Há a crítica liberal do sionismo mais famosa articulada por Elmer Berger e o Conselho Estadunidense para o Judaísmo. A ansiedade entre essas pessoas era que o sionismo seria basicamente um tipo de lealdade dupla, que abriria os judeus para a alegação de que não são estadunidenses de verdade e que, na verdade, frustraria suas tentativas de assimilar a cultura estadunidense dominante.
Elmer Berger também transmitiu a idéia de que os judeus não são uma cultura ou um povo, mas simplesmente uma religião e, portanto, nada têm em comum uns com os outros fora da fé religiosa.
Esta, eu argumentaria, é uma idéia assimilacionista que vem dos anos 1920 e 1930, e tenta se assemelhar a uma noção protestante de “comunidades de fé”.
Mas para a esquerda judaica – a esquerda comunista, socialista, trotskista e marxista – a crítica ao sionismo veio de dois lados: uma crítica do nacionalismo e do colonialismo. Eles entenderam o sionismo como um nacionalismo de direita e, nesse sentido, burguês. Eles viam como algo relacionado com outras formas de nacionalismo – uma tentativa de alinhar a classe trabalhadora com os interesses da burguesia.
Naquela época houve uma conhecida história de Vladimir Jabotinsky nas Missas Novas em 1935, em que o crítico marxista Robert Gessner chama Jabotinsky de um pequeno Hitler no Mar Vermelho. Gessner chama os sionistas de nazistas e a esquerda em geral via o nacionalismo judaico como uma formação de direita tentando criar uma cultura militarista unificada que alinhasse os interesses da classe trabalhadora judaica com os da burguesia judaica.
Essa é uma crítica do sionismo. A outra crítica do sionismo, que acho mais contemporânea à esquerda hoje, é que o sionismo é uma forma de imperialismo. Se você olhar os panfletos, revistas e discursos feitos sobre a esquerda judaica nas décadas de 1930 e 1940, verá que os sionistas estavam se alinhando com o imperialismo britânico.
Eles também estavam muito cientes do fato de que o Oriente Médio foi colonizado, primeiro pelos otomanos e depois pelos britânicos. Eles viram a luta palestina pela libertação como parte de um movimento anti-imperialista global.
Claro, os comunistas judeus se viam não como cidadãos de um Estado-nação, mas como parte do proletariado global: parte da classe trabalhadora global, parte da revolução global. E então para eles pensarem em sua terra natal como esta pequena faixa de terra no Mediterrâneo – independentemente de qualquer afinidade cultural com Jerusalém – seria apenas contra tudo o que eles acreditam.
Como o Holocausto começou para valer na década de 1940, e os judeus estavam fugindo da Europa de qualquer jeito que conseguiam, alguns membros do Partido Comunista defendiam que os judeus deveriam ter permissão para ir para a Palestina se estivessem fugindo da aniquilação e a Palestina é o único lugar natural onde eles poderiam ir.
Mas isso não significa que ele poderiam criar um Estado-nação lá. Eles precisam se relacionar da melhor maneira possível com as pessoas que vivem lá. Houve um partido comunista da Palestina que defendeu a colaboração judaica e palestina para expulsar os britânicos e criar um Estado binacional – que, por uma série de razões, incluindo a natureza segregada do assentamento judaico, se mostrou mais difícil na prática do que na teoria.
Em todo caso, a esquerda judaica nas décadas de 1930 e 40 entendeu, criticamente, que a única maneira de o sionismo surgir na Palestina seria por meio de um projeto colonial e da expulsão dos palestinos nativos da terra. Em um discurso de Earl Browder, presidente do Partido Comunista, no hipódromo de Manhattan, ele declara que um Estado judeu só pode ser formado por meio da expulsão de 250 mil palestinos, o que os participantes acharam muito chocante na época, mas na verdade acabou sendo uma sub-contagem dramática.
SL
Você escreveu em seu recente artigo o seguinte: “Talvez a narrativa mais difundida sobre o sionismo, mesmo entre estudiosos e escritores que reconhecem seu status marginal antes da guerra, é que o Holocausto mudou a opinião judaica e convenceu os judeus”. Você identifica alguns furos importantes nesta narrativa. Você pode explicar quais são?
Eu alteraria um pouco para dizer que estou realmente falando sobre a esquerda comunista e marxista neste contexto. Eu cresci em uma família de esquerda onde as opiniões estavam definitivamente divididas sobre a questão do sionismo – mas, no entanto, havia uma idéia difundida de que o Holocausto mudou opiniões universalmente, e todos entraram na linha assim que os detalhes do Holocausto foram revelado, sionista e anti-sionista.
É inegavelmente correto dizer que sem o Holocausto provavelmente não haveria Israel, nem que fosse pelo simples fato de que houve um fluxo maciço de refugiados judeus após a guerra que, sem dúvida, teriam permanecido na Europa de outra forma. Sem esse fluxo de judeus que poderiam lutar na guerra de 1948 e povoar Israel logo depois, é duvidoso que um Estado independente de Israel pudesse ter tido sucesso.
