Em abril de 2017, os chefes corporativos supremos da PepsiCo lançaram um videoclipe de quase três minutos que projetava uma vaga ideia de solidariedade para com nada em particular. Apresentando um elenco diverso de jovens fotogênicos e estrelado por ninguém menos que a superestrela Kendall Jenner, o segmento traz no primeiro plano uma reunião vagamente codificada como uma marcha de protesto graças a alguns punhos erguidos e um punhado de cartazes exibindo uma série de demandas não muito incendiárias, como “Junte-se à conversa.”
No final do vídeo, a glamurosa Jenner desliza graciosamente em direção a uma falange de policiais uniformizados para compartilhar uma lata gelada de Pepsi com um policial, sob aprovação geral de todos os envolvidos. Conforme a câmera desvanece ao som de “Lions” de Skip Marley, o logotipo da Pepsi aparece e os espectadores são convidados a “Viver o Agora”®.
Praticamente tudo sobre o comercial, da premissa à encenação – e até o simples fato de que ele existe -, é um absurdo do início ao fim. Como autoparódia corporativa, foi nada menos que um desempenho de nível olímpico, algo que os melhores satiristas não conseguiriam igualar se tentassem. Surdo e doloroso de assistir, mesmo para os padrões cavernosamente baixos da vergonha alheia empresarial quando o tema é justiça social, e apropriando-se descaradamente de imagens do Black Lives Matter, o comercial provocou uma reação furiosa o suficiente para que fosse derrubado em tempo recorde, mas continua vivo na memória popular como uma espécie de padrão-ouro de progressismo capitalista dando errado.
Isso pode muito bem mudar nos próximos tempos, conforme multidões de estadunidenses comuns corajosamente saem às ruas em uma série de protestos cada vez mais assertivos contra a brutalidade policial e o racismo sistêmico, enquanto um coro de marcas empresariais oferece vagas demonstrações de apoio nas redes sociais. Percorrendo toda a gama de possibilidades desde o pólo do bem-intencionado-mas-absurdo até o francamente sociopata, as equipes de comunicação em vários quartéis generais corporativos estão trabalhando horas extras para se alinhar com a causa mais ampla da justiça racial e para tornar conhecido seu compromisso geral com a inclusão.
A Batata Pringles escureceu seu Twitter na #BlackOutTuesday. A conta oficial de Star Wars divulgou um breve comunicado em apoio aos funcionários e artistas negros. @Barbie se comprometeu a defender a diversidade e declarou sua solidariedade a toda a comunidade negra. Enquanto isso, o restaurante GarfieldEATS, com sede em Toronto, tuitou uma imagem dos olhos rabugentos do gato de mesmo nome acompanhada pela hashtag #BlackLivesMatter, como se sugerisse que o felino infame pela sua preguiça e glutonice não gosta de discriminação quase tanto quanto odeia as segundas-feiras.
Para ser justo com as marcas, alguns desses esforços parecem bem-intencionados – afinal, se as empresas comerciais estão oferecendo o endosso nominal ao anti-racismo, isso é obviamente melhor do que o contrário. Deixando de lado o absurdo burlesco de ler mensagens sobre inclusão elaboradas pelos especialistas em branding de Call of Duty: Warzone e FritoLay, há algo de menos inócuo na maneira como empresas específicas inevitavelmente aproveitam qualquer coisa que tenha um tom de justiça social como uma oportunidade para os exercícios mais transparentemente cínicos em Relações Públicas.
Isso inclui leviatãs corporativos como a Amazon, que orgulhosamente apregoa seu compromisso com a diversidade e com a oposição à discriminação, ao mesmo tempo em que paga mal a seus funcionários e trata muitas pessoas não-brancas que ela emprega como se fossem menos que lixo. Inclui a McKinsey, que (entre outras coisas) ansiosamente ofereceu seus serviços para a brutal agenda imigratória da administração Trump e deu consultoria à Immigration and Customs Enforcement (ICE), aconselhando a restrição da ingestão calórica para os imigrantes mantidos em campos de detenção, enquanto emitia um comunicado que condenava “o racismo, o ódio e o preconceito” em todas as formas. Inclui o comissário da NFL Roger Goodell, que evidentemente desenvolveu um grave caso de amnésia sobre sua desprezível resposta quando o zagueiro de San Francisco, Colin Kaepernick, decidiu se ajoelhar em nome dos direitos civis.
