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Centro de treinamento de combate ucraniano onde mentores do Exército dos EUA observam os BMP-II do Primeiro Batalhão da Vigésima Oitava Brigada de Infantaria Mecanizada atacarem alvos durante um exercício de tiro no Centro de Treinamento de Combate de Yavoriv, Ucrânia, em 16 de março de 2017. (Sétimo Comando de Treinamento do Exército / Flickr)

A escalada contra a Rússia é uma péssima ideia

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Tradução
Gercyane Oliveira

Os governos ocidentais estão sendo incentivados a enviar mais armas para a Ucrânia – um movimento que só aumentará um conflito potencialmente desastroso. O que realmente precisamos é de um acordo de paz abrangente para a região.

UMA ENTREVISTA DE

David Broder

Nas últimas semanas, os meios de comunicação ocidentais resgataram analogias bem desgastadas dos anos 30 para explicar os riscos de uma potencial guerra entre a Ucrânia e a Rússia. A necessidade de “apaziguar” o Kremlin é uma forma de justificar o aumento da ajuda militar à Ucrânia, enquanto a questão do direito do país de aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é rotineiramente lançada como uma questão de sobrevivência nacional.

O professor Richard Sakwa, autor do livro Frontline Ukraine: crisis in the borderlands, retrata de forma mais complexa as relações entre a Ucrânia e a Rússia. Sua análise enfatiza uma oposição de longa data dentro da sociedade ucraniana entre forças que defendem uma ideia “pluralista” do país e suas relações com seus vizinhos, e movimentos nacionalistas comprometidos com a adesão à OTAN e com a ruptura dos laços com a Rússia.

Os protestos de Maidan em 2014, o conflito armado na região do Donbass e a anexação russa da Crimeia parecem ter agravado estas divergências. No entanto, os ucranianos expressaram apoio a processos como o acordo de Minsk II e as conversações no formato Normandia, bem como candidatos comprometidos com a diminuição da escalada – incluindo o atual presidente Volodymyr Zelensky em sua eleição em 2019. No entanto, nas palavras de Sakwa, na Ucrânia, uma minoria raivosa de extrema direita “manteve a política como refém” – um impasse que também permitiu que os extremistas em Moscou ganhassem força.

David Broder, editor da Jacobin na Europa, entrevistou Sakwa para entender mais sobre as raízes das tensões atuais e as perspectivas de uma resolução pacífica.


DB

Na mídia ocidental, a Ucrânia é muitas vezes definida quase que literalmente por seu antagonismo com a Rússia; uma manchete da Times citava um pronunciamento assim: “os ucranianos estão prontos para despedaçar os russos com suas próprias mãos”. Após a cúpula da OTAN de 2008, também se supõe que os ucranianos querem aderir à OTAN, mas a Rússia está impedindo isso. Que provas existem para isso?

RS

Isto vai muito mais longe do que a cúpula da OTAN em Bucareste em 2008, que convidou tanto a Geórgia quanto a Ucrânia a aderirem à organização. É a forma como a política ucraniana foi definida durante muito tempo em termos da chamada escolha europeia – que por si só foi altamente contestada, com pesquisa após pesquisa mostrando que o público ucraniano está dividido. Com o passar dos anos, ela vacilou um pouco, mas basicamente a parte ocidental, o que chamamos de elemento Galego [N. de E.: parte do oeste da Ucrânia se chama, literalmente, Galícia, Halychyna, uma vez que era uma região originalmente celta como o norte de Portugal], realmente quer não apenas se juntar ao Ocidente, mas romper todos os laços com a Rússia.

Se esse modelo pode ser usado neste caso, o pós-colonialismo assume um hibridismo após a colonização, como nos níveis linguístico e cultural, enquanto os separatistas culturais acreditam que você tem que expurgar todos os laços anteriores. Mas as partes sul e leste do país estão mais inclinadas a manter laços estreitos com a Rússia. De certa forma, há uma base para Vladimir Putin dizer que russos e ucranianos são um só povo em termos de cultura, história, miscigenação e assim por diante. Ele nunca disse que eles deveriam ser um Estado – e isso é uma diferença fundamental.

