No novo documentário de Errol Morris, American Dharma, ele pergunta a Steve Bannon — ex-presidente executivo do Breitbart News, idealizador da campanha vitoriosa presidencial de Donald Trump em 2016 e tema do filme — se ele poderia apontar um momento decisivo na cristalização de sua visão política do mundo. Refletindo sobre a pergunta, Bannon relembra uma visita à Academia Militar dos Estados Unidos em West Point, em algum momento da década de 2000, onde sua filha mais velha era cadete e participava do time de vôlei. Um dia, assistindo o treino da filha, Bannon conta que viu uma pilha de caixas com os novos uniformes da equipe. Ao puxar uma peça para fora da caixa, ele notou, horrorizado, que os uniformes tinham sido fabricados no Vietnã.
O fato de o uniforme do exército da sua filha ter sido fabricado no Vietnã — um país onde milhares de soldados norte-americanos haviam morrido — parecia ser mais do que Bannon podia suportar. Cheirava a “globalismo” — a explicação de Bannon para tudo de errado com o mundo hoje.
Para Bannon, o globalismo resume a visão de mundo de uma elite internacional — o “Partido de Davos” — que se perdeu no meio do caminho. No lugar dos princípios judaico-cristãos de piedade, parcimônia e orgulho nacional que supostamente guiaram o capitalismo ocidental, Bannon vê um mundo governado por uma seita de capitalistas obcecados por receitas trimestrais e preços de ações na bolsa de valores. O resultado, afirma Bannon, é uma classe trabalhadora alienada, pronta para explodir.
O colunista do New York Times, David Brooks, manifesta uma antipatia semelhante em relação aos globalistas “cujos corações a topofilia desvaneceu”. Como Bannon, ele clama por um espírito renovado de nacionalismo para combater o sentimento generalizado de desesperança e raiva nos Estados Unidos de hoje: “As pessoas começam a sentir que não há nada além de injustiça na sociedade estadunidense e que não há esperança de salvação. Elas sentem vontade de queimar tudo”.
Coincidentemente, o próprio documentário American Dharma termina com uma poderosa conflagração — a demonstração irônica de Morris sobre a ânsia de Bannon para atear fogo no establishment. Os impulsos de homens como Bannon são pesadelos para os centristas que desejam preservar em vez de desmantelar, e que lucraram bastante com o status quo do pós-Guerra Fria. Eles alertam sobre os perigos de abandonar o internacionalismo liberal ou, como é frequentemente chamado o conjunto de ideias que definem o consenso político ocidental desde os anos 90, a globalização.
Por décadas, os defensores da terceira via sustentaram a globalização como a evolução da humanidade para além dos erros grosseiros do keynesianismo. Com o livre comércio e o livre mercado, barcos seriam levantados [como no aforismo keynesiano “Uma maré alta levanta todos os barcos], o conhecimento e a tecnologia floresceriam, a pobreza e a corrupção seriam solucionadas através da inovação e os lucros transbordariam para toda população.
A esquerda foi rápida em desafiar a fantasia da globalização. Antes de o globalismo se tornar o epíteto do momento, já havia duas escolas críticas à globalização: os céticos da globalização e o movimento antiglobalização.
Os céticos da globalização, escrevendo nos anos 90 e no início dos anos 2000, questionaram a veracidade das alegações de que o Estado estava diminuindo, que a produção havia se tornado verdadeiramente integrada globalmente e que as culturas estavam se homogeneizando. Eles argumentavam que o Estado continuava sendo uma força dominante na formação do terreno do capitalismo global e que as empresas não eram tão livres e desimpedidas quanto professavam. Os céticos enfatizaram que a globalização era um projeto político, não uma força implacável da natureza e, como tal, poderia ser desafiada e moldada por movimentos sociais.
Nisso, os céticos se cruzavam com o movimento antiglobalização, composto por grupos que talvez fossem menos céticos em relação à realidade da globalização, mas consideravelmente mais vigorosos na rejeição de seus processos e efeitos. A última década do século XX testemunhou batalhas ferozes nas cidades do mundo todo, enquanto os ativistas tentavam desarticular o funcionamento do Consenso de Washington.
Mas os centristas mantiveram a vantagem. O 11 de setembro e a segunda Guerra ao Terror do governo Bush puxaram o tapete do crescente movimento antiglobalização. Nos Estados Unidos, muitos esquerdistas voltaram suas energias para o trabalho antiguerra e para a mobilização contra os esforços de criminalização antimuçulmana e anti-imigrante. A luta contra a globalização ficou em segundo plano.
Após a crise financeira de 2008, a noção do “global” voltou à imaginação popular. Mas a crítica ao projeto de globalização tornou-se mais moldada pela direita do que pela esquerda. A antiglobalização deu lugar ao antiglobalismo — uma visão de mundo voltada à uma política muito diferente.
Os movimentos antiglobalização enfatizavam justiça e equidade para todos. As organizações defendiam a soberania alimentar, os direitos dos trabalhadores e o fim das fábricas para imigrantes [fábricas clandestinas com condições de trabalho degradantes]. Eles se organizaram em torno dos direitos dos imigrantes e dos povos indígenas e exigiram que as empresas fossem responsabilizadas por seus abusos contra as pessoas e o meio ambiente.
O antiglobalismo, embora também denuncie o status quo da elite, está fundamentado em um nacionalismo agressivo que vê imigrantes, muçulmanos e progressistas como o problema. Em vez de destacar as contradições inerentes ao capitalismo global, os antiglobalistas querem construir um muro em torno dos Estados Unidos, imaginando que, se expulsarem ou reprimirem os “indesejáveis”, seriam capazes de reconstruir um paraíso capitalista judaico-cristão com cercas e empregos em fábricas locais. O espectro do globalismo gerou uma fantasia de direita ainda mais perigosa do que o projeto centrista de globalização.
Sem dúvida, os problemas identificados pelo movimento antiglobalização continuam. Na verdade, eles pioraram, agravados por uma profunda desconfiança popular das instituições em meio à inação e ineficácia de governos, corporações e grandes ONGs em questões de destruição ambiental, pobreza e desigualdade. Mas a visão de uma alternativa à globalização neoliberal está sendo moldada pelas ideias erradas — ideias enraizadas no ódio e na exclusão.
No entanto, o retorno à antiglobalização não é a resposta. Precisamos de uma visão global que vá além da negação e construa uma agenda de esquerda positiva — ligando movimentos sociais fortes e fundamentados a um programa internacional concreto de solidariedade e justiça.
Sobre os autores
faz parte do conselho editorial da Jacobin. Ela é autora dos livros "The New Prophets of Capital e The Smartphone Society: Technology, Power" e "Resistance in the New Gilded Age", prestes a ser publicado.