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Primeira ministra finlandesa Sanna Marin em 2019. Foto: Laura Kotila / Valtioneuvoston Kanslia / Wikimedia Commons

A Finlândia está caminhando para uma jornada de 6 horas de trabalho – e nós deveríamos fazer o mesmo

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Tradução
Débora Nascimento

A primeira-ministra da Finlândia tem defendido uma jornada de trabalho de 6 horas sem perda de salário, permitindo mais tempo livre e uma distribuição de empregos mais justa ao povo. Conforme a pandemia nos obriga a reavaliar a organização da nossa vida profissional, devemos recuperar o histórico apelo da esquerda por uma jornada de trabalho mais curta.

Muitas vezes é difícil se livrar do mito de que os países nórdicos seriam um paraíso da social-democracia. As novas reformas políticas são frequentemente mal representadas, exageradas e transformadas em símbolos de uma “excepcionalidade nórdica” na mídia internacional. Um exemplo importante pode ser visto no experimento da Finlândia com a renda básica universal: um teste executado em escala muito menor e bem menos ambicioso do que é amplamente retratado nas manchetes sobre ele em outras línguas.

Hoje, depois de ser abalada tanto quanto o resto do mundo pela COVID-19, a Finlândia volta a chamar a atenção para aquilo que alguns consideram uma proposta utópica: uma redução radical da jornada de trabalho. Mas, desta vez, a proposta não é excepcional e nem está fora do alcance.

A primeira-ministra do país, Sanna Marin, do Partido Social Democrata (PSD), há muito defende uma jornada de trabalho nacional de seis horas. Em 24 de agosto, depois de ter sido eleita oficialmente como líder do PSD, ela aproveitou a oportunidade para anunciar aos membros do partido que o país precisa de “uma visão clara e medidas concretas de como a Finlândia pode reduzir a jornada de trabalho e melhorar a vida profissional dos trabalhadores do país”.

A conferência do partido rejeitou a proposta de Marin de definir um padrão de seis horas como um número preciso, mas a primeira-ministra criou um grupo de trabalho para propor medidas específicas para reduzir a jornada de trabalho nacionalmente sem reduzir os salários durante os próximos três anos, em cooperação com sindicatos e outras associações de trabalhadores.

Para que esse plano seja bem-sucedido, Marin também precisa convencer os outros quatro partidos da coalizão do governo finlandês. Esta pode não ser uma tarefa tão difícil quanto parece, graças à forte presença do partido Aliança de Esquerda (Vasemmistoliitto). Em contraste com muitos outros países europeus, incluindo seus vizinhos nórdicos, os sociais-democratas finlandeses não hesitam em trabalhar em estreita colaboração com seus parceiros mais radicais, que agora ocupam várias pastas ministeriais. Entre eles está a Ministra de Assuntos Sociais e Saúde, Aino-Kaisa Pekonen, que recentemente acolheu as propostas de Marin, pedindo testes nacionais de uma jornada de trabalho de seis horas, bem como testes com uma semana de trabalho de quatro dias.

Uma demanda histórica

Por que a Finlândia é capaz de organizar a defesa de uma proposta que ainda parece tão fora de alcance na maioria dos outros lugares? O catalisador imediato para a mudança de Marin é a mudança sísmica nos padrões de trabalho globais como resultado da COVID-19. Quando os trabalhadores ficam presos em reuniões no Zoom ou arriscam a vida em hospitais ou supermercados, fica mais difícil engolir a santificada ideia neoliberal de longos dias de trabalho como um fim valioso em si mesmo.

Nesse sentido, parte da resposta é que a Finlândia não é realmente uma exceção. Na verdade, a redução da jornada de trabalho por muito tempo foi um ponto de convergência da esquerda na região nórdica e no mundo todo. Desde as primeiras décadas, o movimento de trabalhadores lutava pela redução da jornada de trabalho de dez, doze ou dezesseis horas para “oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas para fazer o que quisermos“. Se isso era considerado um sonho impossível na era da Revolução Industrial, os trabalhadores nos países nórdicos e em outros lugares conquistaram essa vitória no final do século XIX e no início do século XX (inspirando o Primeiro de Maio no processo).

À medida que as economias se transformavam e a tecnologia avançava nas décadas seguintes, novas reduções nas horas de trabalho não pareciam apenas razoáveis, mas necessárias. Na década de 1970, organizações feministas nórdicas se uniram a sindicatos e outros movimentos de trabalhadores para trazer à tona o fato de que a jornada de trabalho das mulheres raramente termina nas oito horas, já que que sobre elas também pesa o “segundo turno” do trabalho de cuidado. No presente, embora as mulheres nórdicas tenham alguns dos níveis mais altos de participação na força de trabalho do mundo, elas estão desproporcionalmente mais presentes em empregos de meio período – muitas vezes uma necessidade, já que também têm de cumprir as obrigações de cuidar.