Viajei por Donbass em 2008, e você veria pichado em prédios por toda parte, “Não à OTAN”. Enquanto agora vimos os documentos do Departamento de Estado do WikiLeaks, publicados em 2010-11, mostrando mensagens do embaixador dos EUA em Kiev dizendo que no final das contas as pessoas queriam a OTAN. Esta foi uma ideia fantasiosa e artificial desde o início, assumindo que a escolha foi simples e inequivocamente em direção ao Ocidente. A Rússia foi então enquadrada como um obstáculo geopolítico, acima de tudo, para a democracia.

É uma situação muito mais complexa, como mostram as pesquisas de opinião ainda hoje. Gerard Toal e outros institutos de pesquisa mostraram que uma proporção surpreendentemente elevada – 30% ou 40% da população ucraniana, mesmo com a Crimeia e Donbass excluídos – querem relações estreitas com a Rússia. Alguns até querem aderir à União Econômica Eurasiática. Portanto, isto é o que Zbigniew Brzezinski e, principalmente, Samuel Huntington descreveram como um país rachado. Portanto, é errado supor que eles tenham optado inequivocamente pela OTAN. Mas esta escolha tem sido imposta desde o surgimento do governo neonacionalista, em fevereiro de 2014, após os acontecimentos na praça Maidan.

DB

Da análise de Volodymyr Ishchenko sobre esta divisão nas pesquisas, ficamos com a impressão de que, embora nos anos 90 o apoio para a adesão à OTAN fosse muito baixo, isto aumentou, e é fácil imaginar que o conflito de 2014 iria agravar os antagonismos. No entanto, a eleição de Volodymyr Zelensky em 2019 foi amplamente vista como expressando uma vontade popular de esfriar as tensões: naquela eleição, as forças pró-Maidan perderam o apoio, enquanto ele falava em defender Minsk II. Por que isso não se concretizou na prática?

RS

Sim, Zelensky foi eleito como o candidato da paz. Mas eu iria mais longe e diria que quando Petro Poroshenko, que foi eleito em maio de 2014, também estava se apresentando como o candidato da paz – as pessoas também elegeram ele vendo como um oligarca com laços estreitos com a Rússia e assim por diante. No entanto, nenhum deles podia ir adiante com as tensões arrefecidas.

Em dezembro de 2019, o Grupo de Contato da Normandia, que reúne Alemanha, Ucrânia, Rússia, França se encontrou. E o chefe de gabinete de Zelensky tentou avançar com esse processo. Mesmo enquanto se reuniam, as pessoas se mobilizaram na Praça Maidan, dizendo que não aceitariam qualquer negociação ou implementação do acordo de Minsk II se isso implicasse dar qualquer autonomia à região de Donbass.

Portanto, o primeiro fator é que existe uma minoria muito mobilizada e radicalizada dentro da Ucrânia, que mantém a política como refém. Segundo, esta minoria – embora haja um silêncio sobre alguns de seus extremos mais detestáveis – é apoiada geopoliticamente pelas potências ocidentais, pelo que eu chamo de sistema de poder atlantista. Não é apenas a OTAN, mas, escandalosamente, na minha opinião, a União Europeia, que não tem defendido seus próprios princípios.

Zelensky tem sido ainda pior que Poroshenko ao minar as instituições culturais e midiáticas em língua russa na Ucrânia e por promover uma visão distorcida da história. Assim, em certo sentido, fatores externos e internos se uniram. Mas apesar de tudo isso, as pesquisas de opinião mostram que os ucranianos ainda estão divididos, embora tenha ocorrido uma coalizão em favor de defender a soberania do Estado ucraniano.