Tão hipócrita, sinistro ou simplesmente absurdo quanto possa ser o caso, o reflexo irresistível das marcas corporativas para se inserirem em causas populares levanta uma questão real sobre a mercadificação da justiça social e sobre a forma como se assume que tudo, desde a pobreza até a discriminação racial deveria ter uma solução de mercado – mesmo quando (ou especialmente quando) as próprias empresas são diretamente cúmplices do problema.
Por mais ridículo que fosse, o agora infame vídeo da Pepsi foi meio que um estudo de caso extremo sobre o que acontece quando as forças do mercado passam a maior parte de quatro décadas canibalizando tudo em seu caminho, desde direitos civis, passando por direitos sindicais e chegando até nos repertórios conceituais de justiça social e interseccionalidade. Quando a própria ideia de sociedade é corroída em nome da eficiência do mercado, o vocabulário disponível para se expressar qualquer coisa com autenticidade se reduz inevitavelmente ao ponto de que tudo deve ser dobrado em torno da lógica sem alma do dinheiro e das marcas corporativas. É graças a essa distorção que até mesmo as empresas mais patentemente perversas do planeta podem exibir carros alegóricos cheios de balões na parada do orgulho LGBTQ e que grandes sucessos de bilheteria agora são vistos como um terreno central da luta cultural, enquanto a resistência genuína ou programática à desigualdade e ao racismo é marginalizada e ignorada.
De maneira mais aguda do que qualquer outra coisa até agora, o esforço risível da Pepsi para mercadificar a justiça social encapsulava perfeitamente o ethos do mercado que agora permeia de forma tão inescapável as sociedades sociedades ao redor do mundo, onde até mesmo a iconografia de dissidência e inclusão pode perfeitamente ser inserida lado a lado com o logotipo de sua bebida gaseificada favorita, seu aplicativo de comércio eletrônico favorito, seu provedor de internet ou seu fabricante de munições.
Na versão da Pepsi para os EUA, policiais fortemente armados, ativistas do Black Lives Matter, celebridades e cidadãos comuns se aglutinam em torno de imagens de harmonia social e protesto sem atrito, retocadas no Photoshop, tudo isso facilitado por um refrigerante açucarado lucrativo fabricado por uma corporação multibilionária. Enquanto isso, no país real, as forças combinadas do capitalismo de mercado e do racismo institucional conspiram para sustentar a desigualdade e o preconceito ao mesmo tempo em que reprimem manifestantes e cidadãos comuns.
As grandes empresas discriminam seus funcionários, atacam os sindicatos, pagam mal e geralmente tratam a vasta e diversa classe trabalhadora como uma merda. Por trás das cortinas de fumaça progressistas da Grande Filantropia e do falatório de interseccionalidade de RH, seus comitês corporativos de ação política despejam contribuição após contribuição nos cofres dos políticos do sistema, tanto conservadores quanto progressistas, que por sua vez defendem um status quo moralmente indefensável, enquanto seus exércitos de lobistas e consultores garantem que as necessidades de cuidados de saúde, moradia ou dignidade básica de ninguém jamais violem a regra fundamental dos resultados financeiros.
É por isso que, à medida que os policiais brutalizem as pessoas marginalizadas e elas decidam resistir coletivamente, haverá muitos clamores vagos em nome da inclusão vindo dos departamentos de relações públicas corporativas, mas pouquíssimas ameaças de retirar contribuições políticas ou exigências às lideranças políticas para que cumpram as medidas necessárias, como retirar o financiamento de departamentos de polícia locais cujos arsenais estão cada vez mais empanturrados de equipamento de nível militar no estilo Rambo.
A onipresença de uma única mercadoria em qualquer mercado inevitavelmente reduz seu valor – e, como tem ficado nítido nos últimos tempos, a justiça social da variedade com marca registrada, lavada em relações públicas, é uma mercadoria barata e onipresente na versão atual dos países capitalistas centrais, hiper-mercadizada e hiper-carcerária. Não é acidental então que, em meio a esse dilúvio, o tipo verdadeiro de justiça social continue a ser perigosamente escasso.
Sobre os autores
é colunista da Jacobin.
[…] do racismo e as desigualdades, ainda que impulsionada pela burguesia. Para outros, como Luke Savage, em artigo para a revista Jacobin, o capitalismo progressista não é nenhum aliado e isso gerou severas […]