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A Igreja Pentecostal Yoido Full Gospel em Seul, Coreia do Sul. (SeongJoon Cho / Bloomberg via Getty Images)

O pentecostalismo está se tornando a nova religião dos pobres no mundo todo

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Tradução
Felipe Kusnitzki

Trabalhadores ao redor do mundo estão aglomerando-se em igrejas pentecostais, que oferecem não apenas um guia espiritual, como também apoio material. Esta é uma má notícia, uma vez que o apogeu do pentecostalismo está atrelado ao emergente movimento da extrema direita.

Em 2019, o pastor sul-africano Alph Lukau conquistou a infame fama mundial com um vídeo viral onde ele “ressuscitou” um homem (claramente vivo) dos mortos. A façanha caricatural foi o culminar de uma corrida armamentista profética – um grupo de jovens pregadores do país vinha incorporando práticas cada vez mais extremas em seus cultos para capitalizar a raiva e a desesperança de toda uma geração.

O “professor” Lesego Daniel afirmou ter o dom de transformar “gasolina em abacaxi”, incentivando sua congregação a beber o produto como uma espécie de comunhão. Um de seus protegidos, o pastor Lethebo Rabalago, foi apelidado de “Profeta da Perdição” por pulverizar os fiéis com uma marca de inseticida para ajudar a expulsar demônios. Enquanto isso, o profeta Penuel Mnguni pisoteava os congregados seminus e os fazia comer cobras vivas enquanto os livrava do mal.

Forasteiros podem instintivamente procurar pelo Ki-suco envenenado, mas isso não é um culto apocalíptico. É uma expressão sul-africana excepcionalmente moderna e extrema do cristianismo pentecostal – uma fé que é, pelo menos por conversões, a religião que mais cresce na terra, com 600 milhões de seguidores e continua aumentando.

“No Brasil, os pentecostais aumentaram de 3% da população brasileira em 1980 para mais de 30% hoje – derrubando 500 anos de domínio católico em apenas algumas décadas.”

O que Mnguni rotulou de “Igreja do Horror” pode parecer um mundo distante do cristianismo, como muitas pessoas o conhecem, mas esse é o ponto principal. Os jovens pregadores mais loucos, populares e ricos do Sul do continente africano não seguem as regras, e suas congregações os amam por isso. O novo pentecostalismo é um dedo do meio direto bem na cara de todas as instituições que falharam com eles. E esta está se tornando a fé dos trabalhadores pobres do mundo.

Saúde e riqueza

De cerca de 2 bilhões de cristãos em todo o mundo, mais de um quarto são agora congregados à igrejas pentecostais, diante de apenas 6% em 1980. Prevê-se que em 2050, um bilhão de pessoas – ou um em cada dez de nós – estará dentro dessa igreja. Nada mal para um movimento iniciado em Los Angeles em 1906 pelo filho de escravos libertos, há muito considerado o filho bastardo do cristianismo.

O pentecostalismo é um ramo do cristianismo evangélico. Seus adeptos são primeiro nascidos de novo, aceitando Jesus como seu Senhor e Salvador, e então repletos pelo Espírito Santo, recebendo dons que incluem milagres, profecias e falar em línguas diferentes. Muitos pentecostais não adotam o rótulo, mas sua prática guiada pelo Espírito ou carismática, mesmo que varie marcadamente ao redor do mundo, é inconfundível.

O pentecostalismo atraiu mulheres, migrantes, afro-americanos e pobres desde o início. Seu surgimento como a principal fé de escolha para os trabalhadores pobres do mundo é, em grande parte, devido à sua abordagem doutrinária de “saúde e riqueza” – experiência direta e interação pessoal com a presença de Deus e seus milagres, trazendo sucesso nas questões da mente, corpo, espírito e dinheiro.

“As igrejas estão se tornando seus próprios Estados dentro dos Estados, onde os dízimos são efetivamente uma forma de tributação.”

Passei os últimos anos viajando pelo mundo para entender o notável crescimento do movimento. Nos Estados Unidos, tendemos a pensar nos evangélicos como pessoas brancas do tipo trumpista – mas o pentecostal médio é jovem na África subsaariana ou na América Latina. Ela se juntou a desertores norte-coreanos que lutam para sobreviver em Seul, ciganos britânicos e ciganos continentais que há muito são os párias da Europa e povos indígenas que enfrentam guerras sujas e desastres na América Central. A maioria desses grupos que se converteram desde a década de 1980 nos diz muito sobre o mundo moderno.

A safra de jovens pregadores sul-africanos em camisas coloridas e ternos lisos encontrou um público disposto nos millennials, que cresceram no brilho do otimismo pós-Aparthed apenas para se tornarem terrivelmente decepcionados. Eles receberam a promessa de tudo e, em vez disso, encontraram-se na sociedade mais desigual do mundo, com 75% de desemprego entre os jovens, mais de 80% do país sem plano de saúde e um sistema educacional falido.

Os problemas da África do Sul podem ser extremos, mas em quase todos os cantos do globo o padrão está se repetindo. As pessoas, particularmente dentro e ao redor das grandes cidades, estão se voltando para as igrejas pentecostais porque são os únicos lugares que atendem às suas necessidades espirituais e materiais.

À medida que esse movimento cresce, as igrejas estão se tornando seus próprios Estados dentro dos Estados, onde os dízimos são efetivamente uma forma de tributação. Aqui, eles recebem alguns cuidados de saúde – milagrosos e clínicos – bem como cuidados infantis e apoio social. Em um momento em que os Estados estão, muitas vezes deliberadamente, falhando em fornecer programas sociais e um padrão de vida decente que possa sustentar indivíduos e comunidades, os trabalhadores pobres estão encontrando alternativas.