No entanto, uma coisa que achei a mais surpreendente ao passar pela imprensa de esquerda judaica na década de 1940 – publicações do Partido Trotskista Socialista dos Trabalhadores, do Partido Comunista e escritos de Hannah Arendt – é que mesmo depois que o escopo do Holocausto foi amplamente compreendido, a posição oficial ainda era anti-sionista.
Eles podem ter apelado para que os judeus fossem autorizados a se reinstalar nas terras de onde foram expulsos ou massacrados, com plenos direitos e plena cidadania, para imigrar para os EUA, ou mesmo ter permissão para emigrar para a Palestina se não houvesse outro lugar para ir (como era frequentemente o caso). Mas eles ainda eram totalmente contra a divisão e o estabelecimento de um Estado exclusivamente judeu.
O que é importante entender sobre aquele momento é que o sionismo foi uma escolha política – não apenas das potências imperiais ocidentais, mas também da liderança judaica. Eles poderiam ter lutado mais arduamente pela imigração judaica para os EUA. E muitos dos líderes sionistas realmente lutaram contra a imigração para os EUA.
Houve uma série de histórias relatadas na imprensa comunista judaica sobre como os sionistas colaboraram com os britânicos e estadunidenses para forçar os judeus a irem para a Palestina, quando eles preferiam ir para os EUA ou a Inglaterra. Há uma citação famosa de Ernest Bevin, o secretário britânico de relações exteriores , que disse que a única razão pela qual os EUA enviaram judeus à Palestina foi “porque eles não querem muitos mais deles em Nova York”. E os sionistas concordaram com isso.
Embora isso possa parecer uma história antiga, é importante porque perturba o senso comum em torno da formação de Israel. “Sim, talvez pudesse ter havido paz entre judeus e palestinos, mas o Holocausto tornou tudo isso impossível.” E eu diria que esse debate depois de 1945 mostra que houve um longo momento em que havia outras possibilidades, e outro futuro poderia ter acontecido.
Ironicamente, a União Soviética fez mais do que qualquer outra força isolada para mudar as mentes da esquerda marxista judaica sobre Israel no final dos anos 1940. Andrei Gromyko, o embaixador da União Soviética nas Nações Unidas, saiu em 1947 e apoiou a partilha depois de declarar que o mundo ocidental não fez nada para impedir o Holocausto, e de repente há essa reviravolta. Todas as publicações de esquerda judaica que denunciavam o sionismo estavam, literalmente no dia seguinte, abraçando a divisão e a formação do Estado-nação de Israel.
Você tem que entender que, para muitos comunistas judeus e até socialistas, a União Soviética era a terra prometida – não o sionismo. Este foi o lugar onde eles tinham, segundo a propaganda, erradicado o anti-semitismo.
O Império Russo foi o lugar mais anti-semita ao longo do final do século XIX e início do século XX, antes do surgimento do nazismo. Muitos dos membros do Partido Comunista Judeu ou suas famílias eram da Europa Oriental e tinham memórias muito vivas da Rússia como o epicentro do anti-semitismo. Para eles, a Revolução Russa foi uma ruptura na história, uma chance de recomeçar. E, é claro, isso foi depois da Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética tinha acabado de derrotar os nazistas.
O fato da União Soviética abraçar o sionismo realmente foi um choque para o mundo judaico de esquerda. A União Soviética mudou sua política cerca de uma década depois, abraçando abertamente o anti-sionismo na década de 1960. Mas, para este breve momento crucial, a União Soviética foi firmemente a favor da partilha, e isso parece ser o que realmente mudou a esquerda judaica.
Sem esse tipo de legitimação, acho que todos nós estamos começando a ver a esquerda judaica retornar de uma forma importante às posições que originalmente ocupava, que é que o sionismo é um nacionalismo de direita, e que também é racista e colonialista. Estamos vendo a esquerda judaica retornar aos seus princípios iniciais.
SL
Essa é uma boa resposta para algumas perguntas que gostaria de fazer sobre a relevância da história anti-sionista para os dias atuais. Para muitas pessoas, o plano de Israel de anexar enormes pedaços de terras palestinas na Cisjordânia, ainda mostra a violência do projeto sionista de estabelecer o domínio judaico sobre a população palestina. Estamos vendo alguns sionistas liberais proeminentes como Peter Beinart proclamar publicamente que a solução de dois Estados está morta e um Estado baseado em direitos iguais é o melhor caminho. Você vê agora como um momento importante para se conectar com a história do anti-sionismo judeu? Você vê aberturas ou possibilidades para mudar a mente das pessoas?
BB
De certa forma, a carta de Beinart estava setenta anos atrasada. Mas ainda é uma virada cultural muito importante, na medida em que ele faz parte de uma instituição judaica liberal. Eu também diria que estamos em um momento histórico diferente. Nas décadas de 1930 e 40, você pode realmente falar sobre um tipo de sentimento revolucionário global e uma verdadeira esquerda judaica localizada em organizações como o Partido Comunista, o Partido Socialista dos Trabalhadores e o Partido Socialista. E você pode ver isso novamente na década de 1960.
