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Yanis Varoufakis, num evento partidário da MERA25 em Chania, Grécia, 30 de Junho de 2019. IMAGO / ZUMA Wire.

Os partidos europeus de esquerda abandonaram a radicalidade

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Tradução
Gustavo Crivellari

A Alemanha precisa de um novo partido de esquerda, disseram os dirigentes do DiEM25 na fundação do MERA25. A Jacobin conversou com o cofundador Yanis Varoufakis e com a presidente do partido Julijana Zita sobre sua relação com a esquerda alemã e a falta de visão emancipatória da nova coalizão que assumiu o governo.

UMA ENTREVISTA DE

Ines Schwerdtner e Lukas Scholle

No final do ano passado, foi fundado no Kino International, em Berlim, a ala eleitoral alemã do movimento pan-europeu DiEM25: o MERA25. Baseada em seu partido camarada grego de mesmo nome (que se traduz aproximadamente como “Frente Europeia de Desobediência Realista”), que ganhou 3,44% na última eleição parlamentar e, portanto, com nove deputados, o MERA25 agora também vai competir nas eleições na Alemanha.

A Jacobin Alemanha conversou com um dos seus fundadores, o ex-ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis, e com Julijana Zita, recém-eleita membro da direção na Alemanha, sobre os seus objetivos e porque a União Europeia precisa ser radicalmente transformada.


JA

Vocês iniciaram o movimento pan-europeu DiEM25 em 2016. Após uma eleição europeia bastante decepcionante, vocês fundam agora com a MERA25 uma ala eleitoral no coração das trevas: a Alemanha. Vocês planejam participar das eleições federais e até mesmo nas eleições locais?

JZ

É claro que vemos uma oportunidade de nos concentrarmos muito mais nas eleições locais. Porque nós realmente queremos entrar em contato com as pessoas e construir o poder a partir de baixo. E penso que as eleições locais são um primeiro passo nesta direção.

Acredito que é extremamente importante que existam partidos de esquerda que tenham a ambição de mudar realmente alguma coisa na sociedade, em vez de jogarem o habitual jogo de xadrez político dos outros partidos. O que falta é um partido para as pessoas comuns, que querem exercer mais pressão sobre a política. E esse é exatamente o tipo de pessoas que temos na MERA25, eu por exemplo: eu não sou uma política profissional.

JA

Por que a Alemanha e por que agora?

YV

As condições na Alemanha são absolutamente escandalosas. Porque aqui há um baixo nível de investimento e, ao mesmo tempo, uma parte significativa da população só consegue pagar as contas com muita dificuldade. Na Serra Leoa isso faz sentido, na Grécia isso faz sentido: ambos estão falidos. Mas em países que nadam em dinheiro, como a Alemanha ou a França, isso não é sustentável. Nunca antes o setor financeiro alemão teve tanto dinheiro à disposição como hoje. 

O governo federal tem um superávit estrutural. No entanto, a Alemanha tem atualmente o nível de investimento em relação aos fundos disponíveis mais baixo do pós-guerra. E 50% da população têm hoje um poder de compra menor do que tinha há 16 anos, de modo que pagam as contas com maior dificuldade. Este é um escândalo do qual ninguém neste país fala – exceto o partido Die Linke.

Fundamos o DiEM25 em fevereiro de 2016 em Berlim, porque pensamos que Berlim deve ser o centro da política progressista na Europa. Àquela altura, observávamos uma crise pan-europeia, que se refletiu de forma diferente na Alemanha, na Grécia, na França e etc.. Os fascistas são muito bons em se unir além das fronteiras. Eles agem transnacionalmente; eles amam uns aos outros. Os banqueiros também partilham uma agenda comum e têm o Banco Central Europeu, que os financia dia e noite. 

JA

Mas já existe uma esquerda europeia, mesmo no Parlamento Europeu.

YV

A esquerda europeia também é um escândalo. Porque há pessoas que querem abandonar a UE; pessoas que apoiaram a Troika, como Tsipras; pessoas que querem deportar refugiados e pessoas que querem acolher refugiados. Como vão lidar com o Banco Central? Quem deve financiar a transição para uma economia verde? Qual é o seu plano para o futuro do trabalho? 

O que precisamos é de uma resposta europeia comum, mas que não pode ser encontrada assim: na França, Melenchon tem alguma objeção, na Espanha o Podemos vê as coisas de outra forma, e assim por diante. Pensamos que isso se deve ao fato de a esquerda europeia não ter resposta para a questão fundamental: como lidamos com o Banco Central Europeu? E ninguém vota em um partido que não tem respostas.

JA

O partido Die Linke está muito enfraquecido depois das eleições federais. Porque se unir a ele não é uma opção para vocês?

YV

Eles nem sequer se unem entre si. E é muito difícil unir-se a pessoas que não cooperam entre si. Os partidos de esquerda abandonaram a política radical de esquerda e tornaram-se verdes.