A redução coletiva da jornada de trabalho torna-se, assim, um objetivo político imediato e natural para a visão de longo prazo de acesso igualitário à participação na sociedade, e a busca da felicidade individual.

O sociólogo finlandês Paavo Seppänen formulou essas afirmações já em 1967. Ele traçou um modelo “6+6” de partilha do trabalho, ainda hoje visto como referência, em que a jornada de trabalho seria dividida em dois turnos alternados de seis horas. Grupos locais, sindicatos e comissões governamentais estudaram sobre o modelo “6+6” e desenvolveram propostas concretas para reimaginar o uso do tempo em uma sociedade em rápida mudança. Com a ascensão do neoliberalismo, essas propostas, junto com o movimento pela redução da jornada de trabalho, encontraram forte resistência ideológica e perderam impulso político. Mesmo assim, a demanda por uma jornada de trabalho de seis horas persistiu em programas partidários e plataformas sindicais.

Entre 1996 e 1999, a Finlândia implementou uma semana de trabalho experimental de trinta horas com base no modelo de Seppänen. Os resultados do ensaio mostraram aumentos não apenas no bem-estar dos trabalhadores, mas também na produtividade e eficiência geral. Resultados semelhantes foram observados nos testes suecos de menor escala, mas de muita repercussão, de jornadas de trabalho de seis horas em lares de idosos, principalmente quando se tratava de resultados de saúde, tanto para os trabalhadores quanto para os residentes.

Se esses experimentos se mostraram tão promissores, o que está impedindo a redução da jornada de trabalho como uma meta de política pública nacional? Um dos principais motivos é a resistência dos empregadores, que têm interesse em pagar não de acordo com a produtividade, mas o mínimo possível pelas horas trabalhadas. Uma jornada de seis horas em troca de um pagamento por oito horas de trabalho significa um salário mais alto por hora. Também significa uma perda de controle sobre os trabalhadores, não apenas em termos de uma parte menor de cada dia em que os empregadores controlam as atividades dos empregados, mas também através do reconhecimento implícito de que os trabalhadores deveriam ter mais voz na organização da vida profissional. No entanto, tal proposta também se choca com a influência ideológica de um sistema neoliberal de valores em que o trabalho é apresentado como a fonte última de autovalor e o preço a pagar para se ter uma participação na sociedade. Com certeza, a recente iniciativa de Marin encontrou resistência de partidos de direita e grupos de interesse empresarial imediatamente. Essas forças também estão presentes no SDP, explicando a relutância do partido em se comprometer de imediato com uma política geral de seis horas.

Há também um obstáculo mais simples no caminho da jornada de trabalho de seis horas: os custos imediatos. Desde a década de 1990, muitos outros testes de jornadas de trabalho mais curtas foram realizados em empresas individuais na Finlândia, mas com resultados mais ambíguos do que aqueles realizados com o apoio do governo. Normalmente são abandonados quando os empregadores individuais descobrem que os custos estão muito altos. Da mesma forma, a experiência sueca nas casas de repouso foi abandonada devido aos custos crescentes cobertos exclusivamente pela municipalidade local.

Sem apoio financeiro em grande escala, há pouco incentivo para que organizações menores ou governos locais realizem testes ou implementem totalmente a redução do horário de trabalho. Isso leva a uma situação contraditória, em que experimentos localizados falham devido à falta de apoio financeiro ou vontade política, que por sua vez permanece inerte devido às evidências limitadas de iniciativas bem-sucedidas. Tal como se deu na transição para a jornada de trabalho de oito horas, é improvável que uma jornada universal de seis horas se torne uma realidade sem ser definida como um máximo legal nacional. Caso contrário, poucas empresas estarão dispostas a renunciar à vantagem competitiva de jornadas de trabalho mais longas.

Inesperadamente, a COVID-19 pode provar ser o óleo a fazer com que essas engrenagens enferrujadas se movam novamente. Uma vultosa crise econômica combinada com a completa revisão dos hábitos de trabalho, junto de uma repriorização geral das preocupações com a saúde, acabou revitalizando a discussão sobre a redução da jornada de trabalho na Finlândia. Com a iniciativa de Marin, há um sinal claro de que estimular a vontade política em torno de uma jornada de seis horas é possível não apenas no futuro distante, mas aqui e agora.

Contudo, se essas iniciativas são impressionantes, não nos adianta de nada ver a região nórdica como um reino mágico da social-democracia, abençoado com circunstâncias únicas que tornariam essas reformas possíveis por ali. Os fatores sociais e políticos que conduzem a resultados favoráveis ou de mais exploração para os trabalhadores nessa região são basicamente os mesmos que no resto do mundo – particularmente na era do coronavírus. Para buscarmos inspiração para reimaginar um futuro de trabalho mais emancipatório, vale a pena ficar de olho na Finlândia.

Sobre os autores

é uma pesquisadora sueca-finlandesa e autora freelance residente em Paris.

Cierre

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Published in Análise, Capital, Economia, Europa, Legislação, Política, Saúde, Sociologia and Tecnologia

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