Na verdade, os ucranianos em geral são um povo muito pacífico. É por isso que é tão catastrófico que agora estamos falando de guerra e conflito. Mas tudo isso faz parte de um quadro mais amplo, uma segunda Guerra Fria. Se é realmente uma Guerra Fria genuína, então precisamos aprender como administrar o conflito. Eu estou sustentando que hoje estamos em uma “crise de mísseis cubanos” em câmera lenta. Em outubro de 1962, ela foi resolvida pacificamente. Os mísseis Júpiter foram retirados da Turquia e a União Soviética removeu seus mísseis, enquanto os Estados Unidos prometiam não invadir Cuba.

É isso que Putin e Boris Yeltsin queriam, e antes deles, Mikhail Gorbachev sempre argumentou que a expansão do sistema de segurança militar atlântico até as fronteiras da Rússia era inaceitável. Portanto, esta questão vem se arrastando há 30 anos. Putin disse em seu discurso de Estado à nação em 2018: “Você não nos ouviu na época, então nos escute agora” – quando ele anunciou mísseis supersônicos e assim por diante. Esse é o pano de fundo de onde estamos hoje.

Mas, em última análise, a sociedade está dividida internamente dentro da Ucrânia. Há um enorme potencial de paz, mas os piores elementos da política ucraniana são exacerbados pelo apoio ocidental à vantagem geopolítica a curto prazo. Mesmo há pouco tempo, a Ucrânia estava comprometida com a neutralidade. Se a Irlanda pode ser neutra, se a Áustria pode ser neutra, se a Finlândia pode ser neutra, então por que a Ucrânia não pode, especialmente porque há um grande eleitorado a favor dessa posição dentro da própria Ucrânia? Esta era, afinal, a política oficial da Ucrânia até a chegada dos neo-nacionalistas ao poder em 2014.

DB

Algumas reportagens enfatizam as observações de Mikhail Gorbachev de que a expansão da OTAN para o leste nunca foi discutida no final da Guerra Fria, ou seja, nega ao governo russo a alegação de que “promessas foram feitas mas não foram cumpridas”. Mas eles talvez não entendam seu ponto mais amplo, ou seja, a expansão pós Guerra Fria não incluiu a Rússia e parecia dirigida contra ela. Até que ponto devemos levar a sério a proposta apresentada por Gorbachev, e na verdade tanto Yeltsin como Putin depois dele, de algum tipo de “grande Europa” incluindo a Rússia, como uma alternativa a esta segunda Guerra Fria?

RS

Absolutamente. Não foram apenas Gorbachev, Yeltsin e Putin que avançaram esta ideia. É, naturalmente, uma ideia Gaulista que, em última instância, a Europa precisa tomar o controle de seu próprio destino. François Mitterrand também falou de uma confederação da Europa.

Gorbachev fez uma declaração enganosa de que não havia promessas de não ampliar a OTAN, mas ninguém entende bem o porquê. Todos os documentos do Arquivo de Segurança Nacional publicados em 2017 mostram que dezenas de líderes ocidentais disseram que a OTAN não se expandiria além da Alemanha unificada. Isso é inequívoco. Isso faz parte da extraordinária guerra de propaganda em que estamos vendo agora, quando acadêmicos e políticos ocidentais dizem que não havia promessa.

Mas, em última análise, duas ordens de paz foram oferecidas no final da Guerra Fria, e ambas eram boas. Havia a ocidental, “Europa inteira e livre”. Mas a do “lar europeu comum” baseava-se na ideia de uma transformação. Nem que a expansão da OTAN, como tal, tenha sido tão má, mas que não ocorreu em um quadro adequado, isto é, em que os interesses de segurança da Rússia pudessem ser levados em conta.

