Na última quinta-feira, dez dias após revelar ao seu público que possui 9,2% de participação acionária no Twitter, Elon Musk deu um ultimato: ou o conselho aceita sua oferta de comprar a empresa por US$ 43 bilhões e a torna privada, ou ele “reconsideraria” sua posição como acionista. A aquisição pode ter enormes implicações na forma como nos comunicamos online, e todo o negócio apresenta questões preocupantes em relação ao poder que Musk é capaz de exercer sobre nossa sociedade.
Mesmo com todos os seus problemas, o Twitter é central para a vida cultural e política nos Estados Unidos e, além disso, Musk tem sido um de seus usuários mais proeminentes. Ele usa-o para pregar para seus adoradores e apoiadores, atacar seus críticos, manipular os mercados financeiros e alimentar a mídia com infindáveis caça-cliques. Mas sua tentativa de usar seu poder para capturar o Twitter e reformulá-lo para seus próprios fins é motivo de grande preocupação.
O que passa pela cabeça de Elon Musk?
Apesar da recente revelação da participação de Musk na empresa, ele está comprando ações desde o final de janeiro. Em março, ele começou a criticar publicamente a empresa por supostamente limitar a liberdade de expressão. Musk adotou a linguagem dos provocadores de direita com os quais ele se associa cada vez mais, mas nenhum deles realmente se importa com a liberdade de expressão: eles só querem um discurso que atenda melhor aos seus interesses. O próprio Musk tem um histórico de caluniar seus críticos, bloquear quem o imitava no Twitter, demitir funcionários que discordavam das suas ideias e até mesmo alegar que um dos denunciantes da empresa era um atirador em massa.
Horas depois que sua proposta de compra do Twitter foi anunciada, Musk apareceu no palco da conferência TED em Vancouver. Quando perguntado sobre suas intenções com o Twitter e sua abordagem em relação à moderação de conteúdo, ele deu uma resposta muito conflitante. Por um lado, ele apresentou uma visão de que o Twitter seria algo parecido com o Gab ou Parler, supostos paraísos de liberdade de expressão que se parecem mais como fossas da direita. Por outro, disse que moderadores humanos podem decidir o que é aceitável e que a plataforma deve tentar eliminar bots e quem pratica spam.
Musk afirma que comprar o Twitter significa proteger uma praça pública virtual que é essencial para a democracia. No entanto, as plataformas de redes sociais provaram ser melhores em ampliar as perspectivas de nacionalistas brancos e fascistas declarados do que fornecer um campo de jogo que seja nivelado para conversas embasadas. Com sua própria concepção distorcida de liberdade de expressão, por que devemos esperar que o Twitter liderado por Musk faça algo melhor?
Ao mesmo tempo, tudo isso pressupõe que Musk realmente queira comprar o Twitter. Sim, ele enviou uma oferta e afirma que deseja comprar a empresa. Mas Musk é um mentiroso em série que se envolve frequentemente em façanhas publicitárias para chamar a atenção da mídia. Basta pensar no tweet sobre “financiamento seguro” de 2018, em que Musk afirmou ter dinheiro para tornar a Tesla privada. Isso provou ser falso – o início de sua briga com a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos.
No caso do Twitter, os esforços de Musk já são problemáticos. Além disso, a estrutura da oferta de aquisição sugere que esta pode ser uma saída para todo esse negócio equivocado. Musk está enfrentando um processo dos acionistas porque ele deveria relatar sua posição na empresa até 24 de março – dez dias depois de atingir uma participação de 5% –, mas não o fez até 4 de abril, o que significa que os acionistas potencialmente perderam mais de US$ 100 milhões. A ação da Comissão de Valores Mobiliários nesta área pode ainda estar chegando. Os funcionários do Twitter aparentemente também estão irritados com sua tentativa de assumir a empresa e, como o preço das ações do Twitter caiu depois que a oferta de aquisição de Musk foi tornada pública, os investidores não parecem estar gostando.
Por um lado, Musk não tem os US$ 43 bilhões disponíveis para a compra. Ele precisaria vender uma parte significativa das ações da Tesla – o que poderia afundar sua avaliação inflada – ou pegar dinheiro emprestado. Além disso, embora a oferta de Musk de US$ 54,20 por ação esteja acima do preço atual do Twitter, foi muito maior que no ano passado, e os investidores acham que a oferta de Musk é muito baixa. Mas em sua carta de oferta, Musk afirma que sua proposta é “melhor, e ponto final”, “um preço alto e seus acionistas vão adorar” e, se não for aceito, “eu precisaria reconsiderar minha posição como acionista”.
É impossível entrar na cabeça de Musk para saber o que ele está pensando – não tenho certeza se gostaria de dar uma espiada no que acontece lá dentro. Certamente há uma possibilidade de que isso seja sério e que sua carta de oferta seja uma demonstração da arrogância de um homem com riqueza praticamente ilimitada, com poucas pessoas ao redor para contradizê-lo. Mas, também há uma chance de que isso já tenha dado errado e ele esteja cansado disso. Então, ele apresentou uma oferta que sabe que o conselho rejeitará e permitirá que ele diga que foi recusado. Enquanto isso, ele pode continuar protestando contra a plataforma, em vez de recuar com o rabo entre as pernas.
O mito de Musk
Seja qual for o resultado, todo esse ciclo de notícias ilustrou ainda mais a relação doentia entre a mídia e o homem mais rico do mundo. Elon Musk não surgiu do nada. O mito do homem e a ideia de que ele é um visionário que nos leva para o futuro foram construídos pela mídia, criando um relacionamento mutuamente benéfico em que Musk conseguiu uma cobertura midiática brilhante, permitindo que ele fizesse praticamente tudo o que quisesse, e a mídia conseguiu uma figura inspiradora que vendeu revistas e atraiu leitores.
Mas, como Musk passou de um queridinho liberal que resolveria a crise climática para oligarca bilionário que faz o que quiser – seja pedir impostos mais altos para os super-ricos ou pedir o fim dos subsídios que eram essenciais para o sucesso de suas próprias empresas –, a contínua obsessão da mídia por ele tornou-se doentia a ponto de ser corrosiva para a democracia.
Se pensarmos no meio ideal de governar uma plataforma como o Twitter, ela não seria governada pelo homem mais rico do mundo. Certamente, ter algumas regulações de governos representativos poderia ajudar, mas em uma sociedade verdadeiramente democrática, ela seria governada por usuários, trabalhadores e outras partes interessadas.
No entanto, as intermináveis manchetes da mídia sobre cada ação de Musk nos levam constantemente a centralizar a sua visão sobre como nossa sociedade deve ser governada e administrada. Isso nos deixa muito pouco tempo para refletir se uma figura como Elon Musk deveria ser capaz de existir – e possuir uma plataforma de redes sociais – de algum modo.
Sobre os autores
é um escritor de tecnologia canadense. Ele é o apresentador do podcast Tech Won't Save Us e autor do livro Road to Nowhere: What Silicon Valley Gets Wrong about the Future of Transportation (Verso, 2022).