JA

Estamos provavelmente diante de uma “coalização semáforo”, com amarelos, verdes e vermelhos. O que vocês esperam de tal governo?

YV

Nada. Nada mesmo. O sistema funciona assim. Enquanto estamos aqui conversando, está em curso uma troca de favores. Para efetivar a coalizão, Lindner irá provavelmente aceitar, com muita lamentação, fundos isentos no freio da dívida, para que os Verdes fiquem satisfeitos. O SPD não melhorará as aposentadorias como defendeu durante a campanha eleitoral; obterá um pequeno aumento do salário mínimo, o que é insignificante, tendo em conta o aumento da inflação. E o FDP não será capaz de realizar as reduções de impostos que deseja.

Mas ninguém está falando sobre a Europa. E isso significa que a UE continuará a funcionar como habitualmente, o que é uma catástrofe para a Europa e para a Alemanha. No final, Schäuble ganha – porque Schäuble disse uma vez que nunca se deve permitir que uma eleição mude a política econômica. E agora ele consegue exatamente o que quer.

JA

Os economistas Adam Tooze e Joseph Stiglitz alertaram recentemente a respeito de Lindner como ministro das Finanças.

YV

Isso foi um grande erro. Joe e eu escrevamos porque Lindner não deveria ser o ministro das Finanças é a melhor maneira de garantir que ele receba o cargo. Isso foi um erro estúpido. Lamento ter de dizer isso.

JA

O que você diria em vez disso?

YV

Eu diria que ele seria um ministro das Finanças realmente perigoso – mas isso não deve ser publicado, porque isso apenas o fortalece no sistema político alemão.

JA

O que faria um ministro das Finanças progressista, em vez disso, para reformar o freio da dívida e as regras fiscais da UE?

YV

Dane-se o freio da dívida, ele é uma vergonha. Ele é uma declaração da própria estupidez. É possível se comprometer a realizar despesas, mas não é possível se comprometer a ter déficit – nota-se o que acontece então. Sempre que há uma crise, as regras são suspensas. Mas o freio da dívida está consagrado na Constituição, e como se deve suspender a Constituição? Isso seria inconstitucional, a menos que seja uma Constituição estúpida. E a Alemanha tem uma Constituição estúpida neste momento.

JA

É necessária uma maioria de dois terços no Bundestag [Congresso alemão] para abolir o freio da dívida.

YV

O que se passa é que o Green New Deal não pode ser financiado pela Alemanha. Na verdade, nem sequer se tem aqui um Banco Central próprio – ele foi abandonado junto com o Marco alemão. O que a Alemanha poderia fazer seria deixar de ajudar Schröder, que trabalha como representante do gás natural. Mas o Green New Deal tem de ser Europeu. É uma loucura que a Alemanha tenha uma política energética diferente da França.

Em outras palavras: não temos uma União Europeia. A União Europeia é falsa, só existe nominalmente. Macron aposta tudo na energia nuclear. Nós, gregos, olhamos do lado de fora para o mundo, como se estivéssemos sentados numa nave espacial antiga. E a Alemanha não tem um plano.

JA

Além disso, as regras fiscais europeias são muito rigorosas. O documento exploratório da coalizão semáforo afirma que as regras provaram ser “flexíveis”. Como antigo ministro das Finanças Grego, você conhece bem esta flexibilidade.

YV

Se a Alemanha tiver de violar as regras, as regras serão violadas. Se outro quiser violar as regras, então eles enviam o Eurogrupo. É isto que se entende por “flexibilidade”.

A Alemanha foi também o primeiro país a violar o Tratado de Maastricht com o seu déficit. Em vez de deixar a economia alemã entrar numa enorme recessão, violou as regras. E agora, durante a pandemia, a Alemanha viola novamente as regras. É assim que se parece o autoritarismo. Há um poder hegemônico autoritário, que decide o que e quando conforme os interesses de quem as regras podem ser violadas. Ou seja, existem na verdade dois conjuntos de regras. E isso significa que não temos democracia.

Recorde-se o que aconteceu em 1992, quando o Tratado de Maastricht foi assinado. O limite do déficit orçamental era 3% do produto interno bruto, porque a França e a Alemanha tinham um déficit de 2,8% naquela época. Então foi feita uma fotografia do que existia e foi declarado: estas são as regras. Algo assim não pode dar certo. 

JA

Como é que as regras fiscais podem, então, ser reformadas?

YV

Vamos direto ao ponto: criamos uma federação monetária, mas não uma união política. Mas não se pode ter apenas uma união monetária, para isso é necessário um governo comum. Se não o temos, é necessário violar constantemente as regras, porque elas só podem ser estúpidas. Portanto, não se trata de ajustarmos os números, trata-se do próprio estatuto.

JA

Então vocês pretendem levar a questão da dívida do nível nacional para o nível europeu. No entanto, Estados-membros da UE saberão como impedir isso.

