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Um voo da British Airways decola enquanto um avião da Virgin Atlantic espera no terminal 3 do aeroporto de Heathrow em 16 de março de 2020 em Londres, Inglaterra. Leon Neal / Getty.

Estatizando as companhias aéreas

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Tradução
Giuliana Almada

O setor aéreo não sobreviverá ao coronavírus. Agora é a hora de estatizá-lo — e de usarmos esse momento para traçar um plano estratégico para um futuro mais sustentável, com controlada e baixa emissão de carbono.

O aumento vertiginoso no número de casos do novo coronavírus rapidamente colapsou o tráfego aéreo, à medida que a população cancela férias, adia viagens de negócios e evita o contato próximo a fim de limitar a propagação do vírus. As companhias aéreas de todo o mundo enfrentam graves pressões financeiras e respondem com reduções de voos, demissões e pedidos de assistência financeira aos governos.

No Reino Unido, a IAG, dona da British Airways, anunciou que sua capacidade de vôo será reduzida em 75%. A Virgin Atlantic cortará 80% das suas viagens — solicitando que seu pessoal tire oito semanas de férias não remuneradas. Ryanair, EasyJet e Norwegian também estão cortando a maioria dos seus voos e seus funcionários enfrentam demissões, cortes salariais e, potencialmente, até a perda dos seus empregos. Anúncios semelhantes estão sendo feitos por outras companhias aéreas na Europa, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia, enquanto o Center for Aviation estima que, sem assistência governamental, a maioria das companhias aéreas podem falir até maio.

Os preços das ações das companhias aéreas estão despencando drasticamente: as ações da British Airways caíram quase pela metade, as da Lufthansa caíram 41% e a Air-France / KLM, 56%. Mesmo antes do coronavírus, o setor aéreo já estava em uma posição frágil — companhias aéreas menores, como Flybe e Wow Air, já perdiam o fôlego, e muitas companhias maiores estavam sendo super alavancadas inutilmente. Esta crise exige uma reavaliação radical do setor como um todo, assim como um meio de os governos planejarem o caminho a seguir.

Mesmo diante da crise climática, a aviação continua sendo uma parte importante da economia — mas isso não significa que deva continuar da mesma maneira como era no passado. Em vez de simplesmente resgatar as companhias aéreas para que retomem as operações após a cura do vírus, precisamos repensar o papel desempenhado por essas empresas em nossas redes de transporte e transformá-las em propriedade pública para que possam ser planejadas democraticamente e, assim, atingir objetivos sociais e ambientais.

As principais companhias aéreas costumavam pertencer aos governos nacionais até algumas décadas atrás e muitas continuam operando sob propriedade pública, ou pelo menos com uma participação significativa de propriedade estatal. Em resposta à crise do coronavírus, a Itália já reestatizou a Alitalia, sendo o primeiro de muitos países a fazer movimentos semelhantes.

É claro que ações devem ser tomadas para proteger os empregos dos trabalhadores das companhias aéreas — mas precisam ser estratégicas. Entregar enormes quantias de dinheiro público a investidores ou a bilionários famosos, como Richard Branson, sem garantir poderes adicionais para o Estado em termos de contribuição para o futuro do setor, melhoria das condições trabalhistas e cumprimento de metas climáticas urgentes, seria um erro fatal.

Se as companhias aéreas estão realmente a ponto de falir, elas devem ser estatizadas com um desconto significativo. Se a assistência financeira for prestada, ela não pode ser isenta de condições, que devem abarcar uma participação acionária junto com o compromisso de cumprir metas públicas que incluem planejamento integrado, melhor experiência para o passageiro e proteções para os trabalhadores.

As companhias aéreas (re)estatizadas devem ser planejadas como parte de um sistema de transporte mais amplo, com o objetivo de reduzir viagens aéreas desnecessárias, principalmente em rotas de curta distância, a fim de diminuir emissões de carbono. Idealmente, isso seria combinado com um sistema ferroviário também reintegrado à propriedade pública, o que permitiria melhorias na confiabilidade, frequência e redução dos preços das passagens como incentivo ao uso de trens em detrimento de carros e aviões. Isso permitiria que as autoridades de transporte público interurbano planejassem as necessidades de mobilidade da população, direcionando mais recursos para o sistema ferroviário, ao mesmo tempo em que eliminam rotas de voo de curta distância substituíveis por viagens de trem em um tempo razoável.