Um “lar europeu comum” é o único caminho a seguir. As pessoas podem zombar dele agora, mas eu não. E há muitas pessoas na Rússia que também discutem isso – liberais e até mesmo alguns conservadores. Há a questão da forma que isso assumiria. Gorbachev e outros realmente queriam que a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) se tornasse o principal órgão de segurança, com um Conselho de Segurança agindo como uma ONU regional, o que teria resolvido a questão. Então, a OTAN poderia ter se expandido. Em muitos aspectos, alguns dos argumentos a favor são muito bons. A OTAN impede que os pequenos Estados entrem em guerra uns com os outros e espera que ela continue a evitar que a Turquia e a Grécia entrem em conflito.

Mas a Rússia tem que fazer parte da ordem de segurança de alguma forma ou de outra, e isso não aconteceu. Houve o Conselho Conjunto Permanente OTAN-Rússia de 1997, e depois o Conselho OTAN-Rússia de 2002, mas estas foram o que eu chamo de medidas de mitigação, não resolvendo de fato a questão. Sem dúvida, desde 2018, Putin e sua equipe disseram: “Já chega, não podemos confiar no Ocidente, eles estão se movendo na fronteira”. E não é apenas a OTAN: são as instalações de mísseis e antimísseis que estão sendo construídas tanto na Romênia quanto na Polônia, o MK-41 Aegis Ashore. Assim, quando há intermináveis provocações, o que Moscou consideraria exercícios militares – bombardeiros B-52 voando ao longo da fronteira que podem transportar bombas nucleares e navios de guerra no Mar Negro – o senso comum diz que, em última instância, haverá um recuo. E o que é tão assustador hoje, nesta segunda Guerra Fria, é que muito poucos no Ocidente realmente entendem quão alto é o risco.

DB

Dissemos que a Ucrânia não é um monólito, mas certas forças querem criar tensões com a Rússia por suas próprias razões. Mas algo semelhante poderia ser dito da própria Rússia. Além de Alexei Navalny – com seus comentários naTime acusando o Ocidente de jogar nas mãos de Putin, mas também pedindo que o Ocidente pare de “apaziguar” ele – há também forças da oposição que criticam Putin, mas não de uma perspectiva a favor do Ocidente. Que importância devemos dar à ideia de que Putin está fazendo estas exigências para administrar a situação política interna, reunindo a população em torno do espetáculo do conflito – ou, como alguns dizem, até mesmo tentando aumentar os preços do gás?

RS

Um dos elementos mais perturbadores hoje é que os liberais na Rússia tentam compensar sua fraqueza interna alavancando o apoio ocidental, o que só os enfraquece no próprio país. As pesquisas de opinião mostram apenas 1% a 2% de apoio à Navalny, quando ele estava em liberdade, e ainda hoje, apesar da enorme propaganda. Assim, os liberais estão presos nesta espiral de morte onde são lançados a esta linguagem horrível da Guerra Fria como “quinta colunistas” e “diversionistas”, enquanto que, claro, a maioria deles não está. Eles querem ver mais direitos constitucionais, democracia e assim por diante. Esse é o jogo perigoso que eles estão jogando com o Ocidente.

Mas a opinião pública interna na Rússia não está preparada para a guerra de forma combativa – é absolutamente o oposto. O mesmo é verdade na Ucrânia. Apenas a população ocidental que parece estar numa frenesi agora. Os ucranianos são pacíficos e os russos também.

Mas o ponto substantivo, que os comentaristas ocidentais fazem incessantemente, de que Putin está engajado para aumentar sua popularidade, é completamente falso. Sua popularidade baixou, mas ainda está em níveis muito altos (65% de apoio) para alguém que está no poder há 20 anos. Eu não sou um realista linha dura do tipo John Mearsheimer, argumentando que a política interna não tem nenhuma contribuição para a política externa e para a segurança, embora eu seja sensível a seu argumento.