Prosperidade e populismo

A maioria das igrejas pentecostais não pratica a fé como os jovens pregadores da África do Sul, mas algumas das práticas não parecem menos estranhas para aqueles de fora do movimento. Para ver em primeira mão essa “revolução” acontecendo na América Latina, viajei para o subúrbio operário do Brás, em São Paulo. No Brasil, os pentecostais aumentaram de 3% da população brasileira em 1980 para mais de 30% hoje – derrubando 500 anos de domínio católico em apenas algumas décadas.

Era segunda-feira de manhã, e o sol ainda lutava para se erguer sobre o topo do Templo de Salomão, o santuário de 55 metros de altura e US$ 300 milhões ao deus da saúde e riqueza e sede da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). No culto das 7 da manhã, um homem na minha frente abriu uma enorme Bíblia esfarrapada e colocou sua carteira em cima, segurando-a para o céu e comunicando-se aos céus em línguas. Dizem que os pentecostais oram na segunda-feira, não no domingo – e foi esse conhecimento que transformou a IURD em uma das principais igrejas evangélicas da prosperidade do mundo.

“A grande inovação de Edir Macedo foi abrir as igrejas logo pela manhã e à última hora da noite – os horários em que os trabalhadores estão indo e voltando do trabalho.”

Os paroquianos da IURD são conhecidos por doar seus carros e casas em momentos de êxtase. O fundador da igreja, Edir Macedo, que fez de tudo para popularizar o pentecostalismo no Brasil, agora é um magnata bilionário – mas já foi um garoto pobre oriundo de uma favela, um dos sete dos dezessete irmãos que sobreviveram à infância.

A grande inovação de Macedo foi abrir as igrejas logo pela manhã e à última hora da noite – os horários em que as pessoas que trabalham nas fábricas ou como empregadas domésticas estão indo e voltando do trabalho. Na visão de Macedo, um pregador pentecostal exigia seguidores, não educação, e ele capacitava pessoas comuns a criar igrejas à sua própria imagem.

Nas favelas e aldeias pobres nas margens da Amazônia, os pastores pentecostais parecem e soam como a população local. Eles cresceram andando pelas mesmas ruas e subiram na hierarquia social para posições de status, assim como seus vizinhos aspiram fazer. Eles ouvem naquelas ruas sobre a mãe doente de alguém e aparecem para confortá-la. Eles agem como mentores de sua congregação, incentivando os paroquianos a iniciar pequenos negócios de venda de rua e escapar de seus horríveis chefes. Se o marido babaca de alguma mulher da congregação está bebendo e sendo mulherengo novamente, eles param para conversar com ele.

Eles também, é claro, estão pressionando seu rebanho a pagar pelo menos 10% de seu suado dinheiro, mas existimos em um sistema que iguala o valor de algo a pagar por isso. Nesse sentido, o evangelho da prosperidade é uma resposta desconfortável para um mundo que cultua o dinheiro todos os dias, mas geralmente sem qualquer cerimônia. Torna-se uma fortificação simultaneamente contra e dentro do mundo material.

Não apenas isso, mas há um crescente leque de evidências de que o evangelho da prosperidade realmente oferece. Na pesquisa descobri que as pessoas que vêm da pobreza, ou ciclos de violência e vício, têm maiores chances de escapar desse mundo se ingressarem em uma igreja evangélica – a chamada “profecia auto-realizável” do favor de Deus sendo demonstrada em bem-estar material. 

“Pentecostalismo e a extrema direita estão cantando o mesmo refrão gospel.”

O evangelho da prosperidade não está apenas tendo sucesso onde os Estados falharam – está oferecendo um incentivo para que falhem. Para cada 1% de redução no PIB de um país, pesquisadores brasileiros encontraram um aumento de 0,8% no número de evangélicos, já que as igrejas dão às populações vulneráveis ​​uma rede de solidariedade que o Estado não conseguiu fornecer.

O pentecostalismo de hoje tem muito em comum com a mudança política global em direção a uma extrema direita que se opõe à ordem mundial liberal, incluindo globalização, feminismo, migração em massa e a ciência. Não é por acaso que a popularidade da fé coincidiu com uma mudança marcante nas perspectivas políticas, sociais e econômicas em todos os cantos do mundo. Mais diretamente, o pentecostalismo desempenhou um papel vital na elevação de uma nova onda de líderes de extrema direita, incluindo Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán e Rodrigo Duterte.

O pentecostalismo e a extrema direita estão cantando o mesmo refrão gospel. Mas esse movimento também é maior que a política. A fé segue os padrões de migração global da classe trabalhadora e, para muitos que se mudam para grandes cidades como Joanesburgo, São Paulo, Londres e Los Angeles para trabalhar, é sua única forma de comunidade.

O pentecostalismo oferece acesso direto à nutrição espiritual, social e material em um mundo que nega os pobres do mundo esse três elementos. Naturalmente, há um número crescente de igrejas pentecostais que atendem às classes ricas e médias também. Afinal, eles sabem que a mobilidade ascendente é tênue – e quem avança precisa de um milagre para permanecer lá.

Sobre os autores

é jornalista e autora de Beyond Belief: How Pentecostal Christianity Is Taking Over the World.

Cierre

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Published in Africa, América do Norte, América do Sul, Análise, Capital and Sociologia

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