Na prática, o foco na redução de emissões de carbono, mantendo as viagens acessíveis e garantindo que as pessoas possam chegar aos seus destinos em um período de tempo semelhante ao de uma viagem aérea completa, incluindo o tempo de deslocamento ao aeroporto e a passagem pelo controle de segurança, permitiria direcionar recursos para melhorar o serviço ferroviário em todo o Reino Unido e em muitas rotas para o continente europeu. Os serviços de trem já competem com os voos entre os principais centros urbanos do Reino Unido, e isso só deve melhorar com o HS2 e o High Speed North [novas redes ferroviárias que estão sendo construídas no país]. Um sistema ferroviário público também pode melhorar os serviços para cidades e comunidades menores em todo o território nacional.

Os serviços ferroviários já competem em termos de tempo de viagem com voos para cidades na França, Bélgica, Holanda e até partes do oeste da Alemanha a partir do Reino Unido. No entanto, chegar a esses destinos de trem muitas vezes podem custar mais do que reservar um voo promocional. As autoridades do transporte interurbano britânico, em cooperação com parceiros do continente europeu, devem trabalhar para mudar isso, incluindo custos de externalidades nos preços das passagens aéreas e reduzindo os preços das passagens ferroviárias, em reconhecimento dos benefícios sociais e econômicos mais amplos do aumento do acesso a serviços e conexões de transporte entre populações.

Mas algumas rotas simplesmente não poderão ser atendidas por trens devido às longas distâncias. Nesses casos, a experiência de viajar de avião precisa melhorar, oferecendo maior conforto e espaço para os passageiros, em vez de fazê-los se sentirem como sardinhas enlatadas em um tubo de metal, e diminuindo as taxas punitivas para tudo, desde uma mala despachada até um cartão de embarque esquecido. Jatos particulares, que emitem muito mais carbono por passageiro do que voos convencionais, também devem ser proibidos, obrigando os ricos a voarem nos mesmos aviões que o resto da população.

Milhares de trabalhadores de companhias aéreas estão sendo atirados aos leões, com demissões em massa na Norwegian, Scandinavian Airlines e KLM. Para evitar que mesmo aconteça no Reino Unido, precisamos agir imediatamente. Isso significa o reconhecimento por parte do governo do problema específico que o setor de aviação enfrenta — não apenas hoje, mas nos próximos anos no contexto da crise climática — e sua importância estratégica para a economia e a sociedade. Qualquer reconhecimento desse tipo tornaria clara a questão da estatização a um custo substancialmente reduzido.

Os trabalhadores do setor aéreo contribuíram para a incrível riqueza dos executivos e acionistas das principais companhias aéreas. Se essas empresas não puderem pagar seus trabalhadores sem falir, o governo deve fazê-lo, mas, em troca, deve insistir para que executivos de alto escalão e investidores ricos sejam significativamente afetados. Enquanto milhares de trabalhadores perdem seus empregos, paraquedas dourados e lucros oportunistas deixarão o público devidamente enfurecido.

Como a preocupação com as emissões de carbono causadas por viagens aéreas aumentou nos últimos anos — especialmente considerando que esse aumento tem sido muito mais rápido do que em outros setores — quem se preocupa com as mudanças climáticas tem se perguntado como as viagens aéreas podem ser reduzidas em um futuro sustentável. A crise provocada pelo COVID-19 é brutal, mas oferece uma oportunidade de romper com o status quo. Políticas que pareciam impossíveis na semana passada, estão agora sendo implementadas ao redor do mundo para combater as consequências econômicas.

Com aviões parados em todo o mundo, é hora de repensar a estrutura e os incentivos das nossas redes de transporte — e que os governos tomem medidas decisivas não apenas para proteger os trabalhadores no presente, mas para determinar como as pessoas viajarão no futuro.

Sobre os autores

é um escritor de tecnologia canadense. Ele é o apresentador do podcast Tech Won't Save Us e autor do livro Road to Nowhere: What Silicon Valley Gets Wrong about the Future of Transportation (Verso, 2022).

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Published in Capital, Crises migratória, Notícia, Política, Saúde and Tecnologia

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