Sempre defendi uma visão “fatorial” da política russa: há tendências muito poderosas e diferentes, desde a sociedade até a elite dividida. E até onde eu entendo, desde o outono de 2019, os chamados pragmáticos dentro do Kremlin e da elite dominante perderam sua posição. Basicamente, os linha-dura disseram: “Basta: fomos considerados tolos pelos ocidentais, realmente precisamos começar a empurra-los para trás”. Infelizmente, parte disso também estava espremendo a oposição doméstica, o que eu acho – como era nos tempos soviéticos – um enorme golpe autoinfligido. Essa repressão interna não ajuda a dar credibilidade às ações de política externa da Rússia. Isso pode ser bastante sensato da maneira que estamos dizendo – há um claro problema de segurança ali. Mas isso é prejudicado, por exemplo, pelas tentativas de fechar o Memorial. Para mim, a existência do Memorial, embora pudesse continuar funcionando de maneira mais ou menos normal, era um símbolo de que, em última análise, ainda havia um nível de pluralismo e abertura. Mas desde o outono de 2019, o governo vem recuando de forma bastante dramática contra isso.

DB

A cobertura da mídia britânica muitas vezes se concentra em nossa responsabilidade de não “apaziguar” Putin. Também temos esta analogia da Segunda Guerra Mundial na política alemã, com sua ministra das Relações Exteriores do Partido Verde, Annalena Baerbock, dizendo que Berlim tem o dever de proteger estes Estados por “razões históricas”. A ideia de que pequenos países como os Estados balcânicos devem poder escolher por si mesmos, e não ficar indefesos, o que Putin está efetivamente defendendo, soa atraente a um certo nível. Mas também há claramente um problema com esta analogia na medida em que ela importa para a política ocidental um trunfo que demoniza todos os críticos, ou aqueles que não são partidários da radicalização armamentista, como “apaziguadores” dos últimos dias.

RS

A tendência que você menciona é ainda pior do que na primeira Guerra Fria, porque naquela época havia pelo menos alguma diversidade e debate. Mencionei a França de De Gaulle, e dentro da Alemanha Ocidental, havia a linha Ostpolitik de mudança através do engajamento, começando no início dos anos 60. O que é tão chocante hoje em dia é que há poucas vozes em oposição. Em vez disso, temos esta ameaça interminável da unidade das potências atlânticas. A unidade só é uma coisa boa se estiver unida em torno de uma política sensata, não se for uma reprodutora de falsas análises falando sobre a pequena e corajosa Ucrânia enfrentando a Rússia como uma potência revisionista. A Alemanha deve ser elogiada por sua abordagem da história, mas não há nada mais perigoso do que aplicá-la erroneamente a um momento histórico diferente. Qualquer ideia de falar de engajamento – política clássica alemã – e até mesmo o avanço do Nord Stream 2 é considerado “apaziguamento” da Rússia.

Isto é um completo mal entendido sobre onde estamos hoje. Putin não deseja recriar um império soviético. O ministro da defesa na Grã-Bretanha, Ben Wallace, disse esta semana que Putin é um homem etnonacionalista. Isto não poderia estar mais equivocado: a Rússia tem hoje pelo menos 150 nacionalidades. Putin tem condenado o tempo todo o etnonacionalismo: por que isso dilaceraria o país. Portanto, se os políticos ocidentais errarem as questões básicas, eles também vão errar as grandes questões geopolíticas.

Então, minha opinião é que esta situação atual é muito mais perigosa porque há apenas algumas almas corajosas por aí que estão condenando a escalada do conflito. Estou muito feliz em ver o Quincy Institute for Responsible Statecraft se desenvolver; há algumas pessoas nos Estados Unidos, chocantemente poucas no Reino Unido – e acho que a maré mudou na Alemanha também, especialmente com os Verdes, que são apenas intervencionistas liberais clintonianos da pior espécie – falcões da Guerra Fria.