YV

Já fazemos isto hoje. O Banco Central Europeu está agora cheio de dívidas dos Estados nacionais, o que desloca efetivamente a questão da dívida para o nível europeu. Mas neste ato violaram-se as regras. O Banco Central Europeu foi criado de tal forma que teve de ir, pelo menos, contra o espírito de Maastricht. A intenção original era não comprar títulos da dívida italiana, grega ou alemã. Mas por fim foi necessário fazê-lo, para manter o todo unido. Portanto, o Banco Central Europeu já converteu a dívida nacional em dívida europeia, e será impossível vendê-la.

JA

Vocês falaram do Green New Deal. Que medidas devem estar no centro disso?

JZ

Todos os anos, 5% do Produto Interno Bruto da União Europeia tem de ser investido na transição verde. Temos de parar de mexer nos números e agir de acordo com a gravidade da situação. A vaga dotação de 350 bilhões de euros ao longo de uma década mencionada pela Comissão Europeia está longe de ser suficiente para responder à necessidade de uma transição global e justa. 

Tenha-se em mente que nós temos que financiar a renda básica incondicional que assegura aqueles que ficam desempregados como resultado da transformação verde. Mas também a renda assistencial, os pagamentos de reparação ao sul global, a formação para os empregos da indústria verde, os transportes públicos gratuitos e bem conectados e muito mais devem ser financiados. 

É por isso que nós do DiEM25 dizemos que precisamos de três novas instituições-chave. Em primeiro lugar, “obras públicas verdes”: um programa de investimento que impulsiona a transição justa na Europa e direciona os fundos para o setor público. Em segundo lugar, uma União Ambiental: um novo quadro jurídico para a transição justa, a fim de harmonizar as leis europeias com o consenso científico. E, em terceiro lugar, uma Comissão de Justiça Ambiental: um organismo independente que supervisiona e aconselha as políticas e os políticos da União Europeia a fim de promover a justiça ambiental no continente e em todo o mundo.

Por fim, a transição na Europa não deve ser de cima para baixo. Precisamos de assembleias populares em todo o continente para garantir que todos os passos sejam dados de acordo com as necessidades e desejos dos cidadãos.

YV

Consideremos o fato de que o Banco Central Europeu emitiu 2 trilhões de euros desde o início da pandemia. E lembremo do que disse Von Der Leyen quando se tornou presidente da Comissão Europeia: ela prometeu um Green New Deal de mais de 1 trilhão de euros até ao final da década. Mas esse dinheiro não existe.

Por que não financiamos diretamente o Green New Deal? Não deveríamos dar o dinheiro aos bancos, porque os bancos só criam empresas-zumbi e inflam a dívida. Agora meus colegas economistas estão me dizendo: “Mas Yanis, a Itália vai falir se não continuarmos comprando a dívida italiana com o dinheiro do Banco Central Europeu.” O que devo responder a isso? Então, eu soo quase como Schäuble: se alguém não pode pagar suas dívidas, não se deve fingir que ele pode pagar suas dívidas impondo-lhe mais dívidas. Por isso, ou os deixamos ir à falência ou cancelamos as dívidas. 

O que não devemos fazer é dar-lhes ainda mais dinheiro, manter as taxas de juros em zero, quebrar os fundos de pensão alemães e agarrar-nos à ideia da dona de casa Suábia – esta figura mítica que Merkel uma vez apoiou – e deixar sem financiamento o que precisa ser financiado. Mas vocês já ouviram alguém de um dos partidos alemães dizer isso? Eu não.

JA

Então vocês insistem que a UE precisa recomeçar quase do zero? Quantos membros vocês têm atualmente na Alemanha?

JZ

Em torno de 6 mil na Alemanha e na Europa são 130 mil.

JA

E como vocês planejam crescer?

YV

Entramos nas eleições europeias apenas em 2019, e o DiEM foi um experimento. Tínhamos 60 mil euros para fazer uma campanha pan-europeia em 8 países, e recebemos 1,5 milhão de votos. Agora, o projeto tem de ser continuado por pessoas de cada localidade, as quais não concorrem para as eleições europeias, mas sim para as eleições locais e regionais. Trata-se de tornar-se parte do quadro político, por assim dizer.

JA

Quais são as chances?

YV

Não faço ideia se vai dar certo. Mas uma coisa eu sei: que, se um dia eu vou morrer, nada me impede de me levantar de manhã.

Sobre os autores

foi ministro das Finanças da Grécia durante os primeiros meses do governo liderado pelo Syriza em 2015. É autor dos livros "Minotauro Global", "E os fracos sofrem o que devem?" e "Adultos na sala", todos publicados pela editora Autonomia Literária.

é presidente do partido MERA25.

é editora da Jacobin Alemanha e co-apresentador do podcast halbzehn.fm. Ela mora em Berlim.

é colaborador da Jacobin Alemanha.

Cierre

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Published in Austeridade, Economia, Entrevista, Europa, Fronteiras & Migração and Política

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