Estudantes por uma Sociedade Democrática, que também tinha uma filiação judaica muito considerável, apoiaram formalmente o anti-sionismo na década de 1960, junto com o Partido Socialista dos Trabalhadores, e formaram alianças com o Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento, que também havia contratado um oficial anti-sionista no final dos anos 1960.
Você pode pensar em uma estrutura revolucionária global na qual a libertação palestina fosse uma parte articulada – você pode pensar na Frente Popular para a Libertação da Palestina e na Organização para a Libertação da Palestina como parte da estrutura dos movimentos revolucionários globais.
Hoje estamos em um espaço muito mais fragmentado. Na mesma página, porém, estamos vendo o renascimento, ou talvez a continuidade, dos movimentos palestinos pelos direitos civis, com a sociedade civil palestina fazendo um apelo à descolonização – ambos fora de suas próprias tradições de libertação, mas também buscando modelos de luta pela liberdade sul-africana.
Para os judeus contemporâneos que são progressistas e se veem na esquerda, eles estão percebendo de repente que realmente não há mais centro, não há mais posição sionista liberal. O centro realmente caiu.
E nos deparamos com esta decisão muito difícil: que ou você vai estar do lado da libertação, ou do lado da direita israelense, que tem uma intenção eliminacionista e genocida que sempre esteve lá, mas é claramente aparente agora. E então acho que pessoas como Beinart estão acordando e dizendo: “Não quero estar do lado dos algozes”.
A história da velha esquerda judaica e da nova esquerda judaica da década de 1960 nos mostra que isso não é novo. Qualquer luta de libertação virá dos próprios oprimidos, então o movimento de libertação palestino vai definir seus termos para as lutas. Mas para os judeus nos EUA que estão tentando pensar sobre sua relação, não apenas com a Palestina, mas também sobre seu próprio lugar no mundo como uma minoria étnico-cultural diaspórica historicamente perseguida, temos que pensar de que lado estamos, e com quais forças globais queremos nos alinhar.
Se não quisermos ficar do lado dos algozes de extrema direita, do colonialismo e do racismo, há um recurso cultural judaico ao qual podemos recorrer – um recurso político ao qual recorrer. Esta história da esquerda judaica anti-sionista demonstra que um importante papel histórico na diáspora tem sido a solidariedade com outros povos oprimidos.
Esse é o lugar de onde temos obtido mais força historicamente. Portanto, não vejo isso como: “Não vamos reproduzir o Partido Comunista das décadas de 1930 e 1940”. Estamos dizendo: “Vamos produzir algo novo, mas o passado pode ser um recurso cultural que podemos usar hoje.”
SL
Quem ou o que é responsável pelo apagamento desse histórico de anti-sionismo na esquerda judaica?
BB
Eu não culparia apenas a União Soviética ou o sionismo pelo apagamento, porque também temos que pensar na Guerra Fria e como ela destruiu a velha esquerda judaica, e empurrou-a para a clandestinidade e destruiu suas organizações. Portanto, acho que também temos que ver como a virada para o sionismo foi entendida como algo que normalizaria os judeus em uma era do pós-guerra.
Com a execução dos Rosenbergs, a Ameaça Vermelha do final dos anos 1940 e dos anos 50, e a proibição virtual do Partido Comunista, que havia sido meio judaico ao longo das décadas de 1930 e 1940 , para grande parte do establishment judaico, alinhar-se com o imperialismo estadunidense era uma forma de os judeus normalizarem sua presença nos EUA. E espero que esse momento tenha passado em algum grau.
Podemos ver o vazio e a esterilidade de nos alinharmos a um projeto imperial estadunidense, com pessoas como Bari Weiss e Jared Kushner. Por que alguém como Bari Weiss, que se descreve como liberal, quer se aliar às forças mais reacionárias da vida estadunidense?
É uma matriz sangrenta de assimilação e branquitude que emergiu da suburbanização da Guerra Fria na década de 1950. Israel fez parte da barganha do diabo. Sim, você pode se tornar estadunidense de verdade: você pode ir para boas universidades estadunidenses, pode ingressar nos subúrbios, ter um “american way of life” na vida, contanto que faça uma pequena coisa por nós, que é apoiar o imperialismo dos EUA.
Esperamos que, com o surgimento de novas organizações de base nos EUA, entre judeus e não judeus que estão questionando o papel dos EUA no apoio ao sionismo, esse cálculo pode começar a mudar. Com a ascensão da Voz Judaica pela Paz, IfNotNow, os Socialistas Democráticos da América (DSA) e o movimento do Black Lives Matter, todos assumindo uma posição séria contra o apoio dos EUA ao sionismo, o bom senso na comunidade judaica começou a se mover em uma direção diferente, particularmente entre a geração mais jovem. A batalha está muito longe de chegar ao fim, mas isso me deixa um pouco otimista quanto ao futuro.