A política externa deve ser sempre um equilíbrio entre interesses e valores. Se a Rússia estivesse apenas querendo invadir e suprimir a democracia ucraniana, então eu seria o primeiro a apoiar a Ucrânia. Mas não é disso que estamos falando. O chamado revisionismo de Putin não é do tipo Adolf Hitler. Essas comparações são um absurdo neste caso. Quando Putin chegou ao poder, ele até disse que a Rússia se juntaria à OTAN. A elite e os líderes na Rússia são racionais. Eles não estão tentando recriar um império. Eles estão simplesmente dizendo: “Olha, estamos de costas para a parede. Nos escute.”

A solução é muito simples: neutralidade para a Ucrânia. Ninguém a está assumindo. Putin apoiou o acordo de Minsk II, que é uma estrutura para o retorno de Donbass à soberania ucraniana. Então, onde está o império nisso? Hoje, há 2,5 milhões de pessoas em Donbass com seus próprios pontos de vista. Putin se mobilizou inicialmente porque a Ucrânia tem 100.000 soldados também na fronteira, com os mísseis e drones turcos, que mostraram sua eficácia na segunda guerra de Nagorno-Karabakh, entre a Armênia e o Azerbaijão, no ano passado. Assim, houve um verdadeiro alarme em Moscou de que eles poderiam fazer o que a Croácia fez na Operação Storm, ao atacar os enclaves sérvios em meados da década de 90. É uma situação complicada, mas as bases são bastante simples e claras.

DB

Anteriormente, você comparou esta situação com uma “crise dos mísseis cubanos em câmera lenta”. Nesse caso, havia uma espécie de preservação mutuamente aceitável através da desescalada de ambos os lados. Será esse o resultado provável aqui: outra rodada das conversações da Normandia ou dos acordos de Minsk?

RS

Fala-se de uma nova cúpula de Joe Biden-Vladimir Putin, possivelmente nas próximas semanas, o que eu saúdo muito. E as negociações são importantes em tudo isso. Meu ponto de vista é que a chance é de 50% a 50%. Penso que as pessoas não entenderam que tivemos sorte em outubro de 1962 porque tínhamos basicamente líderes sensatos, sobretudo John Kennedy e Robert Kennedy, e canais de retaguarda e assim por diante. Acho que não há quase nada disso agora e que estamos mais perto de um conflito genuíno. O Ocidente e, é claro, os britânicos estão apenas enganando, jogando gasolina na fogueira; nem mesmo os alemães estão dando permissão de sobrevoo às forças britânicas que voam para a Ucrânia.

Acho que isso poderia ir para qualquer um dos lados. Os russos não podem simplesmente ficar sem nada e o Ocidente não está oferecendo quase nada em troca. Nos bastidores, há algumas negociações, o que é bom. Fazendo algumas ofertas menores – também boas. Mas isto não está na escala necessária. Os russos estão agora dizendo que precisamos voltar à agenda de Gorbachev para resolver uma ordem de paz europeia.

Você mencionou que cada país pode fazer sua escolha; mas a outra metade da ordem de paz estabelecida em 1990 era que a segurança é indivisível. Os russos estão dizendo: “Pessoal, onde está nossa segurança? Fomos deixados do lado de fora.”

Agora estamos mais perto da guerra. Acho que isso não significa uma ocupação da Ucrânia. Mais provavelmente, significaria artilharia de longa distância, ataques aéreos, etc., para tentar degradar as forças ucranianas e levar o ocidente a negociações mais sérias. Até agora, eles têm passado pelas moções, mas tem que haver algum tipo de declaração. A crise cubana foi resolvida por concessões para que ambos os lados pudessem salvar sua própria pele. Hoje, não precisamos apenas salvar a pele, precisamos também de medidas substantivas.

Sobre os autores

é professor de política russa e europeia na Universidade de Kent e autor de "Frontline Ukraine: Crisis in the Borderlands".

é historiador do comunismo francês e italiano. Ele está atualmente escrevendo um livro sobre a crise da democracia italiana no período pós-Guerra Fria.

Cierre

Arquivado como

Published in América do Norte, Entrevista, Europa, Fronteiras & Migração and Militarismo

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